segunda-feira, 30 de outubro de 2006

Mensagem para um jornal chinês



NOITE DE 27 PARA 28 DE SETEMBRO DE 1994
Estou numa casa escura, é a casa do Paulo A. e sou sua convidada. À noite, no meu quarto, ele vem visitar-me. A casa inteira dorme. Fazemos amor em silêncio. A porta do meu quarto está entreaberta. Não tenho chave, nem forma de a fechar melhor.
Mais tarde começa a fazer planos para o futuro e eu assusto-me.
Depois, somos um grupo grande a passear pelas ruas de uma cidade, como se estivéssemos em trabalho e em turismo. Depois é preciso mandar uma mensagem para um jornal chinês, e uma das pessoas que está connosco vai emitir as notícias. Faz-me muita impressão, porque o chinês tem milhares de caracteres, e ela consegue numa maquinazinha rudimentar, ocidental, enviar as notícias. Pergunto-lhe como faz para desenhar os caracteres, e ela explica que envia as palavras num sistema de ponto-traço-ponto, como no código Morse. Na obsoleta máquina eu vejo as teclas que permitem essa comunicação.
Depois tenho que subir aos andares superiores de um edifício, mas o elevador está avariado e só num contentor é possível. Há um homem a arranjar aquela caixa de metal, na casa das máquinas e eu decido que não quero subir. Digo: “assim não entro. É pouco cómodo e perigoso. Não sei como é que funciona. E aí só cabem crianças.” Além disso penso que o meu vestido vai ficar todo amarrotado se subir naquela engenhoca de serviço. O homem insiste comigo que não há problema. Mas eu não entro.
Há uma criança ao meu lado. Estou a comentar com pessoas crescidas que as crianças, mesmo distraídas, apanham tudo. Dou um exemplo. E a menina, que está a brincar, pára e pergunta o significado de uma das palavras.

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O homem tira-me da casa velha pela janela


NOITE DE 7 PARA 8 DE SETEMBRO DE 1994
Uma montanha. Andamos por montes e valados. Penso que estamos a fugir. Mas pelo menos eu recordo-me de o fazer com alguma alegria. Passamos, numa das encostas do monte, por um grupo de pastores. É uma dúzia de corpos tombados pelo chão, sobre as urzes, como se dormissem, enrolados nas suas capas escuras. Então lembramo-nos de ter ouvido falar daquele grupo desaparecido que também procurava fugir para o alto das montanhas, mas que, por algum motivo que permanece oculto, não conseguiram.
Nós conseguimos. De alguma maneira chegamos ao alto. Estamos noutro ponto de uma casa. Uma casa muito velha. Há árvores e plantas a toda a volta. Vou direita à janela. Lá fora está um homem a trabalhar no jardim. Na sala estão várias pessoas. Aproximo-me da janela e o homem, do lado de fora, agarra-me pelos ombros e beija-me, intensamente.
Depois arranca-me para fora de casa, pela janela. Sinto-me muito bem, mas um pouco perturbada pelas pessoas que estão na sala. Depois percebo que nem ligam.
De fora, olho a janela. É tão velha que a madeira está carcomida pelo bicho. Há montinhos de pó em baixo da vidraça e nas juntas das janelas. Está tudo um pouco a esboroar-se.

sábado, 28 de outubro de 2006

Nova Iorque, Nova Iorque


31 DE AGOSTO PARA 1 DE SETEMBRO DE 1994
Nova Iorque. Ruas escuras. Estou a atravessá-las. Fico num passeio entre as sombras dos automóveis estacionados. Vejo um homem ou vários e tenho medo. Volto para o meio da rua. Passam transportes. Passam táxis. Tento convencer um, que já leva um passageiro, a transportar-me. Mas o passageiro, um homem, diz que vai para outra direcção e não lhe dá jeito levar-me.
Não quero ficar ali, numa rua escura com desconhecidos a rondar pelas sombras. Apanho o táxi, à mesma, e digo que saio na próxima curva, lá à frente, onde a rua é iluminada. É já na 5ª avenida, e ali posso apanhar outro transporte.
Depois estou num hotel com muitos andares. O meu quarto é óptimo. Uma suite grande, bem arrumada. Mas alguém pôs uma bomba naquele andar. Saio pelas escadas, vou acompanhada. Desço até ao 4º andar, sempre a correr pelas escadas internas. Passo por empregados que não tentam deter-me. Mas no 4º andar a porta da escada de serviço está bloqueada. Trancada. Penso: em última análise vamos de elevador.
Mas o elevador nunca mais chega, e quando a bomba explodir é perigoso estar lá dentro.
Sinto que os empregados sabem o que se passa e têm ordens para não nos deixar escapar. Há uma sala bonita, grande, com mesas postas para um banquete. Uma orquestra toca suavemente. E eu penso, Meus Deus se soubessem.
Sem saber como, dou comigo na rua, mais ou menos a salvo. Preciso de me afastar do Hotel, nessa rua de Nova Iorque, para que a bomba, que vai explodir, não me cause dano.
http://www.oldengine.org/members/dolly/portland03/newyork/empire2.jpg

A mulher mata os coelhos


Mesma noite (22 PARA 23 DE AGOSTO DE 1994) outro sonho
Vamos todos embora. Alguém falou em partir. O pátio é grande e andam animais domésticos à solta. Coelhos e galinhas. As galinhas ainda são pintainhos.
Uma mulher diz que é preciso matar a criação antes de partirmos. Digo: " prefiro nunca mais comer carne a ter que matar um animal. " A mulher afasta-se para uma arrecadação que dá para o pátio. Os coelhos estão à volta dela, a comer erva.
Eu não vejo. Há um pequeno muro que esconde a mesa de pedra onde ela começa o seu ritual. Vejo-a de perfil, metade dela. Metade da cabeça, o ventre, as mãos, estão ocultas pela parede da arrecadação. O braço ergue-se, e sinto no meu corpo o desfecho do seu gesto. Uma impressão tremenda no corpo e no peito. Os coelhos, todos ao mesmo tempo, saltam de orelhas muito espetadas, quando ela mata o primeiro. É uma reacção em cadeia. Depois recomeçam, tranquilamente, a comer. Ela continua a sua tarefa, e eu não quero ver. Mas vou olhando, adivinhando. Num dos coelhos ela falha o golpe. Tem que insistir. Os outros já nem ligam.

sexta-feira, 20 de outubro de 2006

Uma roda de luz e fogo

22 PARA 23 DE AGOSTO DE 1994
Perto do mar, um mar tranquilo do meio da tarde. A areia é macia sob os nossos pés.
Passa por mim um homem. Sei que é um homem mas parece uma roda de luz e de fogo. Dizem-me que se trata de um yoggi, e que é daquela maneira que atravessa Oceanos. Todo ele, tronco, membros, gira numa roda perfeita e luminosa, a grande velocidade. Entra no mar e desaparece no horizonte.
Depois está ao pé de mim e diz que qualquer ser humano, qualquer pessoa, pode fazer aquilo. Não quero acreditar. Digo: eu não tenho maleabilidade para tanto. Ele diz que não é difícil. Estou sentada a ler um jornal. Levanto-me, recuo na areia seca uns passos. Depois lanço-me numa corrida e o meu corpo transforma-se numa roda que gira, gira, e entro no mar assim, e penso espantada, que é mais fácil do que nadar, porque, girando, o corpo aflora a água quase sem atrito nem resistência.
Volto para traz, feliz com o que aprendi, à espera de saber para onde vou, naquela maneira nova.

quinta-feira, 19 de outubro de 2006

Saved by the scooter and by a Friend

13 PARA 14 DE AGOSTO DE 1994 (versão portuguesa abaixo)
I’m walking by this road late afternoon. I’m going to pick up my car. I’m with this man. There are gypsies around. They live in the top of the hill, and some of them are going back home. The man thinks they can’t listen to him, and begin to insult them. He got crazy about the idea they were so close to the car, and I can’t help thinking that’s silly of him. The gypsies heard him and they fling stones at us. It’s none of my business, but I can’t help fearing all those stones falling around us. And there are more and more gypsies coming down the hill to attack us. Some of them know very well I’ve nothing to do with the situation, but in a while it won’t make any difference, because they are so many. So I start running to the car, and yelling to the man to came along, but I realise we won’t make it right on time. Then another man shows up. He is a Friend. He’s running with me, as well. He smiles. Then I saw this scooter passing by, with no one driving it. The man who is a Friend stops it with his own body. Than I jump and start driving the scooter in the middle of the intense traffic, and the man who is a Friend goes on running by my side, helping me, comforting me, giving me self confidence. I tell him: “you must be exhausted”. I can’t give him a ride, I don’t know why. He says it doesn’t matter, because he’s happy helping me. And now I’m out of town. Everything else stays behind. I must go to this old house. To get there I must go trough a floor that moves as if it was boat made. It’s small, but comfortable. I’m with friends, I guess. I go to the toilet. Cristina stays out.

Ciganos, uma scooter, um Amigo.
Vou a subir uma rua parecida à Infante Santo, ao fim da tarde. Estou acompanhada e vou buscar o carro para sairmos. Há ciganos na rua. O último par de ciganos está a subir uma ladeira e prepara-se também para ir para casa, que é uma das muitas barracas no alto do monte. O homem que vai comigo, julgando-os mais acima do que eles estão, portanto fora do alcance do som da sua voz, grita-lhes impropérios que eles ouvem. Como se o facto de eles terem estado a vender ao pé do seu carro o incomodasse, mais do que seria normal.
Os ciganos ouvem-no e do alto do monte começam a atirar-nos pedras. Eu não tenho nada a ver com o assunto, mas as pedras começam a chover à minha volta. Cada vez se vêm mais ciganos. É um grupo ameaçador que cresce e se prepara para descer o morro para nos vir atacar.
Percebo que, no grupo dos ciganos, ainda há alguns que sabem que eu não tenho nada a ver com o assunto e não sou culpada de nada, mas em breve isso deixará de ter qualquer importância. No meio das pedras que chovem, grito para corrermos para o carro, mas percebo que não vamos ter tempo. O meu companheiro pede-me para me abrigar sob o viaduto. Agora aparece outro homem. É um Amigo. Corro pela estrada e de repente há uma motoreta que passa por nós, sem dono, a correr sozinha por entre o trânsito. É uma scooter. O homem Amigo consegue travá-la, colocando-se à sua frente. Entretanto eu salto para cima e aproveito o seu balanço para começar a guiá-la. Fugindo por entre o trânsito vejo que o homem continua a correr ao meu lado para me ajudar, incutindo-me confiança. O trânsito é intenso. O homem, ao meu lado, dá-me confiança. Não lhe posso dar boleia, não sei porquê. Digo-lhe que se cansa terrivelmente assim a correr ao meu lado. Ele responde que não faz mal. Que lhe agrada ajudar-me. Continuo a guiar e percebo que estou a ter uma aula de condução no terreno! Uma aula e o lançamento, tudo ao mesmo tempo.
Depois estou sozinha, na periferia da cidade. Preciso de entrar numa casa antiga, na qual entro através de barcos. O chão oscila debaixo dos nossos pés. Tudo o resto ficou para trás. Lá dentro os aposentos são pequenos, mas sinto-me bem. Estou com amigos, acho. Sinto. São pessoas da produtora. Vou à casa de banho e a Cristina fica à porta.

terça-feira, 17 de outubro de 2006

A broken fountain-pen and two lovely pipes


28 PARA 29 DE MAIO DE 1994
(in english above Portuguese version )
Um rio. As águas estão baixas. Atravesso-o a pé, de gatas, as mãos no chão cheio de lama. Apanho um objecto. É uma caneta partida. Suja-me as mãos. Deito-a fora e continuo a andar. Sinto outro objecto e agarro-o. É um embrulho estranho. Dentro há um porta-cachimbos com dois cachimbos pequeninos, lindíssimos, de boquilha longa e elegantemente curva. Há também uma caixa, julgo que tem erva. E tem uma carteira e está tudo incrivelmente seco e preservado, apesar de estar ali há tanto tempo.
Abro a carteira e não consigo acreditar no que vejo. É do Sam, tem fotografias nossas – do tempo em que estávamos casados, – incrivelmente bem conservadas. Não consigo entender porque é que tudo aquilo me vem parar às mãos. Ele guardara aquelas memórias durante quanto tempo? Tinha-as perdido ali, no meio do rio? E então, mais tarde, encontro-o numa casa, cruzo-me com ele, digo-lhe já nem me lembro o quê e vou-me embora. E penso, ficou alguma coisa por dizer, por fazer.
Mesma noite
E depois há uma viagem por uma vila de ruas apertadas e sinuosas. Tenho de ir a um Banco. E quando chego há uma fila de gente à minha frente, diante de um guichet, e o homem do guichet diz que tem uma chamada para mim, e eu sinto-me tão importante. A chamada é de outra dependência do Banco, para dizer que o meu cheque, muito antigo, que passei não sei a quem, não tem cobertura. Sinto-me tão vulnerável, porque nem me lembro do cheque, e o homem por telefone não me diz mais nada. Mas confirmo: não me vão tirar os cartões, nem o crédito, nem a garantia.
Mas sinto que alguma coisa, no entanto, me foi tirada.
E depois há uma casa grande. Aonde me escondo? Onde me acolho? Nessa casa há várias salas que comunicam umas com as outras. Há um quarto. Nesse quarto há um armário onde me posso fechar.

A broken fountain-pen and two lovely pipes
The river is almost dry. I crawl on all fours, my hands on the mud. I got this broken fountain-pen from it. My hands got dirty. I threw it away and now I’m walking on the river. Then I found a strange packet. I open it and there are those little, astonishing beautiful pipes. There is also a small box. It has marijuana inside, I suppose. And there is a wallet, as well. Everything is unbelievably dry, and preserved, although those things are there since olden times. I open the wallet and as I realise it’s Sam’s, I can’t believe in what I’m seeing for it has photos from when we were married. I wonder how this came to my hands. I wonder why he kept all those memories, and how he has lost it in this river. Latter on I found him, in a house, and we talk a while. Anyway I feel like there are untold words, undone things.
Same night
I’m walking around in this small town with its sinuously and narrow paths. I must got to the Bank, but when I got there, there is this queue and I must wait. The man in the counter calls me. Someone has phoned me to the bank. I fell very important until I realize that the phone call is from another bank department to tell me that this check I don’t even remember to whom or when I gave it, is not available. It has not funds. I feel deeply vulnerable, because I don’t’ remember nothing concerning that check, but the man on the phone has no further more to tell me. Anyway: they are not taking my check book, neither my credit cards nor my guarantees. But I feel like something I don’t even know what it is has been taken away from me.
Then I’m in this house. Am I being hidden? Am I being refugee? In this house there are many rooms. They communicate. In one of those rooms there is a closet, where I can stay out of sight if I feel like it

sábado, 14 de outubro de 2006

"La brésilienne a téléphoné une fois plus"

NOITE DE 3 PARA 4 DE AGOSTO DE 1994
(aussi en français ci-dessous)
A Elisabeth está a sair de um espectáculo que eu também fui ver. De um lado temos o passeio, cheio de gente, do outro a praia e o mar de fim de tarde, levemente enevoado. Estou com a Inês e com a minha mãe que diz que lhe falta metade do Expresso, porque o Joshua foi trocá-lo. Como já leu tudo, resolveu trocar o jornal velho por um novo, sem gastar dinheiro. Eu digo: “é mesmo dele!” Mas estou à espera que ele chegue, e, sobretudo, quero que a Elisabeth nos veja juntos. Ele está atrasado. Finalmente aparece, tão simpático. Peço-lhe o jornal, mas não lhe digo nada da troca. Estou tão contente por ele estar ali.
E depois estou a falar com a Inês. Digo: “é tão estranho, estou sempre a sonhar com o Joshua. No entanto quando o tenho, não o quero tanto. Só o quero um bocadinho. Consegues perceber?” E ela responde: “toda a gente é assim. Eu e o Xico também fazíamos pouca coisa em comum.” Depois acrescentou: “não é bem assim, lembras-te? Almoçávamos juntos, jantávamos juntos. E tu estavas muitas vezes connosco.”
Depois tenho que levar um recado a alguém. Estou sozinha numa rua movimentada e em obras. Obras por todo o lado. Estou sozinha, falta-me um dos meus filhos. Tenho uma saia justa, preta. Caminho depressa, mas é um andar que me cansa terrivelmente e, por isso, ando pouco. Atravesso a rua e passo para um passeio de terra batida. Oiço, atrás de mim, um homem muito ordinário, embora com bom aspecto. Depois chego a uma entrada tapada por tapumes de madeira. Antes podia-se entrar por um dos lados, agora já não. Tento outra forma, mas não é possível. A espécie de ponte de madeira que dava acesso ao edifício, ergueu-se e transformou-se numa rudimentar ponte levadiça, onde o homem, que afinal vinha comigo, estrebucha e grita “por favor tirem-me daqui”. Não está magoado, está pendurado numa posição pouco confortável.
Entro pela entrada antiga e peço que o ajudem a sair daquela posição. Não estou muito preocupada com ele. Depois oiço a campainha do telefone a tocar. A tocar. Não consigo chegar a tempo de atender. Alguém atendeu por mim e diz: "a brasileira voltou a ligar." Recordo-me subitamente de ter recebido vários recados de uma mulher que não se identifica, ao longo de vários sonhos. Dessa vez, parece, é a última. Pergunto:"desta vez, ao menos, deixou o nome?". Deixou: Roberta G. A.
E eu fico a sonhar que conto este sonho a mim própria muitas vezes. Estou a sonhar com sonhos, não como se os sonhasse, mas como se os recordasse.

La brésilienne a téléphoné une fois plus.
J’attends Joshua. Il est encore dans la sale de Théâtre. Elisa est aussi avec moi. Ma mère est là. Elle parle de l’hebdomadaire que Joshua a changé contre un autre, parce qu’il l’avais déjà lu. «C’es tout a fait à lui !» – je commente. On se promène sur un trottoir au bord de la Mer. Mais quand il arrive, avec son beau sourire, je suis tellement contente de le revoir que je ne dis rien d’autre. Je veux qu’Elisa nos voit ensemble. On se promène, alors. Et maintenant je suis avec Agnès. Je lui dis: «C’est tellement étrange. Je rêve tout le temps avec Joshua. Il me manque tellement. Mais quand je l’ai, je n’en lui veux plu. Seulement un petit peu.» Et elle me répond: «Tout le monde est comme ça. Moi et Xico, tu te rends conte?»
Apre ça je marche dans une rue étrange. Quelqu’un est attrapé et crie : «Aidez-moi! Sort moi d’ici ! » C’est un homme. Il est mal à l’aise, il est acroché. C’est pas grave, mais c’est pas agréable pour lui. Je demande qu’on l’aide. Après j’écoute le téléphone. Je n’arrive pas a propos. Quelqu’un a déjà répondu. Alors je me rend conte de ça: c’est pas la première fois que ça m’arrive dans mes rêves. Il y a une femme qui me téléphone depuis assez longtemps sans que j’arrive à parler avec elle. Je demande : «A-t-elle donné son nom, son numéro de téléphone, quelque chose ?» On m’a dit : «Oui. Elle est brésilienne. Elle s’appelle Roberta. Elle s’appelle Roberta Goutte d’Eau.»
Alors je me raconte ce rêve plusieurs fois. Et je rêve d’autres rêves, non pas en les rêvant mais comme si je les rends présentes
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imagem: http://www.dreamstime.com/thumb_20/112585267653G7D0.jpg

quinta-feira, 12 de outubro de 2006

Um avião na selva e uma pensão em Argel

NOITE DE 12 PARA 13 DE AGOSTO dfe 1994

O avião tem poucas pessoas. Acho que eram eu, a Paulinha da produtora e o Peter ou o Jó. É um avião pequeno, mas confortável. Aterramos numa estrada na selva. Eles saem e deixam-me sozinha lá dentro. Dizem que é muito perigoso ir com eles, porque há muitos guerrilheiros a patrulhar o local, e além disso há muitas minas. Agacho-me perto de um dos bancos mas estou com medo de estar sozinha. Penso: “e se eles não voltarem?” Já lhes tinha perguntado antes quem ia pilotar o avião de regresso e tinha-me oferecido para o fazer, se me explicassem como.
Então saio. Vejo passar um grupo de negros, armados, cantando canções guerreiras. Resolvo ir até à cidade mais próxima. Sinto que não posso continuar dentro do avião, sozinha. Na cidade dou por mim num parque grande. Faz-me lembrar o jardim em Portimão, frente ao mar. Caminho um pouco ao acaso e percebo que estou em Argel.
Argel é uma cidade perigosa, sobretudo para as mulheres, e mais ainda se são brancas. Eu lembro-me disso tudo enquanto vou andando. Depois percebo que entrei num muceque. Aí apanho um susto. Ao fim da rua estreita e lamacenta, rodeada de casas de madeira, baixas e muito pobres, vejo um leopardo e um chacal. O leopardo está a rosnar desconsoladamente. O chacal está mais a atrás. Não o vejo com nitidez.
Uma mulher, que aparece ao meu lado, explica-me que o leopardo em liberdade, ali, na cidade, pertencia certeza a alguém que se foi embora, por causa da guerra. Portanto, aquela fera desolada é um animal de estimação deixado para traz.
Resolvo retroceder. Domesticado ou não, é um leopardo com fome. A mulher, estranhamente, retrocede comigo. Quando volto a cabeça, para olhar os dois animais, verifico que o leopardo tem metade da boca descarnada, com os dentes à mostra, como se os beiços tivessem sido consumidos pela fome. É horrível. Ambos os animais chafurdam em latas de lixo viradas.
Continuo a andar. Agora está comigo uma rapariga com quem tento falar em várias línguas. Entramos numa modesta pensão, numa zona melhor do que aquela que atravessamos, mas ainda assim na vizinhança do muceque. Lá dentro está a mãe da rapariga e ambas trocam entre si umas frases em português. Sinto um grande alívio. Explico quem sou, e o que estou a fazer. A mulher escreve o número de telefone da pensão numa folha de papel, entrega-mo, e diz: “se não encontrares os teus companheiros de viagem podes contar comigo ficar aqui”. A mulher diz que está há imenso tempo a viver na Argélia, que já se habituou, mas mesmo assim é um local perigoso. Depois estende-me uma nota de 50 dinares e diz “Isto é para o que for preciso.” Eu não quero aceitar, porque, e naquele momento, não tenho maneira de lhe pagar. Mas ela insiste, diz que eu posso vir a precisar daquele dinheiro. Diz também que não me preocupe com o pagamento. “Isso vê-se depois.”
Sinto-me muito contente. Saí do avião, escapei aos guerrilheiros, orientei-me na cidade perigosa e desconhecida, escapei às feras, consegui encontrar e fazer amigos. E tenho um número de telefone de alguém a que posso recorrer, e dinheiro para uma emergência.
Então, e sempre a andar, encontro de novo a minha equipa, no jardim junto do mar, e conto-lhes a minha aventura. Estou tão contente. Penso que depois partimos.
Lembro-me de ver barcos de pesca e veleiros no cais. Joshua?

MESMA NOITE
Depois estou a passear com amigos, junto da linha de Cascais. Ao atravessar para o lado de lá da linha de comboio vejo dois gatos. Um, esperto, salta e consegue entrar na casa para onde vamos. O outro, mais pequeno, mia e torce-se amedrontado. Está do lado de fora do muro. Debruço-me e consigo apanhá-lo. Pego-lhe ao colo. Está muito assustado e não consigo acalmá-lo. Solto-o. Ele corre para dentro de um prédio. Há umas escadas fragilíssimas. Ao cimo das escadas o chão é de ripas de madeira, mal seguras e muito separadas. É assustador. O gato cai, nem parece um gato. Volto a agarrá-lo, e seguro-o contra mim, com força. Tento acalmá-lo. Protegê-lo. É como se agarrasse um filho. Depois sinto também que é como se segurasse um amante.
imagem: http://geeks.beyondunreal.com/images/ut2004-mappacks/1on1pack/DM-1on1-Argel_01.jpg

quarta-feira, 11 de outubro de 2006

Olá e Adeus Joshua

10 PARA 11 DE AGOSTO DE 1994
Uma casa, a minha. Estou a tentar deitar os meus filhos. Entretanto aparece o Joshua. Sinto uma alegria imensa ao vê-lo. Ele está muito feliz por estar comigo. Penso como conseguirei uns momentos a sós com ele. Talvez depois de deitar as crianças.
Insisto em deitá-los, mas eles trocam-me as voltas. Há sempre um que sai da cama e avança pelo corredor exactamente no momento em que nos vamos abraçar.
Então o quarto enche-se de gente, gente e mais gente. Vieram todos fazer-me uma visita, mas não encontro ali nenhum amigo verdadeiro. Estou irritada. À frente do grupo está a Antónia, que é fótografa. Ela é conhecida pelo seu mau carácter. O Joshua não me ajuda. Mando calar toda a gente. Dou dois berros formidáveis e todos se calam. Mando-os embora, a todos. Fica só o Joshua e a Antónia. Ela não quer deixar-nos sozinhos. Eu irrito-me com ela. Então o Joshua despede-se. Eu quero saber quando o volto a ver, e digo-lhe: "não percebes que ela fez tudo para ficar contigo?"
E ele não diz nada. Só diz "até à próxima."

Casamento por procuração

9 PARA 10 DE AGOSTO DE 1994
Um casamento por procuração. O meu. Não conheço o noivo. Não sei quem ele é. A cerimónia é mais ou menos fictícia. Não sei bem qual a intenção. No entanto casamo-nos. Na altura de trocarmos as alianças e um beijo, passa entre nós uma emoção sincera, sentida. Intensa. Agora o casamento já não é por procuração.

domingo, 8 de outubro de 2006

O gato no cemitério e a actriz brasileira a ver Gil Vicente


NOITE DE 25 PARA 26 DE MAIO DE 94
Um comboio. Um caminho sinuoso entre montanhas. Não me lembro qual o meu lugar. Penso que acordei e contei a mim própria um longo sonho cheio de lágrimas.
Penso no Joshua. É tudo tão vago.
Mesma noite
Um passeio muito estreito. À minha frente um homem rabugento. Estou com um dos meus filhos. Há uma gata e um gatinho a mamar, mas que foge quando tento agarrá-lo, o que eu faço para evitar que ele vá para a estrada e seja atropelado.
Ele foge à minha frente e o homem rabugento também. Não quero que o homem o apanhe. Passamos à frente de um cemitério e o gatinho corre lá para dentro. O homem começa a discutir comigo, e, com os meu filhos mais novos. Fico tão zangada que lhe vou bater, mas de repente a zanga passa-me e olho para ele com o coração em paz e digo-lhe, “pronto, vou entrar no cemitério, vou encontrar o gato e dou-lho. E você vai ajudar-me a encontrar a minha caneta.”
Entro. Com medo porque é de noite ou está a anoitecer, e aquele local é triste, húmido e há no ar um sopro de morte, como uma ameaça escondida. Então dou três passos, e a certa altura estou noutro cenário. Depois encontro o Joshua, e ele dá-me um abraço. Trepo para cima de uma mesa. Assim fico muito mais alta, e agora é ele a subir para cima da mesa. As nossas cabeças quase tocam o tecto. Estamos abraçados mas não dá muito jeito, nesta posição. Além disso estamos a rir. Só que a seguir estou numa loja de coisas africanas. Tenho uma orelha infectada. Uso os brincos de diamantes que trouxe da viagem à Africa do Sul (com o Joshua) e ele aconselha-me a pô-los de parte. Digo-lhe que é ouro, mas ele desconfia. Tiro o brinco e dou-lhe para analisar.
Há, naquela loja, várias coisas que me interessam. Cruzes. Coisas de usar ao pescoço.
Saio e estou numa festa. Não tenho cadeira, mas arranjo uma, e sento-me naquilo que se pode considerar a primeira fila, embora a arrumação da sala seja um tanto ou quanto caótica.
No palco, que não é bem um palco – visto que não existe uma divisória entre cá e lá –está sentada uma artista brasileira muito conhecida. Está sentada numa posição de ioga, de pernas cruzadas. Pergunta-me, numa voz sem som – só a articular as palavras – se estou a gostar “daquilo”. É óbvio que ela está a detestar. Eu também acho o espectáculo um disparate. Julgo que a peça é qualquer coisa de Gil Vicente mas a forma como os actores, que não são actores, – mas pessoas da área em que trabalho, – dizem é texto é pouco cuidadosa. Além disso pronunciam as palavras num tom muito duro. Penso: os cenários são trapalhões, mas o guarda-roupa é óptimo.

sábado, 7 de outubro de 2006

O Cão Padrinho, a Festa, a Cidade de Brinquedo


NOITE DE 7 PARA 8 DE AGOSTO DE 1994
Uma grande festa. Sou convidada e intima dos organizadores da festa. Tenho de chegar a casa (é minha? deles?) e mudar de roupa. Tenho um vestido preto, decotado. À entrada da casa já está muita gente. Passo por um Segurança e falo-lhe. É meu amigo. Digo-lhe que vou mudar de roupa e depois volto. Falo com mais algumas pessoas e depois subo. O apartamento está cheio. Amigas minhas. Toda a gente está a preparar-se. Chamo as pessoas para me ajudarem, mas saíram todas. Tinha ouvido qualquer coisa nesse sentido mas não tinha acreditado. Quando me vejo no apartamento vazio, pouco iluminado, apanho um choque, até porque não estou pronta. E as luzes estão muito baixas. Tento acender, mas os interruptores são rotativos. A luz aumenta gradualmente. Há um painel de luzes, vou tentar acender quantas puder. O apartamento é muito grande e assusta-me assim, pouco iluminado.
Consigo acender um ecrã que começa a piscar, interminavelmente, a notícia da falência de uma pessoa muito famosa, que também é o dono do apartamento. Tento desligar o painel, mas não consigo. Quando tento desligar acendo outra coisa. Então vejo o elevador, Arte Nova, a subir suavemente e na penumbra do hall as sombras desenham no seu interior uma cadeira, uma corda, uma pessoa. Percebo tudo e começo a gritar: “não! não! João não faça isso. Deixe-me dar-lhe um abraço e vamos falar sobre isso.” – Estou angustiadíssima. Ele olha para mim com um olhar vazio e percebe apenas que perdeu a oportunidade. Depois corre.
Agora eu estou a correr atrás dele por umas escadas rolantes, imensas, e não consigo apanhá-lo. Há gente por todo o lado, uma autêntica multidão, tipo Wall Street, mas ninguém percebe ou quer perceber o tipo de drama que se vai desenrolar. Consigo chegar a uma plataforma de metropolitano onde ele entrou, mas não deixam entrar mais ninguém.
Olhamo-nos.
Peço à arrumadora que me deixe passar, ele limita-se a deixar a porta aberta, mas não entra mais ninguém. Ao meu lado está um cão. Um boxeur. Tem o focinho permanentemente húmido e um ar muito feroz. Faço-lhe festas. Ele é a transformação de alguém que conheço muito bem. Sei que só ele me pode ajudar. Penso que se não fosse assim não estaria tão confiante, ali com a cabeça dele deitada no meu joelho.
Comentamos o que se passa e o cão fala, e a voz do cão é a voz de Marlon Brando no Padrinho. Dá as suas explicações e depois puxa de uma cigarreira e pede a um homem, que entretanto se aproxima, se não se importa de a abrir. Lá dentro está uma chave para jogar na Bolsa. O cão pede ao homem para usar a chave. Diz-lhe que jogue, por si e pelo João, para o salvar da ruína. O homem está indeciso e eu não percebo porque é que o cão está a oferecer uma coisa de tanta responsabilidade a um desconhecido.
Então, pego eu na cigarreira e começo a fechá-la e a brincar com ela. Chega outro homem que começa a interrogar o primeiro. É um detective da polícia.
Penso que tive sorte em guardar a cigarreira. O outro homem está a ser interrogado. É uma coisa sem importância, simples rotina, e o cão cala-se. Agora ninguém sabe que ele é um cão que fala. Depois eu e o cão apanhamos um avião e voltamos. A cidade, aos nossos pés, tem uma consistência de maqueta. Digo, é a primeira vez que viajo por cima de uma maquete de cidade.
Nos lugares das casas estão casas de brinquedo, como as das crianças, em verde água. Nós estamos a voar sobre uma cidade de brinquedo.

quinta-feira, 5 de outubro de 2006

Perigos, Medos,Fronteiras


NOITE DE 4 PARA 5 DE AGOSTO de 1994
Um dia de sol, uma estrada quente. Vamos de carro, eu, a Xana e outra mulher, mais velha. Noutro carro, noutro lado, noutro lugar. Há um problema com as mudanças. Arranham. Como se o condutor guiasse mal, ou, como nos explica a mulher que vem connosco, como se a caixa de velocidades estivesse avariada.
O mesmo problema repete-se no nosso carro.
Há uma curva, anormal, irreal, para a esquerda. Não a devíamos ter feito. O carro dispara, incontrolável. No fim da estrada não há nada. Só o mar azul, muito azul, cá em baixo, muito ao fundo.
Olhamos para a mulher, como se precisássemos de indicações e eu pergunto: “e agora?” Numa voz que é já um grito enquanto o carro, lançado no espaço se detêm no ar, naquela fase de tempo irredutível em que o próprio tempo abranda a sua marcha para que possamos sentir, nesse fragmento de eternidade, a inexorabilidade do seu peso.
Acordo, a tremer, com este grito e esta queda no vazio para a morte.
Estou molhada de suor.

MESMA NOITE
Um quarto às escuras. O meu. Tento, às apalpadelas ligar o candeeiro na tomada, enquanto repito para mim própria que devo ter cuidado para não apanhar um choque.
Apanho um choque.
É tão intenso que o meu corpo é sacudido de alto a baixo até às entranhas, a minha mão colada à parede, à tomada. Não consigo tirá-la. Percebo que vou morrer. Se não conseguir arrancar a mão da tomada, morro. Ninguém me vai descobrir naquele quarto às escuras.
Penso em Deus. Grito por Ele, com todas as forças. Consigo arrancar a mão.
Acordo a tremer do choque. Ainda.
MESMA NOITE
Vou atravessar uma fronteira.
Estou com um homem, penso que é o Hendrik, e aparece outro a perguntar se pode falar comigo. O Hendrik ri-se e diz que sim. Falam na lingua deles. Ele pede-me, já que vou embarcar, se lhe posso trocar moedas. Ou levá-las? Empunha uns montinhos para a minha frente. Desembrulho. São moedas. Não aceito. Digo: “Só levo as moedas do Hendrik”. Este, entretanto, dá-me vários concelhos sobre como atravessar o aeroporto com aquele dinheiro, mas eu respondo que nunca tive problemas desses e as moedas vão na minha carteira, espalhadas. Espanta-me que tenham valor. Normalmente dou-as aos meus filhos para brincarem. E quando voltamos de viagem os bancos não as trocam.
Depois um táxi leva-nos, a mim e à Xana, a casa da Bety. É noite, está tudo terrivelmente escuro e silencioso. Quero pagar ao homem do táxi mais do que a tarifa, como se quisesse dar-lhe uma gorjeta, mas ele não aceita. Fico a pensar que é muito simpático e deve ser o dono, ou o filho do dono do táxi, e comento isso com a Xana.

segunda-feira, 2 de outubro de 2006

A mulher gorda a pantera lindíssima e os dois bifes


NOITE DE 29 PARA 30 DE JULHO 1994
Uma escola primária. As ruas são escuras, a noite caiu, e levantou-se um vento fresco do começo de Inverno. Fecho o meu casaco, e olho para um espelho para compor a boina preta. Depois recomeço a andar pela rua em passo apressado. Quando chego à escola bato à porta e depois entro. Lá dentro só está um miúdo. Os outros todos já foram embora. A escola é uma casa, de rés-do-chão e 1º andar. A professora está no andar de cima e o miúdo chama-a.
Depois estou na cozinha, não sei se ainda é a escola, com uma senhora gorda que é muito parecida com a dona da casa onde uma senhora de idade, da minha família, fica quando vem cá. Penso que tenho de lhe pagar. Receio que me apresente uma conta excessiva, mas isso não acontece. Depois estou num sítio que são as termas. Falam-me de umas águas, na cave, que saem quentes, e são óptimas para tudo. Estou aqui só de passagem. Falo com várias pessoas, julgo que estão em trabalho. Depois entro numa casa, a e a tal senhora gorda aparece de novo. Agora traz-me um prato com dois bifes, batatas fritas, ovos. Pergunta-me se quero, respondo que não. Eu não tenho fome. Eu não quero comer aquela comida.
Então entra uma pantera negra, dentro da sala. É lindíssima, faz-me imenso medo. Passa por nós, salta para um sofá, não gosta, encosta-se a mim e enrosca-se no chão. Ninguém diz uma palavra. Faço-lhe uma festa, a medo. Até receio levantar-me, não vá ela mudar de humor. Penso nos seus dentes, tão afiados. A mulher gorda diz que não há perigo nenhum. Mas depois tropeça, deixa cair os bifes, mesmo ao lado da pantera, e fica transida.
Percebo que a mulher também tem muito medo da pantera.
Lembro-me do pêlo dela: macio, pura seda.