Noite de 10 para 11 de Outubro 2001
I Trabalho de parto
Vou dar à luz. Sou uma Rainha-mãe de cabelos cinzentos, em trabalho de parto e estou no século XIV. Chamo a minha aia. Tenho dores insuportáveis, mas ela, no processo de me ajudar, parece que ainda as agrava mais. O palácio está completamente silencioso. A minha aia diz:
– Temos de fugir. Vêm aí para te matar. A ti e ao teu filho.
– Uma mulher não pode fugir enquanto está a dar à luz! – digo eu.
– Pode, se quiser salvar a vida dela e do filho – responde a aia.
Como é que tudo começou? Eu estou a escolher livros num alfarrabista. Já tenho uma série deles quando pego em três volumes, antigos, de autores diferentes, bem encadernados, e saio com eles sem os pagar. Tenho consciência do meu roubo, e sinto-me tentada a voltar atrás e colocá-los de novo na mesa de ponde os tirei. Eles estavam expostos na rua. Contudo, decido sentar-me e apreciar bem o que levo, antes de tomar alguma iniciativa. E é isso que faço. Folheio os livros, um por um. Estão muito estragados por dentro. Por muito que pudesse gostar dos livros, e nem sequer é esse o caso, neste estado não me interessam de todo.
E agora estamos junto do solar de uma amiga minha que está a catalogar o recheio da casa para não ter problemas com os irmãos. Ela está ligeiramente irritada. Diz:
– Vocês não imaginam as cenas que eles são capazes de fazer por causa de umas colheres de prata!
Decido devolver os livros. Mas agora o alfarrabista é dentro de um edifício e não ao ar livre. Ele faz questão de me mostrar um livro lindíssimo que acha que eu devo gostar. É uma obra medieval. E tem ilustrações a três dimensões. São figuras recortadas nas páginas do lado esquerdo, e que se evidenciam em janela. Virando um numero de páginas suficientes, ao mesmo tempo, a janela deixa ver cenas quase em animação.
II Em perigo de vida
Vejo assim uma janela ogival, por detrás da qual se entrelaçam lanças e se enfrentam lanceiros. Com o virar das páginas as figurinhas ganham mesmo uma ilusão de movimento filiforme. E agora, a dar à luz, é exactamente nesse cenário que me encontro. Em perigo de vida, segundo a minha dinâmica aia.
Ela guia-nos através de corredores desertos e escadas. As escadas e as paredes são de madeira maciça. Finalmente chegamos ao último andar. Ali ficam os aposentos das criadas. Ela faz-me despir as minhas roupas e veste-me as delas. Agora também eu pareço uma criada, com uma touca branca a esconder-me o cabelo cinzento, e com roupas pesadas e escuras a esconder-me a barriga. A minha saia é preta, franzida na cintura e por cima tenho uma blusa do mesmo tecido:
– Vão descobrir que estou grávida! – digo eu.
A aia tranquiliza-me:
– Vão é achar que Vossa Majestade é gorda e pesada como qualquer criada a partir de certa idade. E agora, desculpe, mas vou ter de a tratar de igual para igual. Temos de parecer íntimas.
Os passos dos homens aproximam-se:
– Estão quase aqui – diz a aia.
E nesse momento eles entram. Estão armados, de lanças e espadas. Se soubessem quem eu era, degolar-me-iam mesmo ali. Eu própria não me reconheço fisicamente, como Rainha-mãe, embora saiba que sou eu própria. Exteriormente nem o tom de pele, nem o corpo, nem o cabelo, nem as feições são as minhas, tal como estou habituada a reconhecer-me. Contudo, sei que sou a mesma, indubitavelmente.
Os homens vasculham o quarto e os anexos onde estamos e onde vive a minha aia. Mal olham para mim. Eu chego à janela e olho para o parque. É muito bonito, e tem uma estrada larga, de saibro, até ao portão. É um parque muito grande, dali só se vê a parte que dá para a entrada. Os homens perguntam-me se não sei de nada:
– Vi duas pessoas a correr para a saída do parque – respondi, sempre a olhar pela janela – uma delas caminhava com dificuldade.
Os homens lançam exclamações em voz surda:
– Claro! É a única forma de escapar. É preciso coragem e atrevimento, porque é muito arriscado, assim em plena luz do dia fugir pela entrada principal, mas ela tem as duas coisas. Temos de correr para a apanhar.
Perguntam-me há quanto tempo é que eu vi isso, e respondo que foi mais ou menos há uma hora e meia.
Então eles saem e nós respiramos de alívio. Contudo, em nenhum momento senti medo, ou qualquer coisa parecida, a não ser talvez nos primeiros momentos em que a aia me avisou, e na altura em que os passos dos homens se tornaram audíveis antes de entrarem nos aposentos. Depois, tudo se passou como se fosse, de certa forma um jogo, cujas etapas se foram cumprindo com mais ou menos emoção.
III a negra idosa muda as fraldas do bebé
Agora, na sala do lado há uma negra, idosa, a mudar a fralda a um bebé que é neto dela. Mas ela não tem fralda nenhuma. Digo:
– Acho que tenho ainda, cá em casa, algumas. Vou procurar e depois dou-lhas.
Não me lembro do resto.
Anne Onyma's dream page
Diário dos meus sonhos. My colourful dream diary. Le journal de ma vie ensommeillée.
segunda-feira, 13 de setembro de 2010
domingo, 15 de agosto de 2010
O bosque antiquíssimo e o Forno do Pão
Noite de Segunda-feira, 8 para 9 de Outubro 2001
I O Reencontro de outras vidas
Estou a acabar de almoçar. [...] Depois, com a boca cheia e o caderno de apontamentos na mão, venho para junto do Alexandre e começo a escrever as informações, extensas, que ele me dá sobre os locais ideais para ir comer. Ele só me dá indicações dessas. A seguir, começamos a andar. Avançamos por um bosque, onde há muitas árvores de fruta. São nespereiras, com nêsperas pequeninas, que ainda não se podem comer. Eu fico sempre espantada como ainda se consegue encontrar no Porto, ao virar de uma esquina, no fim de uma rua, o campo. Aquele bosque é um terreno de passagem, de ninguém. Assim está, sabe-se lá, também, há que séculos. Numa cidade que já entrou no século XXI.
Depois estamos na rua onde fica o forno do pão. É uma rua pequena e medieval. Há muita gente a entrar e a sair daquele edifício, onde se fabrica e vende o famoso pão. A loja fica no 1º andar. Subimos. Ali sai-me ao caminho a dona do forno do pão. É uma mulher idosa, de traços firmes. É uma mulher do povo com um olhar franco e firme. Ela abraça-se a mim e põe-se a chorar. Eu não a conheço:
– És mesmo tu! Oh, que alegria. E estás tão bonita como sempre! – Exclama ela, apertando-me nos seus braços e afastando-me um pouco para me olhar uma e outra vez.
Eu sinto-me comovida com estas demonstrações. Mas o facto é que continuo a não reconhecer a mulher. Ela diz-me:
– Já vivemos tantas vidas!
Ela recorda-se de mim de outras vidas. E recorda-se particularmente de mim, diz, de uma última reincarnação em que teríamos estado mais próximas. Tenho vontade de chorar, mas continuo a dizer-lhe, com toda a franqueza, que não me recordo de nada. Ela diz que eu também tinha nascido mulher, nessa última vida a que se está a referir.
II O Homem africano que cometeu um crime
Depois há um homem, africano, que é preciso esconder. Ele cometeu um crime. Por uma razão qualquer as pessoas do Forno do Pão, entre as quais eu já me incluo, estão prontas a escondê-lo. Havia dois criminosos inicialmente. Um deles, contudo, julgou poder escapar melhor roubando a identidade do outro. Esse respondeu-lhe:
– Para todos os efeitos, mesmo que troques de identidade comigo e que me mates, ah!ah! ah!, eu também estou fichado. Ficas, à mesma, com a identidade de um criminoso procurado.
O outro, no entanto, não quis saber destes argumentos lógicos e matou-o, apoderando-se da sua identidade referenciada em termos criminais. E depois, para despistar a polícia, tinha ficado escondido na cave do Forno do Pão. Como o Forno do Pão era próximo da fronteira, resolvemos levá-lo para lá. Ali íamos dar-lhe dinheiro e ajudá-lo a ganhar o mundo.
II O Criminoso e o Homem do Forno do Pão
Há polícia sempre perto, a vigiar a casa. Metemo-lo dentro de uma saca de batatas e levamo-lo para o jipe, onde colocamos mais sacas de batatas. Um dos polícias espreita para dentro do jipe, mas não desconfia de nada. Pergunta ser está tudo bem e pede-nos para termos cuidado. Ninguém desconfia de nós.
Perto da fronteira soltamos o criminoso e damos-lhe dinheiro. Ele está bem vestido, mas tem os olhos cheios de ódio. Passamos por um café com uma esplanada perto do bosque onde ele tem de se embrenhar para passar a linha da fronteira. Ele passa junto de uma mesa onde estão um homem e uma mulher, jovens, e mete-se com a mulher em termos inqualificáveis. O homem olha para ele estupefacto. Nós agarramos no criminoso por um braço e arrastamo-lo dali para fora. Estamos furiosos, o homem idoso e eu:
– Queres atrair as atenções? Queres ser apanhado antes de conseguir fugir? E queres que nós sejamos incriminados por te termos ajudado?
Começamos a andar pelo bosque. O homem do Forno do Pão está realmente zangado. Eu pergunto ao criminoso se não aprendeu nada com esses três meses fechados na cave:
– Aprendi muito. Coisas ainda piores e muito mais nojentas.
Eu digo ao homem do Forno do Pão:
– Não podemos fazer nada. Ele é genuinamente mau. Não adiantou nada tudo isto.
O homem do Forno do Pão, que é mais velho e muito astuto, diz:
– Já calculava. Vim preparado para isso.
Então, chama o criminoso que vem a bambolear-se, com a sua roupa nova, e pede-lhe que se aproxime de nós. Eu sei que o criminoso, mal tenha uma oportunidade, vai tentar matar-nos. O homem do Forno do Pão, contudo, mal ele chega suficientemente perto, puxa de uma arma e dispara sobre ele, vários tiros.
Depois diz:
– É a única coisa que se pode fazer. Agora, deitamo-lo ao Rio e o Rio que o leve.
I O Reencontro de outras vidas
Estou a acabar de almoçar. [...] Depois, com a boca cheia e o caderno de apontamentos na mão, venho para junto do Alexandre e começo a escrever as informações, extensas, que ele me dá sobre os locais ideais para ir comer. Ele só me dá indicações dessas. A seguir, começamos a andar. Avançamos por um bosque, onde há muitas árvores de fruta. São nespereiras, com nêsperas pequeninas, que ainda não se podem comer. Eu fico sempre espantada como ainda se consegue encontrar no Porto, ao virar de uma esquina, no fim de uma rua, o campo. Aquele bosque é um terreno de passagem, de ninguém. Assim está, sabe-se lá, também, há que séculos. Numa cidade que já entrou no século XXI.
Depois estamos na rua onde fica o forno do pão. É uma rua pequena e medieval. Há muita gente a entrar e a sair daquele edifício, onde se fabrica e vende o famoso pão. A loja fica no 1º andar. Subimos. Ali sai-me ao caminho a dona do forno do pão. É uma mulher idosa, de traços firmes. É uma mulher do povo com um olhar franco e firme. Ela abraça-se a mim e põe-se a chorar. Eu não a conheço:
– És mesmo tu! Oh, que alegria. E estás tão bonita como sempre! – Exclama ela, apertando-me nos seus braços e afastando-me um pouco para me olhar uma e outra vez.
Eu sinto-me comovida com estas demonstrações. Mas o facto é que continuo a não reconhecer a mulher. Ela diz-me:
– Já vivemos tantas vidas!
Ela recorda-se de mim de outras vidas. E recorda-se particularmente de mim, diz, de uma última reincarnação em que teríamos estado mais próximas. Tenho vontade de chorar, mas continuo a dizer-lhe, com toda a franqueza, que não me recordo de nada. Ela diz que eu também tinha nascido mulher, nessa última vida a que se está a referir.
II O Homem africano que cometeu um crime
Depois há um homem, africano, que é preciso esconder. Ele cometeu um crime. Por uma razão qualquer as pessoas do Forno do Pão, entre as quais eu já me incluo, estão prontas a escondê-lo. Havia dois criminosos inicialmente. Um deles, contudo, julgou poder escapar melhor roubando a identidade do outro. Esse respondeu-lhe:
– Para todos os efeitos, mesmo que troques de identidade comigo e que me mates, ah!ah! ah!, eu também estou fichado. Ficas, à mesma, com a identidade de um criminoso procurado.
O outro, no entanto, não quis saber destes argumentos lógicos e matou-o, apoderando-se da sua identidade referenciada em termos criminais. E depois, para despistar a polícia, tinha ficado escondido na cave do Forno do Pão. Como o Forno do Pão era próximo da fronteira, resolvemos levá-lo para lá. Ali íamos dar-lhe dinheiro e ajudá-lo a ganhar o mundo.
II O Criminoso e o Homem do Forno do Pão
Há polícia sempre perto, a vigiar a casa. Metemo-lo dentro de uma saca de batatas e levamo-lo para o jipe, onde colocamos mais sacas de batatas. Um dos polícias espreita para dentro do jipe, mas não desconfia de nada. Pergunta ser está tudo bem e pede-nos para termos cuidado. Ninguém desconfia de nós.
Perto da fronteira soltamos o criminoso e damos-lhe dinheiro. Ele está bem vestido, mas tem os olhos cheios de ódio. Passamos por um café com uma esplanada perto do bosque onde ele tem de se embrenhar para passar a linha da fronteira. Ele passa junto de uma mesa onde estão um homem e uma mulher, jovens, e mete-se com a mulher em termos inqualificáveis. O homem olha para ele estupefacto. Nós agarramos no criminoso por um braço e arrastamo-lo dali para fora. Estamos furiosos, o homem idoso e eu:
– Queres atrair as atenções? Queres ser apanhado antes de conseguir fugir? E queres que nós sejamos incriminados por te termos ajudado?
Começamos a andar pelo bosque. O homem do Forno do Pão está realmente zangado. Eu pergunto ao criminoso se não aprendeu nada com esses três meses fechados na cave:
– Aprendi muito. Coisas ainda piores e muito mais nojentas.
Eu digo ao homem do Forno do Pão:
– Não podemos fazer nada. Ele é genuinamente mau. Não adiantou nada tudo isto.
O homem do Forno do Pão, que é mais velho e muito astuto, diz:
– Já calculava. Vim preparado para isso.
Então, chama o criminoso que vem a bambolear-se, com a sua roupa nova, e pede-lhe que se aproxime de nós. Eu sei que o criminoso, mal tenha uma oportunidade, vai tentar matar-nos. O homem do Forno do Pão, contudo, mal ele chega suficientemente perto, puxa de uma arma e dispara sobre ele, vários tiros.
Depois diz:
– É a única coisa que se pode fazer. Agora, deitamo-lo ao Rio e o Rio que o leve.
segunda-feira, 5 de julho de 2010
Um jogo oceânico e um crime no colégio
Noite 6 para 7 de Outubro 2001
O meu computador não funciona bem. Quero abrir o Outlook mas uma sucessão de programas sobrepõem-se-lhes. O Drew fica muito irritado, acha que eu não estou a proceder correctamente. Acabo por lhe mostrar que a culpa não é minha, e ele, então, começa a irritar-se com os irmãos. Eles instalaram um jogo de estratégia no meu computador. À minha frente, por detrás do ecrã, está uma folha de cartão onde, escrito à mão, estão as explicaçoes do jogo de estratégia que foi instalado. É um jogo marítimo. É um jogo oceânico. Continua a processar-se mesmo depois deles deixarem de jogar. E, de uma maneira misteriosa mesmo para o próprio jogo, o mar vai crescendo e tomando consciência de si, de tal modo que este programa acaba por se sobrepor a todos os demais.
Depois, estou no colégio. Somos três ou quatro, temos entre dez e quatorze anos. E precisamos de enfrentar um gang de traficantes de droga. Em grupo, descemos pelo jardim onde eles costumam encontrar-se. É suposto dar-lhes a entender que estamos dispostas a negociar com eles. Eles querem atacar-nos para nos roubar o dinheiro que julgam que temos. Passamos por eles, fazendo-nos distraídas, mas aparentando um ar de segurança. O passeio faz um U. Na base do U, no fim da descida, chegamos à conclusão de que ninguém vem ter connosco e que nos estão a preparar uma armadilha. Subimos e chegamos ao guichet da entrada do Jardim. Uma de nós puxa de uma arma. Penso que sou eu, e mato os dois agressores principais. Um é negro outro é branco. O grupo é muito maior, mas destruídos estes cabecilhas, desfaz-se num instante. Agarro na arma e coloco-a nas mãos da mais nova:
– Não tens ainda 14 anos, és inimputável. Vais dizer que foste tu. Nem é aberto o processo. E acabamos com estes malfeitores.
Ela fica com a arma na mão.
Depois, outra vez no colégio. Estamos a despedir-nos e é muito triste. Alguém se está a ir embora. Não sei se sou eu, se todas nós. Por alguma razão que não recordo, há muita saudade nestas despedidas.
O meu computador não funciona bem. Quero abrir o Outlook mas uma sucessão de programas sobrepõem-se-lhes. O Drew fica muito irritado, acha que eu não estou a proceder correctamente. Acabo por lhe mostrar que a culpa não é minha, e ele, então, começa a irritar-se com os irmãos. Eles instalaram um jogo de estratégia no meu computador. À minha frente, por detrás do ecrã, está uma folha de cartão onde, escrito à mão, estão as explicaçoes do jogo de estratégia que foi instalado. É um jogo marítimo. É um jogo oceânico. Continua a processar-se mesmo depois deles deixarem de jogar. E, de uma maneira misteriosa mesmo para o próprio jogo, o mar vai crescendo e tomando consciência de si, de tal modo que este programa acaba por se sobrepor a todos os demais.
Eu não consigo aceder ao Outlook e percebo que tenho mensagens. Isso deixa-me muito enervada. Começo a andar de trás para a frente, a chamar nomes ao Bernie e ao Lu. Evitando algumas palavras que me poderiam implicar directamente, como “filho de...”. O Drew, entretanto, está a resolver o problema, quando um homem desconhecido passa por nós. Fico um tpouco embaraçada por ele me ter visto tão irritada. Tomo consciência que tenho uma saia cuja ponta é mais comprida à frente. A saia é muito, muito vanguardista. Só agora entendo como devo amarrar a ponta que arrasta no chão com a outra ponta que cai atrás. É uma saia estranha.
– Não tens ainda 14 anos, és inimputável. Vais dizer que foste tu. Nem é aberto o processo. E acabamos com estes malfeitores.
Ela fica com a arma na mão.
Depois, outra vez no colégio. Estamos a despedir-nos e é muito triste. Alguém se está a ir embora. Não sei se sou eu, se todas nós. Por alguma razão que não recordo, há muita saudade nestas despedidas.
domingo, 4 de julho de 2010
O centro comercial, o barco de recreio e a cidade antiga
Noite de 16 para 17 de Setembro 2001
Estou a descer uma rua e entro num Centro Comercial. É domingo, é noite e está tudo muito deserto. Dentro do edifício, há ruas interiores e o espaço abre-se para um vasto e esmagador conjunto de edifícios muito modernos, em vidro em tons azulados. Ali não há vida. Imagino que em horário de funcionamento, pode haver muita gente, mas são só escritórios. Nem se vêm as montras das lojas. Pior: o tecto não abre para o céu, mas sim para um simulacro, em fibra de vidro, o que dá uma atmosfera asfixiante àquele lugar. Procuro a saída, e encontro-a guardada por portas de vidro circulares e porteiros. É muito mais fácil sair do que entrar. Há muita gente cá fora, mas só entra uma de cada vez. Pergunto a mim própria que tipo de mentalidade preside a uma estrutura daquelas que limita as suas naturais fontes de crescimento. Ou seja, quando se impedem os consumidores de aceder ao consumo, o que se pode esperar daquele negócio? Mas também me espanta que haja pessoas que se sujeitem a entrar assim, de mais a mais em lugares tão pouco atraentes.
Depois estou num barco de recreio. Num grande paquete. Alguém nos mostra, a mim e ao Otto os folhetos da viagem. Penso: afinal sempre escolhemos fazer um cruzeiro. Mas os folhetos que eu tenho em meu poder não dão qualquer informação sobre o barco, os espectáculos, as paragens. Só têm informações sobre os equipamentos de ginástica e os seus custos, por hora, por dia ou por passe. Depois estamos a ver filmes. Podemos seleccionar uma quantidade deles, em DVD.
Depois estamos numa cidade antiga, onde eu às vezes ia, e o Otto leva-me a um restaurante que é numa casa particular. Podemos escolher a sala onde comer e tudo. Ele diz que conhece vários assim. Cada um com várias salas. As salas são decoradas como nas casas humildes. Não sei porquê, mas aquilo está associado a comida caseira e boa, porque sai fora dos circuitos comerciais da massificação. Além disso, parece-me que o Otto, ou a pessoa com quem estou agora, é amigo do dono, que é um senhor bem disposto e de meia-idade. Acho que há mais amigos que se vêm reunir a nós.
Depois estou a escrever ao meu tio Roger, numa camisola de algodão. É difícil escrever assim, mas o efeito é engraçado. Algumas palavras são substituídas por símbolos. Ele tinha feito uma comparação entre mim e ele, que me era favorável, admito, em termos da opinião que as pessoas, nesta cidade antiga, podem ter a meu respeito, mas sinto-me na obrigação de o corrigir. Não porque eu não tenha boa opinião a meu respeito, mas porque os dados das nossas vidas são muito diferentes. Para quem vê de fora, a opinião pode ser muito diferente, e eu nem sequer acho estranho que o seja. Tanto mais que estamos numa cidade antiga, onde valores antigos, ligados às aparências, ainda vigoram.
Mas sim, concordo com ele: somos parecidos no motor da nossa coerência íntima. Escrevo-lhe mais ou menos isto, na camisola encarnada que lhe vou mandar. E digo as mesmas coisas ao telefone, porque, afinal de contas, nós os dois estamos a conversar.
Estou a descer uma rua e entro num Centro Comercial. É domingo, é noite e está tudo muito deserto. Dentro do edifício, há ruas interiores e o espaço abre-se para um vasto e esmagador conjunto de edifícios muito modernos, em vidro em tons azulados. Ali não há vida. Imagino que em horário de funcionamento, pode haver muita gente, mas são só escritórios. Nem se vêm as montras das lojas. Pior: o tecto não abre para o céu, mas sim para um simulacro, em fibra de vidro, o que dá uma atmosfera asfixiante àquele lugar. Procuro a saída, e encontro-a guardada por portas de vidro circulares e porteiros. É muito mais fácil sair do que entrar. Há muita gente cá fora, mas só entra uma de cada vez. Pergunto a mim própria que tipo de mentalidade preside a uma estrutura daquelas que limita as suas naturais fontes de crescimento. Ou seja, quando se impedem os consumidores de aceder ao consumo, o que se pode esperar daquele negócio? Mas também me espanta que haja pessoas que se sujeitem a entrar assim, de mais a mais em lugares tão pouco atraentes.
Depois estou num barco de recreio. Num grande paquete. Alguém nos mostra, a mim e ao Otto os folhetos da viagem. Penso: afinal sempre escolhemos fazer um cruzeiro. Mas os folhetos que eu tenho em meu poder não dão qualquer informação sobre o barco, os espectáculos, as paragens. Só têm informações sobre os equipamentos de ginástica e os seus custos, por hora, por dia ou por passe. Depois estamos a ver filmes. Podemos seleccionar uma quantidade deles, em DVD.
Depois estamos numa cidade antiga, onde eu às vezes ia, e o Otto leva-me a um restaurante que é numa casa particular. Podemos escolher a sala onde comer e tudo. Ele diz que conhece vários assim. Cada um com várias salas. As salas são decoradas como nas casas humildes. Não sei porquê, mas aquilo está associado a comida caseira e boa, porque sai fora dos circuitos comerciais da massificação. Além disso, parece-me que o Otto, ou a pessoa com quem estou agora, é amigo do dono, que é um senhor bem disposto e de meia-idade. Acho que há mais amigos que se vêm reunir a nós.
Depois estou a escrever ao meu tio Roger, numa camisola de algodão. É difícil escrever assim, mas o efeito é engraçado. Algumas palavras são substituídas por símbolos. Ele tinha feito uma comparação entre mim e ele, que me era favorável, admito, em termos da opinião que as pessoas, nesta cidade antiga, podem ter a meu respeito, mas sinto-me na obrigação de o corrigir. Não porque eu não tenha boa opinião a meu respeito, mas porque os dados das nossas vidas são muito diferentes. Para quem vê de fora, a opinião pode ser muito diferente, e eu nem sequer acho estranho que o seja. Tanto mais que estamos numa cidade antiga, onde valores antigos, ligados às aparências, ainda vigoram.
Mas sim, concordo com ele: somos parecidos no motor da nossa coerência íntima. Escrevo-lhe mais ou menos isto, na camisola encarnada que lhe vou mandar. E digo as mesmas coisas ao telefone, porque, afinal de contas, nós os dois estamos a conversar.
terça-feira, 29 de junho de 2010
Eu, o assassino da rapariga loura e o homem de Angola
Noite de 12 para 15 de Setembro 2001 (publiquei antes a versão em inglês)
Estou dentro do carro com o assassino da rapariga loura. Ele estrangulou-a, com um fio de nylon. Evidentemente, vai também matar-me. Mas agora está a falar delicadamente comigo. É gentil e simpático. É um homem magro, de rosto comprido, normal. Eu estou do lado do volante e penso velozmente em todas as oportunidades. Será que consigo sair, abrindo a porta num movimento rápido? Vejo um canivete no tablier. Imagino a cena: espeto-lhe o canivete nos testículos quando ele me estiver a estrangular, e ele, com a dor, vai ter de me largar e eu fujo. Na verdade, a cena que imagino concretiza-se porque agora estou na rua, que é uma estrada – penso que tenho o mar à minha direita – e meto-me num táxi pedindo ao motorista que me leve ao Hospital. Tenho a garganta cortada e vou precisar de assistência rapidamente.
Mas mesmo no hospital não estou em segurança. O assassino e os seus amigos vão procurar-me para me matar. No quarto onde estou, meto-me debaixo da cama. Eles entram mas não se lembram de espreitar. São três. Depois, arranjo maneira de me porem numa maca, coberta com um lençol como se fosse um cadáver e levam-me pelos corredores sem chamar a atenção até me transferirem daquele hospital. Assim, os criminosos perdem-me o rasto.
Depois estou numa armazém e vejo uma lista com uma faca em cima, pregada uma pasta de papel. É para mim. Eu tiro a faca e desdobro o papel e vejo uma série de informações que não pedi. Ou melhor, não me recordo de ter pedido. São títulos de cartas que eu terei recebido ao longo de meses. Todas do mesmo homem. O homem é de Angola e a fortuna dele vem ali explicada: é multi-milionário.
Eu não me recordo de nada, e não percebo porque razão aquela lista está ali à minha espera. Releio as informações até que chego a uma cifra. É a conta: 103.311$50.
Eu não tenho dinheiro nenhum. Como me foi acontecer aquilo? Eu recordo-me vagamente de ter contratado um detective para me analisar umas cartas que andava a receber. Na verdade, só lhe perguntei quanto cobraria por essa tarefa. Ele disse-me que depois fazia um cálculo e me avisava.
Mas pelos vistos o detective não esperou pela minha aprovação.
Começo a recordar-me do homem de Angola. As suas cartas são extremamente carinhosas. E agora, no armazém, estou com a irmã do homem de Angola que anda por ali a trabalhar. Ela sabe o que se passa.
É uma mulher minúscula, metade do meu tamanho, mas cheia de força. Diz-me:
- Não estás a pensar meter outras pessoas a solucionar-te um problema que só tu arranjaste, pois não?
Respondo-lhe que não, mas que acho normal pedir ajuda.
Ela é muito dura. Ela resolve todas as suas coisas. Mas ela tem muito dinheiro e não tem problemas destes. Aliás, eu estava a pensar pedir ajuda a ela. Ou então, ao irmão. Afinal, se ele gosta de mim, why not?
Mas agora estou longe do armazém. A meio de um monte. Penso que continuo com o mar à minha direita. Há vários grupos de políticos que chegam e passam por ali. Vão todos para o alto do monte, onde há um encontro qualquer importante. Eu estou com o homem de Angola, e ele dá-me a mão. Junta os seus dedos fortes, o indicador e o médio, aos meus e é muito agradável.
Estou dentro do carro com o assassino da rapariga loura. Ele estrangulou-a, com um fio de nylon. Evidentemente, vai também matar-me. Mas agora está a falar delicadamente comigo. É gentil e simpático. É um homem magro, de rosto comprido, normal. Eu estou do lado do volante e penso velozmente em todas as oportunidades. Será que consigo sair, abrindo a porta num movimento rápido? Vejo um canivete no tablier. Imagino a cena: espeto-lhe o canivete nos testículos quando ele me estiver a estrangular, e ele, com a dor, vai ter de me largar e eu fujo. Na verdade, a cena que imagino concretiza-se porque agora estou na rua, que é uma estrada – penso que tenho o mar à minha direita – e meto-me num táxi pedindo ao motorista que me leve ao Hospital. Tenho a garganta cortada e vou precisar de assistência rapidamente.
Mas mesmo no hospital não estou em segurança. O assassino e os seus amigos vão procurar-me para me matar. No quarto onde estou, meto-me debaixo da cama. Eles entram mas não se lembram de espreitar. São três. Depois, arranjo maneira de me porem numa maca, coberta com um lençol como se fosse um cadáver e levam-me pelos corredores sem chamar a atenção até me transferirem daquele hospital. Assim, os criminosos perdem-me o rasto.
Depois estou numa armazém e vejo uma lista com uma faca em cima, pregada uma pasta de papel. É para mim. Eu tiro a faca e desdobro o papel e vejo uma série de informações que não pedi. Ou melhor, não me recordo de ter pedido. São títulos de cartas que eu terei recebido ao longo de meses. Todas do mesmo homem. O homem é de Angola e a fortuna dele vem ali explicada: é multi-milionário.
Eu não me recordo de nada, e não percebo porque razão aquela lista está ali à minha espera. Releio as informações até que chego a uma cifra. É a conta: 103.311$50.
Eu não tenho dinheiro nenhum. Como me foi acontecer aquilo? Eu recordo-me vagamente de ter contratado um detective para me analisar umas cartas que andava a receber. Na verdade, só lhe perguntei quanto cobraria por essa tarefa. Ele disse-me que depois fazia um cálculo e me avisava.
Mas pelos vistos o detective não esperou pela minha aprovação.
Começo a recordar-me do homem de Angola. As suas cartas são extremamente carinhosas. E agora, no armazém, estou com a irmã do homem de Angola que anda por ali a trabalhar. Ela sabe o que se passa.
É uma mulher minúscula, metade do meu tamanho, mas cheia de força. Diz-me:
- Não estás a pensar meter outras pessoas a solucionar-te um problema que só tu arranjaste, pois não?
Respondo-lhe que não, mas que acho normal pedir ajuda.
Ela é muito dura. Ela resolve todas as suas coisas. Mas ela tem muito dinheiro e não tem problemas destes. Aliás, eu estava a pensar pedir ajuda a ela. Ou então, ao irmão. Afinal, se ele gosta de mim, why not?
Mas agora estou longe do armazém. A meio de um monte. Penso que continuo com o mar à minha direita. Há vários grupos de políticos que chegam e passam por ali. Vão todos para o alto do monte, onde há um encontro qualquer importante. Eu estou com o homem de Angola, e ele dá-me a mão. Junta os seus dedos fortes, o indicador e o médio, aos meus e é muito agradável.
quinta-feira, 17 de junho de 2010
A aranha voadora e a filha do vagabundo
Lisboa, noite de 16 para 17 de Junho 2010
Há muita vigilância sobre estudantes. Indirectamente, eu pertenço ao grupo dos vigiados. Há polícia por todo o lado e sente-se a tensão no ar. Depois os estudantes aparecem montados num aranha gigantesca, mesmo muito gigantesca, tipo eléctrico com vários abdomens a servir de atrelados. É uma aranha muito mansa, mas está muito aborrecida. Isso vê-se pela expressão dos seus olhos multifacetados e inexpressivos. Eles desfilam pela rua principal da cidade, em cima dela, e eu estou no meio da multidão que os observa. Os policias sentem-se desconfortáveis. Não sabem como agir. Diz-se que aquela aranha também sabe voar. Os estudantes passam-me essa tarefa.
Então eu estou montada no dorso da aranha, mas é muito dificil manobrá-la para levantar voo, porque estamos numa rua estreita, secundária, e coberta. É uma rua cheia de gente, que não queremos atropelar. Então, levo a aranha um pouco pelo chão e um pouco pela parede, para ela criar velocidade e poder levantar voo, no fim da pequena rua.
É uma manobra arriscada. No fim da rua há um prédio em frente. Temos apenas uma nesga de céu aberto para levantar voo. Não sei como, mas consigo fazer com que a aranha levante voo.
Depois vejo o Sérgio, que é o vagabundo mais famoso da nossa zona. [Ele é muito alto, tem cabelo louro, e nos últimos anos criou uma grande barriga. Dorme nos bancos do jardim, vê televisão nas monstras das lojas e não fala com ninguém.] Vejo o Sérgio mas ele não está sozinho, leva uma criança num carrinho de bebé. É uma menina. É filha dele. É linda. Tem três anos, e está bem tratada, limpa e tudo, mas tem um ar muito sério, quase triste porque ninguém comunica com ela, e ela não comunica com ninguém. O seu pai não fala. Ele empurra o carrinho. É um carrinho apanhado no lixo, todo desengonçado. Eu não me atrevo a perguntar-lhe nada, porque é um vagabundo muito silencioso, mas duas mulheres crivam-no de perguntas. Essas mulheres são estrangeiras. Ele responde por monossílabos, e vai-se embora. Mas não está zangado nem nada, e isso espanta-me.
A criança acena, com as suas pequeninas mãos, como se quisesse ajuda. Eu não sei o que fazer, mas as duas mulheres estrangeiras sabem muito bem: aproximam-se dele, outra vez, tiram a criança do carrinho, e perguntam ao Sérgio como é que ela se chama, e oferecem-se para cuidar dela. A menina, no colo delas, olha para mim e estende-me os braços. Eu tenho quase vontade chorar, de tanto que desejo cuidar dela. Estou espantada por ele responder às estrangeiras e não parecer muito incomodado com a interferência delas na sua vida de vagabundo.
Eu estou realmente muito espantada com isso. Depois encontro o pequeno vagabundo que cresceu. Era uma criança abandonada que eu costumava ajudar. Desapareceu durante anos. Esteve no estrangeiro. Agora voltou, está muito bem vestido, e corre para mim de braços abertos:
-- Agora tenho uma vida óptima. Vês como tudo mudou? -- abraça-me com toda a força e eu estou muito comovida, porque cheguei a pensar que ele tinha morrido e tudo, e afinal a vida correu-lhe bem e ele safou-se.
Então penso que para o Sérgio ainda há esperança. E para a filha dele, todos os caminhos estão abertos.
Há muita vigilância sobre estudantes. Indirectamente, eu pertenço ao grupo dos vigiados. Há polícia por todo o lado e sente-se a tensão no ar. Depois os estudantes aparecem montados num aranha gigantesca, mesmo muito gigantesca, tipo eléctrico com vários abdomens a servir de atrelados. É uma aranha muito mansa, mas está muito aborrecida. Isso vê-se pela expressão dos seus olhos multifacetados e inexpressivos. Eles desfilam pela rua principal da cidade, em cima dela, e eu estou no meio da multidão que os observa. Os policias sentem-se desconfortáveis. Não sabem como agir. Diz-se que aquela aranha também sabe voar. Os estudantes passam-me essa tarefa.
Então eu estou montada no dorso da aranha, mas é muito dificil manobrá-la para levantar voo, porque estamos numa rua estreita, secundária, e coberta. É uma rua cheia de gente, que não queremos atropelar. Então, levo a aranha um pouco pelo chão e um pouco pela parede, para ela criar velocidade e poder levantar voo, no fim da pequena rua.
É uma manobra arriscada. No fim da rua há um prédio em frente. Temos apenas uma nesga de céu aberto para levantar voo. Não sei como, mas consigo fazer com que a aranha levante voo.
Depois vejo o Sérgio, que é o vagabundo mais famoso da nossa zona. [Ele é muito alto, tem cabelo louro, e nos últimos anos criou uma grande barriga. Dorme nos bancos do jardim, vê televisão nas monstras das lojas e não fala com ninguém.] Vejo o Sérgio mas ele não está sozinho, leva uma criança num carrinho de bebé. É uma menina. É filha dele. É linda. Tem três anos, e está bem tratada, limpa e tudo, mas tem um ar muito sério, quase triste porque ninguém comunica com ela, e ela não comunica com ninguém. O seu pai não fala. Ele empurra o carrinho. É um carrinho apanhado no lixo, todo desengonçado. Eu não me atrevo a perguntar-lhe nada, porque é um vagabundo muito silencioso, mas duas mulheres crivam-no de perguntas. Essas mulheres são estrangeiras. Ele responde por monossílabos, e vai-se embora. Mas não está zangado nem nada, e isso espanta-me.
A criança acena, com as suas pequeninas mãos, como se quisesse ajuda. Eu não sei o que fazer, mas as duas mulheres estrangeiras sabem muito bem: aproximam-se dele, outra vez, tiram a criança do carrinho, e perguntam ao Sérgio como é que ela se chama, e oferecem-se para cuidar dela. A menina, no colo delas, olha para mim e estende-me os braços. Eu tenho quase vontade chorar, de tanto que desejo cuidar dela. Estou espantada por ele responder às estrangeiras e não parecer muito incomodado com a interferência delas na sua vida de vagabundo.
Eu estou realmente muito espantada com isso. Depois encontro o pequeno vagabundo que cresceu. Era uma criança abandonada que eu costumava ajudar. Desapareceu durante anos. Esteve no estrangeiro. Agora voltou, está muito bem vestido, e corre para mim de braços abertos:
-- Agora tenho uma vida óptima. Vês como tudo mudou? -- abraça-me com toda a força e eu estou muito comovida, porque cheguei a pensar que ele tinha morrido e tudo, e afinal a vida correu-lhe bem e ele safou-se.
Então penso que para o Sérgio ainda há esperança. E para a filha dele, todos os caminhos estão abertos.
quarta-feira, 16 de junho de 2010
A rosa de fogo
Noite de 15 para 16 de Junho de 2010
A mulher está do outro lado da margem do rio. É um rio estreito. A mulher é jovem. Ela atira-me coisas. Sao engenhos explosivos. Vários tipos de bombas, artesanais ou sofisticadas. Eu apanho-as e lanço-as para longe de nós. A certa altura farto-me e atiro-lhe uma daquelas coisas de volta. Não lanço porém com muita força e o engenho cai no meio do rio.
Eu não quero causar danos, então entro na água para apanhar a bomba e atirá-la para longe de nós as duas e para fora do rio, por causa dos peixes. É uma coisa feita com barras de dinamite castanhas e um mecanismo para detonar. A mulher jovem não tem qualquer expressão no rosto. Eu percebo que fiquei sem tempo. Não sinto medo, nem dor, quando aquilo explode entre os meus dedos. Com o impacto da explosão subo, subo, subo no céu. Tenho entre as mãos uma rosa de fogo a arder, mas não me queima.
A mulher está do outro lado da margem do rio. É um rio estreito. A mulher é jovem. Ela atira-me coisas. Sao engenhos explosivos. Vários tipos de bombas, artesanais ou sofisticadas. Eu apanho-as e lanço-as para longe de nós. A certa altura farto-me e atiro-lhe uma daquelas coisas de volta. Não lanço porém com muita força e o engenho cai no meio do rio.
Eu não quero causar danos, então entro na água para apanhar a bomba e atirá-la para longe de nós as duas e para fora do rio, por causa dos peixes. É uma coisa feita com barras de dinamite castanhas e um mecanismo para detonar. A mulher jovem não tem qualquer expressão no rosto. Eu percebo que fiquei sem tempo. Não sinto medo, nem dor, quando aquilo explode entre os meus dedos. Com o impacto da explosão subo, subo, subo no céu. Tenho entre as mãos uma rosa de fogo a arder, mas não me queima.
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