segunda-feira, 5 de julho de 2010

Um jogo oceânico e um crime no colégio

Noite 6 para 7 de Outubro 2001
O meu computador não funciona bem. Quero abrir o Outlook mas uma sucessão de programas sobrepõem-se-lhes. O Drew fica muito irritado, acha que eu não estou a proceder correctamente. Acabo por lhe mostrar que a culpa não é minha, e ele, então, começa a irritar-se com os irmãos. Eles instalaram um jogo de estratégia no meu computador. À minha frente, por detrás do ecrã, está uma folha de cartão onde, escrito à mão, estão as explicaçoes do jogo de estratégia que foi instalado. É um jogo marítimo. É um jogo oceânico. Continua a processar-se mesmo depois deles deixarem de jogar. E, de uma maneira misteriosa mesmo para o próprio jogo, o mar vai crescendo e tomando consciência de si, de tal modo que este programa acaba por se sobrepor a todos os demais.
Eu não consigo aceder ao Outlook e percebo que tenho mensagens. Isso deixa-me muito enervada. Começo a andar de trás para a frente, a chamar nomes ao Bernie e ao Lu. Evitando algumas palavras que me poderiam implicar directamente, como “filho de...”. O Drew, entretanto, está a resolver o problema, quando um homem desconhecido passa por nós. Fico um tpouco embaraçada por ele me ter visto tão irritada. Tomo consciência que tenho uma saia cuja ponta é mais comprida à frente. A saia é muito, muito vanguardista. Só agora entendo como devo  amarrar a ponta que arrasta no chão com a outra ponta que cai atrás. É uma saia estranha.

Depois, estou no colégio. Somos três ou quatro, temos entre dez e quatorze anos. E precisamos de enfrentar um gang de traficantes de droga. Em grupo, descemos pelo jardim onde eles costumam encontrar-se. É  suposto dar-lhes a entender que estamos dispostas a negociar com eles. Eles querem atacar-nos para nos roubar o dinheiro que julgam que temos. Passamos por eles, fazendo-nos distraídas, mas aparentando um ar de segurança. O passeio faz um U. Na base do U, no fim da descida, chegamos à conclusão de que ninguém vem ter connosco e que nos estão a preparar uma armadilha. Subimos e chegamos ao guichet da entrada do Jardim. Uma de nós puxa de uma arma. Penso que sou eu, e mato os dois agressores principais. Um é negro outro é branco. O grupo é muito maior, mas destruídos estes cabecilhas, desfaz-se num instante. Agarro na arma e coloco-a nas mãos da mais nova:
– Não tens ainda 14 anos, és inimputável. Vais dizer que foste tu. Nem é aberto o processo. E acabamos com estes malfeitores.
Ela fica com a arma na mão.
Depois, outra vez no colégio. Estamos a despedir-nos e é muito triste. Alguém se está a ir embora. Não sei se sou eu, se todas nós. Por alguma razão que não recordo, há muita saudade nestas despedidas.

domingo, 4 de julho de 2010

O centro comercial, o barco de recreio e a cidade antiga

Noite de 16 para 17 de Setembro 2001
Estou a descer uma rua e entro num Centro Comercial. É domingo, é noite e está tudo muito deserto. Dentro do edifício, há ruas interiores e o espaço abre-se para um vasto e esmagador conjunto de edifícios muito modernos, em vidro em tons azulados. Ali não há vida. Imagino que em horário de funcionamento, pode haver muita gente, mas são só escritórios. Nem se vêm as montras das lojas. Pior: o tecto não abre para o céu, mas sim para um simulacro, em fibra de vidro, o que dá uma atmosfera asfixiante àquele lugar. Procuro a saída, e encontro-a guardada por portas de vidro circulares e porteiros. É muito mais fácil sair do que entrar. Há muita gente cá fora, mas só entra uma de cada vez. Pergunto a mim própria que tipo de mentalidade preside a uma estrutura daquelas que limita as suas naturais fontes de crescimento. Ou seja, quando se impedem os consumidores de aceder ao consumo, o que se pode esperar daquele negócio? Mas também me espanta que haja pessoas que se sujeitem a entrar assim, de mais a mais em lugares tão pouco atraentes.

Depois estou num barco de recreio. Num grande paquete. Alguém nos mostra, a mim e ao Otto os folhetos da viagem. Penso: afinal sempre escolhemos fazer um cruzeiro. Mas os folhetos que eu tenho em meu poder não dão qualquer informação sobre o barco, os espectáculos, as paragens. Só têm informações sobre os equipamentos de ginástica e os seus custos, por hora, por dia ou por passe. Depois estamos a ver filmes. Podemos seleccionar uma quantidade deles, em DVD.

Depois estamos numa cidade antiga, onde eu às vezes ia, e o Otto leva-me a um restaurante que é numa casa particular. Podemos escolher a sala onde comer e tudo. Ele diz que conhece vários assim. Cada um com várias salas. As salas são decoradas como nas casas humildes. Não sei porquê, mas aquilo está associado a comida caseira e boa, porque sai fora dos circuitos comerciais da massificação. Além disso, parece-me que o Otto, ou a pessoa com quem estou agora, é amigo do dono, que é um senhor bem disposto e de meia-idade. Acho que há mais amigos que se vêm reunir a nós.
Depois estou a escrever ao meu tio Roger, numa camisola de algodão. É difícil escrever assim, mas o efeito é engraçado. Algumas palavras são substituídas por símbolos. Ele tinha feito uma comparação entre mim e ele, que me era favorável, admito, em termos da opinião que as pessoas, nesta cidade antiga, podem ter a meu respeito, mas sinto-me na obrigação de o corrigir. Não porque eu não tenha boa opinião a meu respeito, mas porque os dados das nossas vidas são muito diferentes. Para quem vê de fora, a opinião pode ser muito diferente, e eu nem sequer acho estranho que o seja. Tanto mais que estamos numa cidade antiga, onde valores antigos, ligados às aparências, ainda vigoram.
Mas sim, concordo com ele: somos parecidos no motor da nossa coerência íntima. Escrevo-lhe mais ou menos isto, na camisola encarnada que lhe vou mandar. E digo as mesmas coisas ao telefone, porque, afinal de contas, nós os dois estamos a conversar.