quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Um pássaro pequeno que ainda não aprendeu a voar


NOITE DE 25 PARA 26 DE FEVEREIRO DE 1998
Um homem está a varrer uma rua, e essa rua é quase particular, e é uma rua que é só um passeio. O homem tem uma vassoura de cerdas de palha, e, ao varrer debaixo de uma mesa varre um pássaro que rola na minha direcção. É um pássaro pequeno que ainda não aprendeu a voar. É uma bola de penas curtas e bico fortíssimo. Travo-o com o pé, para não o deixar fugir, porque se pode magoar e morrer. Entre nós, e somos três, constrói-se uma espécie de triângulo para impedir que ele fuja dessa área, até que algum de nós o apanhe.
E as penas do pássaro não se distinguem como penas. E são uma mistura de duas cores, parece-me, pouco definidas ainda. Creio que uma das cores é amarelo.
O meu filho apanha-o e segura-o. Ele não tenta fugir. Reparo que tem uma goela muito grande, cor-de-laranja, cor-de-carne, muito real, muito viva.
Não sei como alimentar aquela espécie de pássaros. Agora sou eu que o segura. Penso. devo fazer uma pasta com este bolo, mastigá-lo na minha boca e depois dar-lhe?
Ao meu lado, sobre a mesa há uma tigela de água. Faço bolinhas de bolo, humedecendo os dedos, e meto-lhas na boca.
créditos imagem: http://www.flickr.com/photos/birdbit/1577872665/

Uma espécie de agência de viagens do Além

NOITE DE 24 PARA 25 DE FEVEREIRO DE 1998


Agora, no cais, vejo uma coisa incrível. Uma onda gigantesca. O mar encapela-se subitamente numa única onda monstruosa. O mais engraçado é que não estamos no mar alto. Nem sequer em mar aberto. Estamos numa espécie de marina, ou tanque gigantesco. Como os tanques das filmagens. Os dois barcos são erguidos e enrolados na onda monstruosa. Depois caiem de novo à água. É extraordinário porque não se partem, nem submergem, nem se voltam. Vejo o homem do leme, agarrado ao leme, durante aquela incrível operação. Tem um ar muito concentrado e é muitíssimo forte.

Depois estou numa casa grande, numa sala com muitas cadeiras. Vejo uma mulher avançar na minha direcção. Essa mulher é espírita. Está lá também um senhor espírita. Fico muito contente porque julgo que eles me vão responder a coisas que preciso muito de saber. Mas eles só falam com os mortos. Conversam comigo, mas as preocupações deles são os mortos. Têm de encomendar almas. Então penso: será que lhes posso pedir que tomem conta de mim quando morrer?Afinal eles conhecem o caminho. São uma espécie de agência de viagens do Além.
Depois falo com a mulher dos mortos, mas só pelo telefone. Conto-lhe a história da casa, ela quer saber quanto é que eu vim ganhar, mas não lhe digo a verdade. Depois há um silêncio. Um silêncio tão grande que até me apetece desligar. Os meus filhos, no entanto, fazem muito barulho. Digo-lhes para se calarem, mas não me ligam.
Depois oiço, do outro lado da linha uma voz que começa a responder-me. Diz:
«Não há problema nenhum com a mudança.» Pergunto se vou mesmo ficar a viver ali. Responde:
«Só se quiser.»
Não sou capaz de perguntar mais coisas. Coisas mais importantes ou tão importantes como essa, porque não confio na mulher. E os meus filhos continuam a fazer barulho e eu perco a paciência e bato num deles, que entrou na sala aos gritos. Tinha pedido à voz do outro lado da linha que aguardasse, e tapo o bocal.
Depois peço desculpa ao meu filho, mas ele respondeu:
«Agora quando quiser falar comigo, fale com os desenhos animados da televisão.»

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

As crianças louras são filhas das mulheres estrangeiras

NOITE DE 23 PARA 24 DE FEVEREIRO DE 1998 Este cacto parece uma flor de plástico, mas afinal é uma planta de verdade. Está enterrado em areia, num vaso que parece aqueles onde se vendem as árvores de Natal de mentira. Percebo que é uma planta de verdade porque a cabeça do cacto está mole. Então arranco-o pelas raízes. E as raízes são brancas, e muito compridas, parecem rebentos de soja. Levo o cacto, com as raízes na minha mão, para junto de uma torneira, e encho a concha da minha mão com água, e vejo as raízes, embrulhadas como um novelo, na concha da minha mão, para beberem. A certa altura penso que elas podem ter uma overdose de água.
Tiro a mão debaixo de água. Seguro na planta a direito, algumas das raízes caiem. São raízes de comer, provo uma. Mas o cacto continua com algumas penduradas. Não sei onde plantá-lo. As raízes que caíram estão em cima do tampo de vidro de uma mesa, e mexem-se porque estão vivas. Mexem-se como as paramécias, ou como as cobrinhas de água, arqueando-se e projectando-se num movimento semi-circular.

Depois vou para casa da Alexandra. Os pais dela vão atrás de mim. Descemos umas escadas de granito, sob um caramanchão que dá para o jardim, onde já estão muitas crianças. A mesa está posta para o pequeno-almoço. As crianças são todas louras. Alguém diz:
«As bisavós são todas morenas. As crianças louras são filhas das mulheres estrangeiras dos homens da nova geração».

Uma mulher capaz de levar o carro nestas condições

NOITE DE 22 PARA 23 DE FEVEIRO DE 1998
Mudanças, muitas mudanças. Voos para Paris, via Genéve. Não sei se chego ou não a apanhar o avião, mas isso não é o que importa. O que importa são as conexões entre as coisas. E os telefonemas. O sonho é banhado pela luz do crepúsculo. Não é uma luz muito clara. As estradas são secundárias. E eu estou no Porto.

Outro sonho. Estou na praia e estão a elogiar os meus filhos. Digo:
«É porque sempre viveram perto do mar, foi isso que os tornou tão abertos e tão inteligentes. Chegamos a viver numa casa em que o jardim entrava pela praia».
Olho à minha volta à procura de alguma construção que possa servir de exemplo, ou de medida de comparação.

E volto a sonhar com mudanças. Estou no Porto. Ando de carro, e é de carro que subo a prédios e a sítios assim, e acho incrível a maneira como a senhora que está comigo consegue levar a carro até pelas escadas. Estamos a mostrar a casa às pessoas que a vão habitar a casa depois de mim. Depois estamos no terraço. Digo-lhes que a casa é muito boa, e que fui muito feliz ali. As pessoas estão indecisas. Então, a mulher que está comigo começa a descer, com o carro, por rampas e escadas, e eu olho sem fazer nada. Ela desce assim, do terraço para o rés-do-chão, onde estão muitos homens a conversar. E são todos políticos.
A mulher está mesmo a chegar cá abaixo. Tem um dos braços fora da janela, os músculos contraídos, porque está a levar o carro à força de pulso, agarrando-se à parede, enquanto, com a outra mão agarra no volante. Vê-se que está a fazer um grande esforço, mas não abre a boca. E é estranhíssimo. Nunca tinha visto nada assim. Então ajudo-a. E toda a gente toma consciência do que se está a passar e vêm ajudar também. Só que, na verdade, já nem é preciso, embora tenha aliviado o esforço dela. E um dos homens, que é politico, diz:
«Uma mulher capaz de levar um carro nestas condições é capaz de fazer tudo o que quiser. É maravilhoso.»
E nem me liga, e eu sinto-me posta de parte.
E depois há um cão que está comigo, e ladra muito. E aparecem muitos lobos e rodeiam-no em círculo. Não tenho pena do cão. Ladra muito, é muito irritante. [Acordo e ouço o estúpido do cão da vizinha que ladra o dia inteiro.]

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

O homem dos recados entrega os bilhetes

NOITE DE 21 PARA 22 DE FEVEREIRO DE 1998

Há muito barulho. Pelas frinchas das portadas de um camarote espreito os desfiles. São espectáculos de teatro, comédias de Carnaval. Não gosto. Estão a troçar do nosso País, com caricaturas de portugueses, Zés Povinhos, e as letras são escritas por brasileiros. Recuo, fecho a porta. Estou com duas crianças, e temos de sair dali. Chega um homem e diz:
«Venho entregar os bilhetes».
O homem vem da parte de outro homem. Não sei quem ele é, mas no sonho é alguém que conheço. Pego nos bilhetes, muito aliviada. Parecem selos do correio. Há quatro. O homem diz que são para mim, para as crianças e para outra pessoa que não sei quem é. O homem diz: 
«Estes bilhetes são em primeira classe.»
Quero pagar, o homem não aceita. Os bilhetes foram pagos pelo outro homem a quem ele serve. Ele é o homem de recados dele. Eu aceito e compreendo.

A água é muito quente mas os camarões estão vivos

NOITE DE 20 PARA 21 DE FEVEREIRO DE 1998 O piso é muito irregular. Começa a ser perigoso. O condutor é um amigo mas guia muito depressa. Os meus filhos vão connosco. Estão sentados no banco de trás. O meu amigo ri-se com os obstáculos. Eu também, mas estou consciente dos perigos. A estrada é perigosa sobretudo para o carro. Eu dou-lhe indicações, como se soubesse, exactamente, todas as curvas, todas as lombas, todos os buracos e precipícios com que nos vamos deparando. A certa altura digo:
– O pior é agora.
E peço-lhe para abrandar. Ele demora a reagir mas abranda  mesmo a tempo e pára diante de uma cratera que corta a estrada. Se não tivesse parado enfiava o carro lá dentro. Os meus filhos perguntam:
«O que é que podia ter acontecido? Morríamos?» (nessas circunstâncias). Respondo-lhes que não. Não era assim tão perigoso para nós. Mas o carro ia ficar muito estragado.


Saio e começo a andar a pé. Sozinha. E a estrada é uma estrada marinha, com covas e crateras de praia, o tipo de erosão causado pelas marés. À minha direita há um poço largo e fundo. Tem muitos camarões lá dentro. Puxo-os com uma rede para a superfície. Estão cozinhados e prontos para serem comidos. Como alguns e ofereço outros a pessoas que agora estão comigo. São muito bons. Alguém me pergunta: «Sabes o segredo de cozinhar bem camarões?»
Digo:
«A água deve estar tão salgada como a água do mar. E o tempo de cozedura são oito minutos».
A pessoa que está comigo diz:
«Não. São dez», mas depois emenda: «É verdade, são oito ou sete minutos».
Em frente, sempre à minha direita, há outro lago. Pesco mais camarões e como-os. Mas estes são transparentes porque ainda não foram cozidos. Não consigo comê-los assim: estão vivos. Têm olhos que brilham. A água é muito quente. Penso: é mesmo assim que eles vivem?

Continuo a andar. Chego ao fim da estrada. E no fim da estrada há uma grande cozinha onde trabalham várias pessoas. É uma cozinha que dá comida a muita gente, mas agora, como já passou a hora do almoço, está a acabar de ser arrumada. A cozinheira fica muito preocupada comigo, e quer-me arranjar coisas para eu comer. Acho graça quando ela diz:
«Agora já não há nada», porque, em cima de uma das bancas há uma travessa com os restos do almoço. É uma travessa muito grande com muitas fatias de carne. É para os ajudantes comerem. Ela quer arranjar-me um prato, mas eu não tenho fome.

Dentro da cozinha, num dos desvãos, há um quarto escuro. Na parede ao lado desse quarto escuro alguém colou uma espécie de jornal de parede que traz uma notícia que me inquieta, porque é um jornal de grande circulação. E a notícia diz que a Polícia descobriu, ao fim de 27 anos, quem tinha sido o verdadeiro autor de uns crimes. Nessa época algumas pessoas apareceram enforcadas. Mas afinal tinham sido mortas a tiro. E a arma acabara por aparecer, aos pedaços. O carregador fora encontrado em Matosinhos, o coldre já não sei onde, mas no estrangeiro, e a policia acabara por reunir todas as peças e determinara que fora dali que tinham partido os tiros. A arma, desmontada e já sem poder de acção, estava colocada na parede, ao lado do jornal. Os pedaços da arma eram negros e tinham um brilho fosforescente e assustador. Eu tenho medo que aquela arma se relacione com outra história recente. Uma história de dinheiro. Não me diz respeito, mas envolve pessoas que todos nós conhecemos. E essas pessoas são perigosas.
Depois estou em Cuba com os meus filhos. Encontro muitos jornalistas portugueses, estão ali em trabalho.

Just for the record: na minha vida acordada, o tempo de cozedura dos camarões é mais ou menos 3 minutos.

sábado, 17 de outubro de 2009

Os cães de porcelana ficam vivos


NOITE DE 13 PARA 14 DE FEVEREIRO DE 1998
O homem está a limpar estatuetas de porcelana, muito pirosas. E de repente, essas porcelanas são dois cães vivos que vão para a exposição. São galgos. Acho-os muito magros. Depois há outros, alguns têm graça. Um deles salta-me para o colo, e põe-me as patas nos olhos. É muito afectuoso.
No terreno ao lado do nosso há cães muito feios, muito ferozes. Um deles solta-se – não é bem soltar-se, ele nem está preso. Ele sai do terreno dele e vem para o nosso. Todos ficam aflitos, e eu espero que o treinador dele apareça rapidamente, para o buscar. Mas ninguém aparece e o cão fareja tudo. Penso: «vou ter de subir a uma árvore». Não estou muito assustada. É como se a situação estivesse mais ou menos controlada, mas eu preciso de considerar todas as hipóteses.
Depois estou com o meu amigo. Fazemos projectos, como se tivéssemos o tempo todo à nossa frente. E à nossa frente há uma paisagem lindíssima. É uma praia com coqueiros.

O meu amigo pega-me ao colo

NOITE DE 10 PARA 11 DE FEVEREIRO DE 1998
O meu amigo pega-me ao colo e leva-me para dentro do carro. É um carro grande e eu vou sentada no banco de trás. À frente vai uma criança que salta para junto de mim, deixando o banco vazio. Então trocamos, e eu vou para junto do condutor. Os bancos são muito confortáveis. São pretos, em pele. Depois é preciso sair, para uma sala que está muito cheia de gente. O condutor pega-me, outra vez, ao colo. Começamo a rir, os dois. Depois chegamos a um quarto e queremos conversar, mas há sempre muita gente a entrar e a sair, e a interromper-nos o tempo todo. Fecho a porta à chave. Volto para junto dele.

Na estação de comboios de Coimbra

NOITE DE 9 PARA 10 DE FEVEREIRO DE 1998
Estou na estação de comboios em Coimbra. Fiz metade do caminho e tenho de comprar o bilhete para o resto. O resto do percurso é para Lisboa. O bilhete é mais caro agora porque «a máquina está sobrecarregada», diz-me o homem da estação. O comboio vem muito devagar porque está outro comboio atrás dele. Não chocam, embora eu, ao olhar para eles, pense que isso até podia ter acontecido. Na estação há muitos homens. Olham muito para mim. Eu olho para o bilhete e para a guia de compra e apanho um susto porque me parece muito mais caro do que, olhando pela segunda vez, verifico ser.

Depois estou num avião que aterra, milagrosamente intacto, graças à perícia do piloto. Não é um local onde um avião deva aterrar, porque não estamos no campo, nem na cidade, mas sim entre montes, num piso muito irregular. É uma aterragem de emergência, e eu chego a pensar que vamos magoar-nos. Fora do avião, agarrada a uma asa, está uma mulher. A mulher grita.
Quando o avião aterra todos fogem, com medo da explosão. Começo a correr, mas depois volto atrás para dar um abraço ao piloto que foi extraordinário. Parece-me injusto não lhe agradecer. Agora já não há perigo de explosão. E ainda por cima, penso com alívio, o avião não ficou danificado.
Imagem: http://tvcoimbraarquivo.com.sapo.pt/102006.htm

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Chuvas e arco-íris


NOITE DE 25 PARA 26 DE JANEIRO DE 1998
Está a chover nos caminhos por onde passamos para ir a um piquenique. É um passeio, um intervalo. A chuva não molha muito, é só uma chuvinha. O chão é arenoso. Há um carro, mas foi à frente. Depois, à minha direita, vejo um arco-íris no céu. É um arco-íris muito bem desenhado, muito nítido, com todas as suas cores definidíssimas. Atravessa, num arco, todo o céu. É um arco-íris que parece de verdade, como se fosse possível tocar-lhe, ou descolá-lo do céu.
[Quando acordo lembra-me as bandas magnéticas do fecho ou do começo das emissões. Ou da sintonização, quando se começa a acertar os canais da televisão.]
Imagem: http://orefletor.wordpress.com/2009/05/

O soldado todo nu no jipe do general

NOITE DE 20 PARA 21 DE JANEIRO DE 1998

Na cidade onde vivo há um grande exército. Há soldados por todo o lado. Com fardas de camuflado. Estão muito bem dispostos. Há alguns de alta patente. Mas não há guerra. Vejo, quase fora do meu campo de visão, jipes e tanques de guerra. E uns soldados a rir, porque um deles se meteu, todo nu, no carro de um general. E o general mandou-o de volta para o quartel, ou perguntou-lhe qualquer coisa, e ele disse: «sim, mas só se levar duas mulhere nuas, duas prostitutas, uma de cada lado, comigo, para não ter frio». E toda a gente achou muita graça. Até o general.

Depois vou ao cabeleireiro, mas na sala de lavar o cabelo estão muitos soldados. São todos muito miúdos. Estou em Lisboa. E a mulher está a arranjar um saco com cremes para eu levar. Vejo a Alexandra. Acabaram de a pentear. Está muito mal penteada. Só que, como o cabelo dela é tão bom, eu penso:«em casa ela vai arranjar o penteado.» Depois a cabeleireira aponta-lhe a laca, e eu dou um salto e consigo interceptar o jacto pegajoso. Digo-lhe: «nós não usamos essas coisas».

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

This is not a dream tale

This is not a dream tale. It's more  like wondering about all those old and recent  dreams I've published for a change. It has been such an interesting and enlightening exercise realizing through them how it was then in my awakened life. Somehow they figure out to be a strong and twiested mirror of reality, altough  some of them provide much so much more information. I’m convinced that during dream time there is another scale where time doesn’t count the way it counts when we’re awaken.
Then I realize that some of my dreams would carry information from the future, which of course I couldn’t pick up then or now. But then, again, there is so much to know and to learn with and about dreaming.

Vou para a minha estrela e a minha estrela é Tau Ceti

NOITE DE 19 PARA 20 DE JANEIRO DE 1998
Alguém está a tentar pôr a trabalhar uma mota de metal reluzente, mas o motor não arranca. Estamos num caminho verde, num planeta vegetal. Ali, a moto não faz sentido. Perguntam-me que tipo de velocidade pode dar uma máquina como aquela, e como é que as pessoas confiam a vida a uma estrutura tão frágil. Respondo: «já andei a mais de 200 km por hora numa mota daquelas». Alguém diz: «que loucura. Por isso é que se morre tanto nas estradas». Eu digo: «quando se anda assim não se tem a consciência do perigo. E é deslumbrante fazer curvas a tocar o chão, àquela velocidade.»
Neste planeta as máquinas não são importantes. Penso: «afinal é possível viver de outra forma, tão evoluída, sem ser preciso cobrir a Terra de destroços.»
Estou ali de passagem. Vou para a minha estrela. A minha estrela é Tau Ceti.
Antes estou na Terra. Dentro de um carro, com outra pessoa. Essa pessoa é uma mulher. Depois, o carro tranforma-se numa nave muito pequena. A mulher diz-me que não tenho de me preocupar com nada a não ser com apertar bem o cinto porque vamos descolar. A velocidade que vamos atingir, para já, são 900 quilómetros por hora. A nave parece uma bolha. Sobe com tanta força que eu não consigo colocar o cinto de segurança. Às vezes ficamos quase de cabeça para baixo. Subimos, subimos, mas apesar de tudo vamos sempre vendo a Terra. Nunca subimos tão alto que nos encontremos no espaço sem fim. E isso, de certa forma, dá-me pena. Às vezes tenho medo que a minha estrutura física não suporte o esforço de elevar a da máquina. É como se o esforço de levar a máquina para o céu seja suportado por mim e pela mulher que está ao meu lado.
Depois estamos naquele planeta verde, que fica fora do sistema solar. E há um mapa de estrelas, e parece quase um mapa mundo da Terra. Mas na zona marcada a negro que assinala o ponto onde estamos (e onde, parece já chegamos há algum tempo), faz-me lembrar o corno de África. Em seguida mostram-me os outros mapas com as rotas que é preciso seguir para ir para a minha estrela. E explicam-me o significado do tempo. A estrela para onde eu vou fica a dez (?) anos-luz da Terra. Pelas rotas normais, dos astronautas, significaria que seriam preciso mesmo dez anos do tempo da Terra para lá chegar. Mas, dizem-me que essa forma de viajar é completamente obsoleta. Ninguém que anda pelas estrelas a utiliza, «porque não há tempo para isso».
E eu vejo, num sistema tridimensional, a imagem de uma luz que avança como um piscar de olhos, materializando-se numa cintilação a tracejado, agora aqui, depois acolá. Num momento é um ponto de luz aqui, no outro é um ponto de luz muito mais à frente:«É assim que se viaja pelas estrelas» -- expicam-me.

Sei que foi assim que viajei até aquele corno de África zodiacal. E pergunto à pessoa que está comigo -- e que nunca vejo -- se não é esse o princípio da física quântica. A pessoa diz: «é esse exactamente. Ondas e corpúsculos, luz e energia, a matéria reduzida á expressão mais simples, onde já não há matéria, mas só energia». Diz-me muito mais coisas, que esqueço.
Agora tenho de voltar á Terra, porque sim. E estou num sítio que é a minha casa da terra, a reunir papéis que preciso de levar. Meto esses papéis dentro da pasta amarela onde tenho já todos os meus manuscritos. E telefonam-me para dizer que o táxi já chegou e eu tenho aí uns cinco minutos para descer para ele me levar ao local onde a nave me aguarda. Então a mãe da Alexandra vem ao telefone dizer-me que fez um café e tem pão para eu não ir em jejum, e que ainda dá tempo para passar lá por casa. E depois estou em casa, na casa de Lisboa, com a Marta e ela arranjou a casa que está lindíssima. A casa de banho está muito maior. Está na mesma mas está muito melhor. E ela tirou os dinossauros da banca, que agora está praticamente vazia, há um armário debaixo do lavatório, mas como essa área aumentou imenso, praticamente ao se vê. E em cima da banca há uma jarra com gladíolos vermelhos.
E eu abro com uma facilidade incrível uma garrafa de Raposeira.  

O homem gordo embebedou os sete dálmatas com champanhe

NOITE DE 13 PARA 14 DE JANEIRO DE 1998
Um jardim renovado muito recentemente. Era antigo, mas as plantas antigas estão secas. Há canteiros, muito compridos, paralelos, onde desponta uma erva nova, muito verde. Muito verde e muito brilhante. Um dos canteiros está quase todo coberto com um tapete vegetal novo. O outro canteiro mostra tufos de relva igualmente verde e brilhante, a emergir da terra castanha, onde antigos tufos de outra relva estão secos e mortos. O jardineiro explica que não se podia semear já a todo o comprimento a relva nova, mas sim colocá-la daquela forma para ela fincar bem as raízes e estender-se para conquistar todo o espaço.
Eu e o meu irmão vamos a correr e a saltar ao longo daquele canteiro. Temos o cuidado depôr os pés na terra seca para não pisar a relva nova. E é como se estivessemos a brincar.
Há um homem novo, de camisa aberta, e é gordo, e um pouco infantil. Esteve a beber, mas não vai beber mais. Entretanto embebedou com champanhe sete dálmatas. Leva-os a todos pela mesma trela. O Carnaval acabou, mas ele ainda tem serpentinas e confetis na cabeça. Coisas brilhantes. E a sala também tem vestígios de Carnaval.
A Pat entra e dá-me um grande abraço e os parabéns por voltar. Eu digo: isso ainda não está resolvido. Estou com a Alexandra, que está a ser contactada por alguém para ir ajudar a Luisa que enlouqueceu e está a tentar suicidar-se com facas. A Xana vai tentar dissuadi-la. Penso: não vale a pena.

Portas e caminhos secretos na cidadela

NOITE DE 13 PARA 14 DE JANEIRO DE 1998
Uma cidade. Uma torre. Portas fechadas, muralhas e ameias. Eu e a Susana. Tento lembrar-me de um caminho secreto e muito antigo que liga os aposentos da ala onde estamos, a outra construção, no sopé do monte, onde fica a cidade.
Lembro-me que parecia magia: aparecíamos como se nos materializássemos num ou noutro lado, sem que ninguém nos visse nunca entrar ou sair. Além disso, as portas terminais, em ambos os casos, eram sempre fechadas à chave por dentro.
Subitamente recordo: há um tunel. Mas é tão estreito nalguns sectores que é quase preciso ser-se criança para conseguir atravessar todo o percurso.
Uma das entradas/saídas é numa casa de banho. A outra, numa cozinha. Na casa-de-banho é quase um ralo, e fico espantada por ter conseguido passar algumas vezes por lá.
Estamos na torre. O chão da casa-de-banho é tão liso que não parece ter nenhuma entrada ou saída. Depois vamos até á cozinha, mas agora estamos noutro extremo. Cá em baixo. A cozinha é uma espécie de cave. Há uma janela é um parapeito ao nível do chão de lá de fora. E é nesse largo parapeito que fica uma das entradas secretas. Peço um banco á Susana. Explico-lhe que mais difícil do que entrar ou sair por ali foi descodificar, nos papéis antiquíssimos, o enmigma daquele percurso que estava todo em código. Como se fosse um jogo, ou uma magia. Vou-lhe passando para a mão, cá em baixo, livros de cozinha, e pacotes de farinha ou de grão, para libertar a entrada para o túnel. Depois é preciso fechar tudo para ninguém descobrir.
E agora estou cá em cima, na cidadela e ligo-lhe para o telemóvel para saber se ela não está a sentir dificuldades. Aparentemente não.
Depois saímos as duas, ao mesmo tempo, a rir. Há uns homens que são de lá, e ficam muito espantados connosco, porque não sabíam que lá estavamos. Não lhes podemos contar o segredo.