quinta-feira, 28 de dezembro de 2006

Os olhos verdes de Joshua estão cheios de riso


Vários sonhos, várias noites, Novembro e Outubro 1995
Sonho várias vezes com o Joshua. Os olhosverdes dele estão cheios de riso. De uma vez ele está escondido à entrada da minha casa, como se fosse um miúdo, a rir e a preparar-se para me fazer uma surpresa, ou pregar-me um susto, e ao mesmo tempo sem coragem para me enfrentar. Dizem-me que ele está ali, mas creio que não nos chegamos a encontrar.
Depois ele telefona-me e a chamada cai. Depois, noutra noite, noutro sonho, vejo-o passar por um corredor de uma casa. Ele está feliz e infeliz, porque primeiro passa um bebé, uma menina, e ele é o pai. E eu fico tão feliz por ver o bebé, e tão contente por ele. E dou-lhe os parabéns, mas vejo que ele está muito constrangido, e feliz a contra-gosto.
E noutro sonho, sonho que o Duarte me olha para as mãos e diz que eu continuo melhor, mas devia ir ter com o Gonçalo, seu irmão, médico homeopata, à casa de Sintra, para ele me ver e medicar. E cheira-me as mãos e dizia que apesar de estar muito melhor não estava ainda curada.
Eu vou para a casa de Sintra dele, no sonho muito maior e muito diferente da verdadeira. Esta casa está cheia de gente e tem muitos quartos. Num deles o telefone toca e uma criada atende e é para mim. É uma extensão de telefone muito antiga, e eu ouço com muita dificuldade o Joshua dizer, do outro lado, “vou ser pai”, e eu dou-lhe os parabéns, e ele está infeliz. Depois a chamada caí, ou é cortada, e ele tenta mais duas vezes falar-me, mas eu ouço a voz dele tão ao longe e tão sumida.
Saio desse quarto, e pelos corredores e no grande pátio interior, e nas salas e salões, há muito gente, e muita gente com crianças, porque é uma casa de família, com espaço para todos e aquele ambiente alegre, e ritual e tão leve porque há espaço e intimidade para todos. De um quarto sai um cão pequeno parecido com uma raposa, e a criada diz que ele tem de humor incerto, e eu pergunto se não será por estar sempre preso, no quarto do Miguel que vai lá ia muito pouco. O Miguel, no sonho, é o médico chamado Gonçalo. O cão dá uma volta à minha volta, e fica a cheirar-me os calcanhares. Não me mexo. Baixo-me para olhar para ele e o cão ferra-me os dentes na palma da mão esquerda. Continuo sem me mexer, sempre a olhar para ele, a pensar “não tenho medo de ti, sou capaz de te dar um pontapé que te atiro para muito longe, mas não quero fazer isso, portanto vê se me entendes e larga-me.” E ele não me magoa porque eu não ofereço resistência com a minha mão, de modo que ele só a prende, enquanto se vai parecendo cada vez mais com uma raposa, e eu continuo a falar com ele. Então ele larga-me a mão e eu vejo que está domesticado, apesar de ser agora, definitivamente, uma pequena fera.

segunda-feira, 18 de dezembro de 2006

A produtora, a biblioteca, o avião, a loja

NOITE DE 7 PARA 8 DE NOVEMBRO DE 1995
Na Produtora. A entrada é diferente. As escadas são largas, de mármore, e digo, quando estou a subir, "que maravilha, as outras eram tão estreitinhas e tão íngremes, estavamos sempre a pensar que podíamos partir uma perna." Lá dentro está tudo muito diferente, mas continua a ser a mesma. Vou dar um beijinho à Paula e estendo-me sobre a secretária dela para dar um abraço á Tinucha.
O chão é de mármore raiado, lajes grandes e muito bonitas. O mobiliário é high teck, e há uma janela grande, com um parapeito cheio de vasos de sardinheiras, onde me encosto a olhar para a rua.
Volto-me para trás e vejo o Pedro que vem ter comigo, e dá-me um abraço, e ficamos a falar, à janela.Depois vejo o Jorge e peço-lhe autorização para utilizarmos imagens da produtora para fazer o spot , e ele diz que evidentemente, sem problema nenhum.

Depois vou a uma biblioteca que tem muitos , muitos, muitos andares. E quase todos são debaixo do chão. Estou no 5º ou 6º da cave, mas quero ir à "literatura das origens", mas informam-me que devo descer muito mais, ao mais fundo, e o mais fundo é aí o 47º andar inferior. Sinto muito calor, e aquele peso opressivo de quem está a entrar profundamente dentro da Terra, e sente o mundo inteiro por cima de si.
Saio no andar que marquei e que é o último, penso, e entro numa biblioteca muito bem arrumada, com livros muito bonitos que quero levar, e objectos de arqueologia fac-similada que também gostava de ter, e recordo-me das lojas dos bons museus, mais ou menos como no British, e pego em várias coisas, e então o senhor que toma conta da biblioteca diz-me para começar mesmo pelas origens, que neste caso são a Bíblia, e livros dos primeiros tempos da Era Cristã, o que me causa alguma estranheza, porque pensava que as origens eram muito mais recuadas.
Há um livro que abro e tem uma gravura muito bonita, e um tanto bizantina com alguns laivos de gótico, representando Jesus Cristo e o diabo, sob o fundo de uma Cruz radiante, e aquela gravura referia-se á Tentação.

Depois vou numa avião e o avião vai a sair de uma cidade capital, acho que é Berlim. Olho pela janela e digo às pessoas que o avião está a voltar para trás, está mesmo a voltar, e é um avião de 17 lugares.
Perde altura e começa a fazer-se à pista numa auto-estrada, porque nem tem tempo de chegar ao aeroporto. O piloto diz às pessoas que vai voltar para trás, mas isso não vai alterar em nada o destino do voo, e não é caso para alarme.
Vejo o avião aterrar na estrada, no meio dos automóveis que, por sorte, se desviam, mas a situação, embora perigosa, é estranhamente desprovida de perigo real. O sentimento é de frustração pelo tempo que se perde
Depois o avião volta outra vez a subir, porque na estrada de emergência não há combustível, e ele precisa absolutamente de combustível. Olho para cima e comando as operações, porque há fios de alta tensão e o avião pode destruir-se neles, e esse é na verdade um perigo grande. Agora estou sentada a cavalo no avião, cá fora, a levar com o vento e a minha carteira está em risco de me cair do ombro, e eu própria estou muito mal sentada, e tenho medo de não me conseguir aguentar e desprender-me e cair. Alguém me diz para curvar a cabeça e o pescoço de forma a não acometer o vento directamente, da mesma forma que nos sentamos para andar de mota, acomodando-nos ao vento e não contra ele. De modo que consigo endireitar a carteira, e arranjar uma posição muito mais segura, e agarrar-me bem. Só penso no horror que vai ser morrer congelada, quando o avião ganhar altura. Mas a mesma pessoa diz que não corro esse perigo. O avião agora só vai voar à altura que está, relativamente próximo de terra. De modo que não faz frio, não corro perigo, e posso olhar para baixo, e ver a terra verde e castanha dos campos arados e bem cultivados, a deslizar por baixo de mim.
E depois estou em terra, á entrada de uma loja de alta costura, onde exprimentei, há tempos, um casaco que não cheguei a comprar. Todas as pessoas estão a fazer compras. Eu não tenho dinheiro. Mas também não estou a ver nada que me agrade muito. Então pergunto à minha mãe se acha que eu posso fazer compras e apresentar a factura à companhia de aviação para me compensar pelosdanos causados pelo incómodo da interrupção da vaigem, em vez de ir para os jornais fazer queixas deles, e a mãe diz que é óbvio que devo fazer isso mesmo. Então é um stress, quero despachar-me a ver as coisas, mas não encontro nada que goste, e vou entrando e saindo de salas com roupas de toilete, que não me agradam, e, de sala em sala, agora já acompanhada por uma empregada que já conhecia de ter comprado ali outras coisas, encontro finalmente o meu casaco, que a vendedora me traz mais o chapéu, duas peças que eu tinha visto, gostado, e escolhido faz tempo. Mas é um chapéu preto e branco, cheio de penas, e já não gosto de me ver com ele. Penso: como é que vou apresentar a factura à companhia? Se peço à loja para lhes ir cobrar não deve ser muito fácil, porque não me conhecem, e estou num país que não é o meu.Se deixo as coisas para mas mandarem quando a companhia lhes pagar, arrisco-me a demorar a recebê-las. Para pagá-las eu e levá-las já não posso, não tenho dinheiro. Mas tenho cartão de crédito. E é assim que faço.
E depois estou num estúdio e vai-se fazer um filme e parece que eu entro, ou pertenço ali, e encontro (transcrição indecifrável e inacabada)

domingo, 17 de dezembro de 2006

O cão mensageiro e os prédios todos iguais

NOITE DE 19 PARA 20 DE MAIO DE 1995
Estou em casa do Paulo. Ele abraça-me. Entra a Luísa. Tem olheiras fundas, e os olhos pisados, a pele baça, um ar desamparado. O Paulo vem do quintal e volta a abraçar-me. Ela olha e quando ele sai diz: «tenho de resolver esta paixão por este homem. Voltar a conquistá-lo. Tenho sido tão parva, os ciúmes cegam-me, imagina que cheguei a pensar que vocês tinham um caso. De facto estou doente, mas vou ultrapassar isto». Respondo-lhe por banalidades, digo-lhe que precisa, em primeiro lugar, de ficar de bem consigo mesma antes de tentar reconquistar o homem. Ela sorri, continua sentada a balouçar-se tranquilamente, mesmo quando ele volta de novo a abraçar-me.
Depois no quintal, que é de cimento, há umas lajes meio deslocadas, e debaixo delas vê-se água, e é daí que emerge um cão com dois sacos de compras na boca. Já no quintal o cão sacode-se, sem nunca largar os sacos, e depois avança para a porta da saída. Tento perceber se ele quer companhia ou comida, mas é evidente que ele quer é sair, como se tivesse uma missão. Abro-lhe a porta e fico a vê-lo, na rua, onde os prédios, agora, são todos absolutamente iguais, à procura da sua casa. Eu própria tento dar uma ajuda, tocando a várias campainhas. Nas janelas há crianças que criticam a cena, mais pelo incómodo de terem de vir ao intercomunicador explicar que não é a sua casa a que o cão procura. Grito-lhes que se estão preocupadas então falem com os pais delas para eles não voltarem a tratar o cão daquela maneira. Depois percebo que o cão encontrou o seu destino. Abre-se uma porta e ele entrega os sacos, que, por incrível que pareça, não estão molhados, nem o seu conteúdo estragado. A casa não é dos donos do cão. Ele é só um mensageiro. Mas agora estoueu na rua, e esqueci-me do numero da porta, e os prédios são todos iguais, e vou tocando, aliás só tento uma vez, e não é a casa, e por mais que tente não me lembro mesmo do número nem do lote. E penso, que estranho, afinal estava aqui agora e vim cá tantas vezes, e não encontro a casa. O seu lugar não me ficou na memória, como se tivesse sido apagado.

A festa de despedida, o camião cisterna e os brinquedos enterrados

26 PARA 27 DE FEVEREIRO DE 95
Toda a gente se vai embora. Há uma festa em casa da Paula. Ela e o Hendrik vão vender tudo e mudar de País. Ele explica-me que está só à espera de Janeiro que é a melhor altura para executar esse tipo de operações. Estou a ajudar à festa. Bebo um copo de uísque com coca-cola, mas pouco. A Paula chama-me a atenção para outros copos que estão cheios, à espera que eu os beba, e é como se me censurasse. Digo-lhe que não foi por descuido, mas não acabei ainda resto da minha bebida. Então dou um gole num copo pequeno, numa bebia alcoólica, muito amarga. Depois vou ajudar a arrumar copos vazios, mas é mais como se fosse uma obrigação do que uma ajuda de amiga. Sinto-me incomodada porque entretanto, num dos cantos do jardim onde a festa corre, cheia de convidados, vejo o Manuel sentado, como se não quisesse ver-me, porque eu estou com o Paulo e também não quero que ele perceba que estou ali a despejar uma bandeja cheia de cinzas, porque me sinto mais no papel de empregada do que de amiga. Depois preciso de ir buscar umas calças de seda que estão na costureira a fazer bainhas, e desço uma rua muito íngreme, depois de ter avisado na festa de que já vinha. À entrada da loja da modista vejo a Paula que vai entrar na casa da frente. Ela ri-se para mim, e faz um sinal de quem diz «já volto, mas não digas nada a ninguém».
Depois estou outra vez na rua e um amigo da Paula que veio da Holanda está a estacionar o carro. O filho dele sai. Tem nove anos. O carro, entretanto, começa a descair, e é quase impossível travá-lo. Junta-se gente. Estou com a criança ao lado, a ver. Entretanto o carro embate num grande camião cisterna, e as pessoas tentam segurá-lo para que não se enfie nas lojas. E tentam impedir que se fechem as portas do camião cisterna para ninguém ficar entalado. O camião mais ou menos rebenta e a água começa a inundar a rua. Pensei que ia ser assustador mas não é. A água não é tanta que faça uma inundação. Então o miúdo pede-me que o leve ao colo. Está pálido, assustado, e eu não tenho coragem de dizer-lhe que não. Pego-lhe ao colo, mas ele é grande e a rua é íngreme. Subo com alguma dificuldade, mas percebo que, mais do que colo o que ele quer é mimo, porque é extraordinariamente carente. Abraço-o e conforto-o e ele encosta a cabeça com força contra o meu ombro.
Novamente no jardim. Já não há festa. Há crianças a brincar. Faço um buraco num recinto pequeno, com areia, uma espécie de caixote, e descubro que lá dentro estão imensos brinquedos novos, coloridos, de plástico. Penso: "que criança os escondeu aqui e se esqueceu deles? Que criança os poderá vir a reclamar se os der a este que trouxe comigo? E se ninguém reparar?"
Eu quero dar estes brinquedos à criança que está comigo.

domingo, 10 de dezembro de 2006

Uma faca suja de sangue, dois monstros assassinados

25 PARA 26 DE FEVEREIRO DE 1995
Uma casa, uma espécie de cave. É o quarto onde está um homem, cujo rosto não vejo, e uma mulher, alta, e uma menina, que apenas vejo de relance, nas sombras do fundo do quarto. A menina chora. Ainda não tem quatro anos.
Para não ouvir os gritos da menina começo a subir as escadas. As escadas vão-se iluminando à medida que as subo. E penso. "Se fosse agora, descia e com uma faca assassinava os dois, pegava na menina ao colo e fugia com ela." E, como se estivesse acordada, executo mentalmente esse propósito sem o visualizar.
Depois estou coberta de sangue. Tenho uma faca na mão, e sei que matei aqueles dois, e estou numa estrada. Eu estou com a menina. Eu sei que as imagens que vejo são imagens criadas pela minha vontade . Depois estou dentro de um carro.
A estrada é deserta, rodeada de campos desolados. Dentro do automóvel há duas pessoas, além de nós. Nós vamos sentadas no banco de trás. Penso que nos ameaçam, ou que ameaçam ameaçar-nos. Puxo da faca encosto-a ao pescoço do condutor e digo: "esta faca está suja de sangue porque acabei de assassinar dois monstros. Posso voltar a fazer o mesmo." Então somos atiradas, as duas, para fora do carro. Ficamos de novo sozinhas, na estrada desolada e deserta.

Eu, o indiano, o Paulo, o Joshua e muitos livros

22 PARA 23 DE FEVEREIRO DE 1995
Novamente um indiano. Sei que já o encontrei mais vezes, nos meus sonhos. Agor, aliás, é um casal de indianos, mas a mulher não está. Eu é que estou em casa com ele. Há um cão no quarto. É cachorro e brincalhão. Antes, penso, eu tinha combinado com o indiano ir à loja dele buscar coisas, ou fazer compras. Mas agora estou a brincar com o cão, que se agarra ao cinto do meu roupão, que é como que uma trança de seda. O cão morde e brinca com o cinto do meu roupão e acaba por desmanchar uma das pontas.
Olho para o Paulo, que está ao meu lado e peço-lhe que me conserte aquele cinto, mas faço-lhe o pedido com imensa cerimónia, e ele responde quase do mesmo modo, mas a rir. E garante-me que conserta o cinto.
Depois estou a atravessar uma rua, com ele, porque combinei ir encontrar-me com a Blá numa estação de Caminhos-de-Ferro, penso que no Cais do Sodré. O Paulo está ao meu lado. Ele vai carregado de livros. São tantos livros que quase lhe tapam a a cara. Depois eu ainda lhe passo umas coisas, que tinha na mão, para ele carregar com elas. Depois ele põe-me o braço por cima dos ombros.
Depois encontro o Joshua e fico tão contente, tão contente. Começo a contar-lhe dos sonhos que sonhei com ele. Ele, entretanto, diz que recebeu aquela minha carta, que lhe mandei no mundo de acordada, e pergunta-me se não lhe voltei a escrever, e eu digo-lhe, super animada, que continuo a escrever os meus sonhos, sempre. E ele diz-me que faz o mesmo há imenso tempo, e eu não acredito. E ele insiste, mas explica-me que não vai escrever nenhum livro, porque o negócio dos livros está mau, mas vai fazer um CD Rom. E repete que escreve sonhos desde o tempo em que andamos juntos, mas se calhar nunca me disse.

domingo, 3 de dezembro de 2006

Eu, o Paulo e o bebé do Paulo

18 PARA 19 DE FEVEREIRO DE 1995
Levo um bebé ao colo. Este bebé é do Paulo, mas aninha-se tão bem, e enrola-se tão confortavelmente nos meus braços, que não me pesa, e pelo contrário, é muito bom tê-lo assim. Depois vejo que tem a cara suja. E suja-me a mim, também, porque bolsa, e muito. Procuro uma casa de banho. Há duas, mas escolho a dos homens, onde está o Paulo a lavar as mãos. Entro e começo a lavar a minha cara, depois as minhas mãos, e só depois ligo ao bebé, que está feliz, no meu colo, a rir-se para o espelho.
Depois meto-me num eléctrico que é um comboio, ou o contrário. Primeiro eu estava à procura da estação, mas não era nada fácil encontrá-la. Depois ensinam-me. Entra-se por uma espécie de quinta, mas é uma quinta cheia de edifícios baixos, casas de habitação. Sinto, quando entro ali, que é como se ganhasse uma certa independência em relação ao que fica cá fora, uma vez que ninguém, a menos que eu queira, pode dar comigo ali.
Sei que me procuram. Fico contente por saber que só me encontrarão quando eu quiser.
Tudo aquilo é velho e mal conservado, mas, ao mesmo tempo, é bonito como se estivesse abandonado há muito tempo.
Entro no comboio que é um eléctrico. Adoro a viagem que ele faz. Calma e longa, através de uma cidade que é o Porto. O Lula vai ao meu lado. Engana-se a mexer num telemóvel. Ouve-se uma voz. É o pai do Zé. Olhamos um para o outro, como se ele não devesse ter feito aquilo. O Lula toma a iniciativa e simplesmente desliga o telemóvel.

Meu inimigo, minha sombra, minha fera, meu amor

17 PARA 18 DE FEVEREIRO DE 1995
Tenho de fugir sem pôr os pés no chão. Estou numa grande sala de baile, com lianas penduradas do tecto, a várias alturas. Agarro-me e vou passando de umas para as outras, dando balanço com o corpo e projectando-me sempre para diante. Tenho de fugir de um homem que me persegue. Faço-o com dificuldade. Então encontro um casal de meia-idade a quem peço abrigo em sua casa. É uma casa de passagem. Lá dentro há uma sala e um quarto. Eles acolhem-me e eu vou-me esconder no quarto do fundo.
Depois tocam à campainha, e sei logo que é ELE. Peço ao casal que diga ao homem que eu não estou ali, nem sabem de mim. Explico-lhes que devem ter muito cuidado porque ele é inteligentíssimo. Escondo-me no quarto, que tem uma porta que dá, também, para a rua. Para as traseiras da casa. Na porta há um olho-de-peixe.
Ouço, mal, a conversa entre o casal meu amigo e o homem que me persegue. Ouço a porta da rua bater e sei que ele se foi embora. Então ponho-me a espreitar pelo olho-de-peixe para o ver ir-se embora também deste lado da casa. Espreito e vejo só um corredor vazio ligeiramente deformado pela lente.
Afasto-me. Volto a olhar. Nada. Afasto-me e aproximo-me de novo, para ter a certeza de que ele se vai mesmo embora. E quando encosto, de novo, o meu olho ao olho-de-peixe sinto uma espécie de descarga eléctrica, um susto, um terror, porque, no mesmo instante, o meu perseguidor faz o mesmo do outro lado.
Num salto, enrolome no chão, junto à porta, e, a tremer, fico à espera que ele não tenha detectado a minha presença. Mas sei que, apesar de estar agachada junto da porta, não posso movimentar-me pelo quarto porque ele me detecta. E sei que há maneiras de ele conseguir espreitar, através do olho-de-peixe, e conseguir mesmo ver-me no ponto em que estou, embora não o faça por métodos habituais, até porque aquele dispositivo, em princípio, só serve para olhar de dentro para fora e não o contrário. Mas ELE consegue. Eu sei que ele consegue fazê-lo.
Ouço a sua respiração através da porta. Uma respiração pesada, de animal selvagem. Sei que ele nunca vai sair dali, nunca vai deixar de me perseguir, só vai parar quando me apanhar.
Tremo e aguardo.
Então, de repente, tomo uma decisão de instinto. Levanto-me e abro a porta ao meu inimigo, à fera que me persegue, ao homem ameaçador. E ele entra e eu atiro-me para ele e fundimo-nos num intensíssimo abraço.

domingo, 26 de novembro de 2006

Tempestade terrível sobre os amantes


14 PARA 15 DE FEVEREIRO 1995
Na cozinha da minha casa há uma barata horrível, e estão os meus filhos a ver, e está o Paulo Ab. a ver, e ninguém faz nada, a não ser eu, que grito e salto, e a barata, que não grita, mas salta.
E depois estou com o Paulo a passear na rua. E está a chover um pouco, e cada um de nós tem um guarda-chuva. Olho para o céu e vejo uma nuvem carregadíssima, negra, e digo, olha Paulo que nuvem tão gorda. Vai rebentar em água e trovões por cima da nossa cabeça. E a nuvem pára mesmo em cima de nós e não se mexe.
Estamos numa rua de uma cidade, num passeio junto a montras iluminadas. Há, aqui e além, toldos. Entretanto, a nuvem torna-se ameaçadora, pelo menos para mim. O meu guarda-chuva torce-se e vira-se do avesso. Sinto uma tremendaelectricidade no ar. Percebo que o meu guarda-chuva e o do Paulo podem servir de pára-raios e nós seremos literalmente feitos em cinza. Estou aterrada. Ele agarra-me e leva-me para dentro de um café onde servem pequenos-almoços. Lá dentro está calor e estamos protegidos. Pergunto-lhe se viu bem como estava o meu guarda-chuva. Ele diz que sim mas tranquiliza-me. A comida é imensa. Ele pede batatas salteadas. É um pequeno-almoço americano muito pesado para nós.

Correntes cobrem o corpo dos amantes

NOITE DE 12 PARA 13 DE FEVEREIRO DE 1995
Um prédio em obras e dentro de um vagão de entulho está o Paulo Ab amarrado com correntes. As correntes estão á volta do seu peito e ele está deitado num contentor das obras. Olho sem perceber o que devo fazer nestas circunstas, e vejo uma mulher, ao lado dele que tem uma das pontas da corrente na mão. A mulher olha para mim e atira com essa ponta para dentro do vagão. É como se ela estivesse a dizer-me "agora é contigo." Então vejo que ele não está amarrado mesmo, só está coberto com todas aquelas grilhetas e anéis de ferro, mas como a ponta está solta nem precisa de se desamarrar. Ele só precisa de sacudir-se, ou desembrulhar-se.
Agora eu sei que está nas minhas mãos soltá-lo, até porque as correntes já só o cobrem.
E eu sinto que agora, sou ele.
Depois há um pombo frágil, no chão. Esse pombo não consegue levantar voo. Percebo que é porque ainda não lhe tiraram a mensagem que leva agarrada, à pata ou ao pescoço. Tiro a mensagem, mas não a leio, e ergo o pombo no ar em direção ao pombal. Ele, ainda frágil, bate as asas e consegue voar. Entra no pombal e mistura-se com os outros.
Depois estou a recordar um amante indiano, mas nem sei o seu nome, nem tenho dele qualquer memória.

quinta-feira, 23 de novembro de 2006

"Fortaleza de Alma" e os budistas ocidentais

10 PARA 11 DE FEVEREIRO DE 1995
Uma estrada. Um grupo de budistas tibetanos. Eles falam, entre si. São ocidentais. No meio da estrada há um corpo amarrado, dentro de uma espécie de saco. É o corpo de uma pessoa condenada à morte. Olho e não percebo como é que um grupo de pessoas religiosas tem, deitado no chão e em sofrimento, um ser que condenaram à morte. Tento pensar nestes termos: “são orientais, e para os orientais as questões do sofrimento e da morte são colocadas noutros termos.” Então percebo que sou eu o corpo amarrado no chão.
Toco nos nós que me prendem e descubro que são surpreendentemente fáceis de desatar. São nós frouxos, de fio de embrulho. A única questão é desatar-me rapidamente para que os budistas não descubram e venham atar-me de novo. Sou extremamente rápida. Num salto chego ao pé do grupo, que me olha estupefacto. E o lama dos budistas, ocidentais, olha-me profundamente comovido. Explica-me que eu sou o Buda de quem estavam à espera. Passei o teste, soltei-me dos nós, livrei-me da morte.
Agora, aquelas criaturas que momentos antes não davam nada por mim, e me tinham votado à morte, adoram-me. Penso: “como vou ser o Buda deles, se nem sei tibetano?” Não sei como orientá-los, nem o que lhes dizer. A sensação que tenho é que acho tudo um pouco infantil, mas ao mesmo tempo não os quero desiludir nem desamparar. Então, o que antes era o líder espiritual do grupo pede-me que lhe dê um nome secreto. Fico atrapalhada. Mais uma vez não sei tibetano... invento uns sons e digo-lhos ao ouvido. Ele parece desiludido. Não percebeu bem. Explico-lhe o nome secreto dele, que quer dizer “Fortaleza de Alma”. Depois olho por cima dele e vejo um livro de signos chineses, aquelas edições de grande consumo, mas com os nomes em tibetano. Rapidamente memorizo um e digo para o meu “discípulo”: vou dar-te outro nome secreto. Digo-lho ao ouvido e ele fica felicíssimo.
Não estou contente com este meu novo papel, porque, basicamente, não acredito no que estou a fazer e, ainda por cima, ele vai implicar muito trabalho, (tenho de aprender tibetano) e muita atenção aos meus discípulos. Mas não tenho coragem para lhes dizer que não posso assumir este cargo, porque apesar de tudo, é como se os desamparasse.
Sinto-me muito lúcida, muito cheia de “fortaleza de alma”. E muito só.

The girl, the boy and the crystal tower

18 para 19 DE JANEIRO DE 1995
I am travelling with my brother, and then we left the car and tried to claim up the green mountains. But then they turn out to be sand like, very white, but not so easy to claim. Then I saw this woman in the top of the mountain, but she vanished right away. Then I saw this Tuareg man passing by, in his majestically look like. When I reached the top, there is the desert. I start walking by myself and came to this huge convent, something between a monastery and a 7 stars hotel. Inside there are lots of people, monks mainly. And this two astonish woman. One of them look at me strait in the eyes, in a way that I felt even intimidated. Somehow, she’s in charge of the place, like she sees and controlles everything and everybody, but in a natural way. She is very beautiful and sophisticated. She’s red dressing. The other woman is the messenger, young and also beautiful, but dressed like a fancy soldier, with boots and stuff but no weapons. She is about to leave to the outside world, and she’s smiling and laughing and moving gracefully. I admire them both.
The monks seem like Buddhists, and they smile like children do. Then I realize I belong here. And I think "I must see everything. Details do matter, and in dreams you kinda forget these things, loosing the messages." And then I enter this small room and start to open this wall cabinet, but as I open the door, I found another one, and another one, and another one. All different, and astonishingly nice, in so many different ways, but... nothing more then doors opening to doors, and then there is this monk smiling at me, and he says "that's not the point, you see? This won't take you anywhere." He is not blaming me or whatsoever. Just pointing things the right way, so I left and walk, and walk inside this palace monastery, and find myself in this staircase outside the crystal tower, claiming up the stairs, and there were these young people, a boy and a girl, they were nine years old, and helped me to go inside. Outside there were the sea and some wind blowing. Inside we could see everything around, cause it was a round crystal tower. They asked me if I knew already the big kitchen, and I told them the monks showed me one but "it's not so, so big". Then they said "you didn't see anything. The big kitchen is huge. It's all this building shape under the basement. But very few of them know about it. We know indeed everyplace, everything, every secret of this place nobody ever heard about."
Then they told me they would show me everything, and they would tell me everything

segunda-feira, 20 de novembro de 2006

O rapaz, a rapariga e a Torre de Cristal

18 PARA 19 DE JANEIRO DE 1995
Vou com o meu irmão por uma estrada que se curva entre montes, que não parecem muito elevados. Estes montes fazem curvas suaves, parecem seios verdes que entram pelo azul-cobalto do céu. A meio de uma encosta parece-me ver uma figura de mulher. Mas então os montes já não estão verdes de ervas rasteiras, estão brancos de areia muito branca. Saio da estrada, e tento subir por aquelas dunas que se desfazem sob os meus pés e mãos. O meu irmão começa a escalada. Eu afasto-me ligeiramente dele e tento também subir, enquanto penso que se déssemos a volta pela estrada se calhar chegávamos ao topo sem qualquer esforço, porque me custa a acreditar que aquele seja o melhor ou o único caminho. Começo a subir, escorrego, e volto a subir. A meio de uma encosta vejo, bem acima, uma figura solitária. É um tuaregue de turbante, que caminha imperturbável.
Reparo agora, como naquele deserto, mesmo em locais improváveis como aquela encosta, se encontram detritos da civilização: para variar, sacos de plástico. Penso, “que pena, virem de tão longe sujar este santuário.”
Escorrego e sinto medo e prazer. Medo, porque já subi muito, e imagino que posso cair com força e magoar-me. Também sinto alguma frustração, porque escorrego precisamente quando estou perto de uma plataforma onde me posso içar e encontrar chão mais firme. Mas cair dá-me prazer. Escorrego por um declive de areia fofa e morna, que se solta sob o peso do meu corpo. Volto a insistir. Quando dou por mim tenho as mãos enclavinhadas no bordo da plataforma e os pés à procura de um ponto de apoio, onde me firmo. Agora subo para um chão mais duro, o terreno por onde vi passar em silêncio e mistério, o meu tuaregue.
Começo a andar e chego a um mosteiro. Entro num átrio do que me parece, ao mesmo tempo, um hotel de luxo e um convento. Há frades que caminham, apressados e sorridentes, atravessando um átrio imenso, e outras pessoas, algumas aparentemente com funções específicas. O espaço é levemente sombrio e fresco, em contraste com a luz incandescente do deserto lá de fora.
Espanta-me um pouco ver mulheres naquele local. São mulheres sensuais, muito bonitas. Estas mulheres têm personalidades fortíssimas. Uma está sentada numa cadeira alta, ocupando um espaço central. Olha-me de frente e o seu olhar quase me intimida. Está vestida de vermelho, a roupa é um pouco provocante, mas extremamente sofisticada. Outra vem a chegar e vai já partir. É mensageira e está mais ao nosso nível. Está vestida de caqui, uma espécie de fato camuflado, e move-se com agilidade e com alegria. Ela fala com os frades. Ela fala com toda a gente. Os frades riem. Não sei porquê, lembram-me budistas. Parecem espelhar naqueles sorrisos uma felicidade quase infantil.
Percebo que pertenço ali. Eu estou em casa, de uma forma que não sei explicar. Então vem-me uma febre de conhecer tudo, e avanço quase correndo, para um quarto, e resolvo espreitar os armários, porque me lembro que muitas vezes não ligamos, nos sonhos, a esses pormenores, e perdemos oportunidades fantásticas. Abro as portas de um guarda-fatos, e elas revelam-me outras portas. São todas lindíssimas e todas diferentes umas das outras. Vou abrindo, sucessivamente, portas que dão para portas, numa urgência onde já entra alguma raiva e frustração. Penso que se abrir as gavetas do fundo do armário, posso meter as mãos por baixo e tentar abrir a última porta de todas as portas, e perceber o que guarda aquele armário, que agora sinto e sei que está vazio. Então vejo um dos frades ao meu lado, e ele está a sorrir com um ar muito pacífico e diz: “não é por aí que vais descobrir nada de interessante.” Não há qualquer espécie de censura na sua observação. Então volto as costas àquele quarto, avanço pelo átrio fora, meto-me por um corredor e depois estou a subir umas escadas em caracol e então vejo uma espécie de torre envidraçada onde estão duas crianças, um rapaz e uma rapariga. Têm nove anos. Em frente da torre há o mar azul e imenso. E sol, e vento.
As crianças chamam-me. Vou ter com elas. Há uma varanda em redor da torre, e eu não sei como se entra, embora tudo pareça tão simples. É a rapariga que sai e me pega pela mão para me ensinar a maneira de entrar na torre. Lá dentro está-se melhor, porque apesar de ser muito bonita a vista cá de fora, o vento é ligeiramente agreste. Além disso, cá de dentro, vê-se singularmente bem toda a paisagem em volta.
As crianças perguntam-me se já conheço a grande cozinha. Digo que conheço a cozinha, sim, um dos frades mostrou-me onde se fazem os alimentos, para eu depois ir buscar, quando tivesse fome. Aliás lembro-me que o frade me falou em várias cozinhas. Mas nenhuma delas era enorme. As crianças trocam um olhar:
– Então não viste nada ainda. A grande cozinha é imensa e dali vai dar a todas as outras pequenas cozinhas. Ocupa todo um alicerce deste mosteiro. Não viste senão uma amostrazinha de nada. A entrada nem sequer é por aí, por onde te disse o frade – respondem elas.
Pergunto-lhe se sabem lá ir. Respondem-me que vão lá todas as vezes que querem. Conhecem o mosteiro, todo. E sabem todos os seus segredos. Prometem levar-me com eles. E contar-me tudo. Tudo.
Thanks Anton Sherwood, http://www.ogre.nu/ for your "conspicuous staircase" you let me put in my blog.
Gente, his site is full of treasures.

quarta-feira, 15 de novembro de 2006

The evil old man

15 PARA 16 de JANEIRO DE 1995
Estou numa casa de dois andares e preciso de ir ao primeiro andar. É uma casa alegre, banhada de luz amarelada. Subo as escadas, mas a cada passo sinto uma dificuldade crescente. Há no ar uma vibração de medo que cresce de intensidade, e se enrola nos meus braços, nas minhas pernas, vestindo-me com um peso de chumbo que me aperta o coração.
O ar está carregado de electricidade. Tento ignorar o medo, mas quando estou perto da porta do quarto que quero abrir, a violência da sensação paralisa-me. Olho para baixo e grito pela minha mãe, mas o som que me sai do peito é baixo, rouco, tão pouco parecido com o grito que quero soltar dentro de mim. A minha mãe, contudo, ouve-me. E responde-me, cá de baixo, que naquele local sente precisamente o que eu sinto, e que ali deve haver alguma assombração, pelo que não devo estranhar o que estou a sentir.
Assumo o meu terror, e volto para trás, rapidamente, ganhando forças à medida que fujo. Começo a descer as escadas, o coração a sossegar no peito.
De repente olho para trás, para cima, e vejo-o. É ser velho pequeno, imundo, quase inofensivo, repulsivo, e no entanto, aterrador. Está vestido com uma túnica amarela, comprida, até aos pés. Tem um arremedo de barba e bigode. É ele que tenta subtrair-se ao meu olhar, escondendo-se nas dobras dos degraus, sempre atrás de mim. Reage com uma expressão de raiva à nossa troca de olhares que o põe a descoberto. Arreganha os dentes.
Mas eu já não o deixo fugir. Ao meu lado, a minha mãe dá-me amuletos para me proteger dele. Subo as escadas armada da minha raiva e destes amuletos quase infantis. Vou subindo enquanto ele se encolhe e recua, arreganhando os dentes e rosnando, e eu olho-o, e odeio-o e persigo-o, e penso, num canto assustado de mim, e se ele não fugir mais à minha frente?
Mas a raiva é maior, e eu vou subindo as escadas até que percebo que para além deste velho que rosna e recua, há muitas outras figuras que o rodeiam, escondidas nas sombras, e que começam a criar forma, e corpo e rosto, e então... reconheço-as. Vejo os seus rostos. Querem abraçar-me, eu liberto-me. Já não têm força.
Sou eu quem tem força, agora.

terça-feira, 14 de novembro de 2006

Vamos todos embora

NOITE DE 27 PARA 28 DE NOVEMBRO DE 1994
Vamos todos embora para África por causa da guerra, só que algumas não querem, por causa dos namorados. Parece que uma delas é a Tita. E eu tenho de arranjar as coisas para partirmos. Eu estou contente e triste.
Depois vejo um prédio antigo. Engano-me no andar. Volto a descer. Não é ali a minha casa.

Carros estranhos no jardim

NOITE DE 26 PARA 27 DE NOVEMBRO DE 1994
Alguém estacionou carros no meu jardim. É o jardim da casa do Porto. Dirijo-me a um dos condutores que está precisamente a abrir o portão para sair e preparo-me para o descompor, quando a minha vizinha, encostada ao muro que separa as nossas casas, me diz que foi ela quem deu autorização porque acha que não há mal nenhum nisso.
Digo: “fez mal e não devia. Não pode dispor do meu jardim.” Ela desculpa-se, mas eu não aceito as desculpas. Insisto. “Não volta a dispor do meu jardim. Quem dispõe do meu jardim sou eu. E isto não vai voltar a acontecer, espero que entenda.”

domingo, 12 de novembro de 2006

Dois jardins. Um está em chamas.

NOITE DE 23 PARA 24 DE NOVEMBRO DE 1994
Dois jardins. Um coberto. Outro ao ar livre. Dentro de casa olho pela janela. Vejo o jardim ao ar livre e não gosto. É um jardim à francesa, muito devassado, muito geométrico, sem mistério. Estão pessoas comigo, mas elas estão de costas para a janela.
O círculo central que constituiu o núcleo da composição geométrica do jardim explode em chamas. Penso: "amanhã vem uma comissão avaliar este jardim, e é suposto recebermos um prémio. Mas o jardim está a arder." Digo em voz alta:
-- O jardim está em chamas.
As pessoas não se voltam. As chamas extinguem-se. Penso: "se calhar não são grandes os danos. "Depois, de novo, um círculo de chamas irrompe do núcleo vegetal. Penso: "devia ir ajudar a extinguir aquele fogo. Mas porquê? Não sou do serviço de bombeiros. " Aliás há dois carros de bombeiros parados junto da sebe de buxo. Aviso de novo as pessoas que estão comigo, mas penso que o faço sem grande convicção. Assim, e quando se voltam, mal percebem a chuva de fagulhas, uma nuvenzinha de cinza que se dilui na contra luz do princípio da noite. Portanto não me acreditam.
E depois estou no jardim coberto. Foi feito, também, muito recentemente. A relva ainda não está bem presa ao chão. E as flores têm sede. Tanta que descubro uma mangueira e começo a tentar perceber como vou regar aquele jardim, que precisa de muita água. Está muito no princípio, mas gosto dele.
Agora todos sabem do fogo. Mas não tenho pena, apesar do prémio. Penso: "este jardim, coberto, também estará incluído?" Mas este está ainda tão no princípio que ainda está tapado. Digo em voz alta:
-- Se trabalharmos muito podemos arranjar o outro para amanhã.
Mas ninguém parece interessado, e eu fico aliviada. Dizem-me que o fogo não foi culpa de ninguém, porque às vezes, as flores mais insignificantes e rasteiras entram em combustão espontânea, e pegam fogo a tudo, no seu incêndio brusco e inesperado. É raro, mas acontece.
Não houve bomba, nem fogo posto.
Foi obra natural.

sábado, 11 de novembro de 2006

Os dois bebés, eu, o homem e a porta entaipada

26 para 27 de Outubro de 1994
Sob uma ponte, uma estrada, um carro, algum lixo, eu e a Alexandra. O carro é um Wolkswagen. Saímos e junto de um dos pilares está um melão, ou melhor, o que se convenciona chamar um melão. Depois estão vários e não têm bom aspecto. A Alexandra diz-me para os apanhar, que estão óptimos. Não estou muito convencida, e tento rolá-lo com os pés. Ela insiste, diz que são óptimos. Eu agarro num melão pelos cabelos (?) e levo-o para o carro, mas não parece muito saboroso.
Depois estou a sair de um edifício histórico, tipo embaixada de França em Lisboa, só que muito maior, lá dentro é quase uma cidadezinha. Saio por uma porta lateral, uma porta reservada aos da casa, aos íntimos, de confiança. Mas quando estou fora lembro-me que me esqueci da carteira, e volto a entrar. É estranho porque para entrar eu não deveria usar aquela porta. Mas no entanto ela nem está fechada à chave. O porteiro vê-me passar, reconhece-me e eu sigo. Lá dentro há uma casa de cave, com umas escadas estreitas que começam ao nível da rua. Encontro uma mulher que me reconhece e que me diz que vai ligar ao senhor Augustin, porque eu sou a mulher-a-dias dele, e ela também, só que eu sou um posto acima dela. Digo-lhe que não é preciso. Mas a ligação foi feita. Do outro lado da linha há uma voz a desfalecer de cansaço. Explico que houve um mal entendido, não me ia embora e não tinha pedido que lhe ligassem. A mulher pede-me imensas desculpas. É a mulher do meu patrão.
Depois estou noutra casa e há lá dois bebés. Um é meu, outro é de um homem que é marido de uma mulher da minha família. Estamos os dois a cuidar deles, numa sala. Essa sala comunica com a cozinha, através de uns degraus, e a cozinha é a entrada da casa. No entanto, a porta de comunicação é estreita, e o homem ainda por cima, está a entaipá-la. Discuto com ele. Digo que mal passamos os dois por aquela frincha que ele deixou. Ele goza, diz que nós passamos muito bem por ali. Eu respondo: “mas se for a tua mãe ou a minha não passam mesmo. E se precisarmos de chamar um médico ele também não entra”. Faz-me aflição aquela entrada, que é só uma frincha. Ele afasta umas tábuas de madeira e deixa ver uns pilares de tijolo recente que ombreiam a entrada, mas que deixam mais espaço. Mesmo assim continuo sem entender a necessidade de tapar e estreitar a entrada.
Lá dentro o meu bebé tem fome. É um bebé de imenso alimento. E é delicioso. Preparo-lhe meio biberão, porque o resto queria dar-lhe de leite de lata. A primeira parte é de leite de vaca, completo e fresco. O bebé grita e chora, e agarra-se ao biberão com ambas as mãos e bebe-o de um golo. Isso deixa-me pouco tempo para arranjar a segunda parte da refeição. Mas agora ele já não chora tanto. Agarro-o e brinco com ele. E digo às pessoas que estão comigo: “agora tenho de começar a fazer sopinhas para ele se habituar aos legumes.” Isto dá-me um enorme prazer, embora esteja a visualizar o trabalho que representa.

sexta-feira, 10 de novembro de 2006

Aviões, helicópteros, perseguições e fugas


25 PARA 26 DE OUTUBRO DE 1994
Chegamos a uma casa. É uma casa de passagem. Num dos quartos há muita comida, e eu fui convidada para jantar. Vou com uma pessoa, um homem, que me chama da porta do quarto, mas eu digo-lhe que tenho que acabar de me arranjar. O homem insiste, e diz que estou atrasada, mas eu não me consigo despachar. Está naquela sala a Manuela Teresa, e ela tem óptimo aspecto. Até está bonita. Nem me lembro que ela morreu há uns anos. Depois preciso de telefonar a uma mulher-a-dias que não apareceu. E a seguir saio porque tenho de apanhar um avião. É um helicóptero. O meu amigo já está no ar e eu ponho-me ao nível da cara dele, para falarmos, embora não tenha saído do chão, como se fosse um truque de cinema. Penso que se estivesse ao pé dele, a voar noutro helicóptero, as nossas asas cortar-se-iam e as máquinas entravam em colisão.
Cá em baixo pego num triciclo e vou tentar voar. Mas para tomar balanço preciso de descer uma rampa e isso parece-me anormal. A rampa é pequena, mas a ideia de ir por ali abaixo a descer para depois subir não me parece fazer sentido. O ideal seria uma estrada em linha recta. Perto há instalações militares e políticas. Continuamos com o problema da criada, que ainda por cima não telefona. Depois acaba por telefonar.
E depois volto a viver o acidente de automóvel do outro sonho, só que agora não estou com a Alexandra estou com um amigo, e somos perseguidos. Corremos ao longo de uma estrada estreita e sinuosa, e o meu amigo vocifera e diz que os vai despistar. Ele está incomodado porque uma estrada daquelas não dá para despistar ninguém, e não é aconselhável fazer grandes velocidades, porque é perigosíssimo. E é o que acontece. Numa curva, o carro entra a direito e eu penso: “fosse um filme atravessávamos o abismo e apanhávamos a estrada do outro lado”. Só que não é um filme é o meu sonho, mas eu não sei que estou a sonhar. Depois penso: “se fosse um filme, eu saltava antes”, só que não é um filme, é o meu sonho, e não houve paragens antes para eu poder saltar. Penso: “vou-me esconder, e o carro que salte com o condutor e que se lixe”.
E agora estou escondida atrás de uma ponte baixa e os perseguidores vão até ali, e dizem que o carro se espatifou, e os ocupantes morreram, mas há um que tem dúvidas e quer procurar se não terá sobrevivido alguém, e fareja como se me pressentisse, só que os outros acham que é um disparate e eu sei que acabei de escapar à risca.
imagem:http://www.lindau-portal.de/bz_kw10-04/bhf.jpg

quinta-feira, 9 de novembro de 2006

A prisão de estudantes


NOITE DE 24 PARA 25 DE OUTUBRO DE 1994
Estou a apanhar roupa num varão. Tomo-a nos braços e nos ombros. É muita para levar de uma só vez. Depois vou fazer doce de morango. Comi tantos morangos que já não vou fazer muito doce. Depois estou no alto de um edifício antigo, num quarto mesmo no último andar. Chego à janela e há estudantes a passear na rua, e aqui é a prisão, e é uma prisão de estudantes. Da janela olho para a rua e sinto vertigens. Há uma górgona de pedra por baixo da janela. Parece-me a cabeça de um pássaro. Agarro-a e ela solta-se. Penso se a deixasse cair ela mataria alguém mas isso de nada me serviria. Ao arrancá-la ela esboroa a parede onde se encontra incrustada, e essa parede é a janela do meu quarto, e sinto tonturas ao olhar para o chão, cá tão em baixo. Penso que se a janela se fendesse eu cairia, pois estava encostada a ela. E penso que o edifício é muito antigo, mas dentro do quarto, ao fundo, onde está a minha cama e onde me encontro e encosto agora, isso não se sente, e não acontece, porque ali há solidez.

quarta-feira, 8 de novembro de 2006

A vida amena em Gibraltar


NOITE DE 21 PARA 22 DE OUTUBRO DE 1994
Começa por ser um cão escondido cá em casa. Ouço-o ladrar. Pergunto ao Drew o que se passa. Ele tem 15 anos, e diz “não há cães cá em casa”. Está na sala com amigos. Mas à entrada da sala há barreiras de almofadas e caixas. O cão acaba por aparecer, a muito insistência minha. É pequeno, vivo, e faz chichi por todo o lado. Incomoda-me.
Depois o cão é uma criança, um bebé mulato. Boceja, abre a boca e tem um palato imenso, comprido como uma galeria. De boca fechada não se nota. Penso: “esta criança vai ter problemas de dentição e respiração com um palato assim”. Pergunto ao Drew como arranjou a criança e ele diz que a comprou. Ele diz que teve pena do bebé que a família estava a vender. Eu estou desnorteada, eu não quero ter mais bebés, os meus filhos mais novos são muito pequenos. O Drew diz:”eu trato do bebé e cuido de tudo.” Mas agora o bebé já tem três anos, é muito irrequieto, mexe em tudo, anda de um lado para o outro. Estou incomodadíssima. Digo: “não quero”. Pergunto-lhe se já imaginou os fins-de-semana, fechado em casa, a tomar conta desta criança. Ele responde que a Agnes não se importa, até gosta e vão os dois passear com o miúdo. Então a Agnes, que acaba de chegar, entra na cozinha, mas não me fala. Depois o Drew diz que vai devolver o bebé porque de facto não tem vida para continuar com ele.
Depois estamos num monte que me faz lembrar Gibraltar. É um local onde a situação é permanentemente de alerta militar, mas a vida corre amena.

domingo, 5 de novembro de 2006

O Programa de TV

NOITE DE 13 PARA 14 DE OUTUBRO DE 1994
Vi, no Porto, o anúncio de um programa de TV. E, de repente, o próprio programa no ar. Era com bonecos, marionetas, e pareciam tão perfeitas que cuidei que eram pessoas mascaradas de bonecos. Depois lembrei-me: era o programa meu e da Xana, um projecto nosso. Segui pela Ribeira e cheguei aos estúdios da rádio que eram também de TV. Os escritórios eram em plena rua. Vejo a Alex, e estou zangada com ela porque não me avisou de nada. Eu não sabia que o programa já estava no ar. Ela diz que não sabia que isso ia acontecer. Ela diz que me vai apresentar ao chefe da estação. Subimos as escadas para o conhecer. Depois encontro a Cristina. Estamos na produtora e ela tem um bebé ao colo. É a filha dela. Pego-lhe. É deliciosa. Há outra pessoa na sala. A sala tem paredes muito antigas e amareladas e não fica num primeiro andar. Fica num rés-do-chão e uma das salas ainda está abaixo do nível do solo.

quinta-feira, 2 de novembro de 2006

A égua protectora e os cães guardadores de rebanhos


NOITE DE 12 PARA 13 DE OUTUBRO DE 1994
A primeira imagem é a de uma égua sob a qual se esconde um homem. A égua é tão inteligente que percebe que o homem tem de se aninhar sob ela para se proteger, e ela tem de o tapar por completo sem o esmagar. Quase mete medo de ver, mas é bonito. Depois o homem explicar-lhe que tem de me esconder a mim, da mesma maneira. Porque de vez em quando passam pessoas que não devem descobrir-nos naquele local.
Também me recordo de dois ou três cães. Vejo-os da janela do meu carro ou do comboio. Têm pelo comprido. A princípio, parecem-me aqueles cães patetas que algumas pessoas levam ao cabeleireiro para lhes fazer caracóis e por lacinhos nas franjas. Mas aqui, estamos no campo e o pêlo cresce-lhes em liberdade, cobre-lhes a testa. Estes cães são lindos. Percebo que são muito inteligentes, e que o problema da imagem deles é criado pelos artifícios a que os submetem da civilização. Estes cães são guardadores de rebanhos. Correm atrás do gado, vigiando-o. Depois vejo-os falar entre si. Comentam a história de haver pessoas que acham que eles vêm mal por terem pêlo nos olhos. E por haver quem lhes corte a franja por causa disso, o que é horrível porque assim é que eles passam a ver mal.
Depois há um rapaz, está à espera do comboio numa pista de corrida. Agacha-se na pista e aguarda. Nada. Avança para outras pistas. Nada. Ali nem sequer há carris. Então há um campo. A linha do comboio está mesmo ao lado. E este rapaz está a correr ou a brincar e é horrível, porque o comboio vai aproximar-se e ele não o vê, porque está de costas. O comboio apita e ele volta-se a tempo de o ver passar. O pior é que há dois carris de comboio, um muito estreito e ligeiramente desnivelado em relação ao outro. Ele está do lado desse, e aparentemente esse é o seu único erro. Ouve-se dizer”quem imaginaria que aqui, logo neste local, haveria um desnivelamento de carris!”. Ele não pode atravessar a linha, nem subir. Dentro do comboio as pessoas lamentam o sucedido como se fosse uma grande lástima.
Depois ele conseguiu escapar de forma extraordinária, porque está no tejadilho do comboio, a saltar de carruagem em carruagem. O comboio atravessa os campos.
Depois estou numa casa. Há mudanças, obras. A casa é velha. Encontro um miúdo muito novo e abraço-o. É um amigo, filho de uma amiga. Peço-lhe que cresça depressa, muito depressa, para me proteger. Ele sorri, tem um sorriso lindo, muito puro, e retribui o meu abraço. Pergunto-lhe a idade e fico espantada por ele já ter 20 anos, porque achava que ele era muito mais novo. E, no sonho, eu tenho mais ou menos a mesma idade do que ele. Este rapaz parece mais novo do que o seu outro irmão mais novo.
A sala onde estamos é escura e tem um piano. A mãe dele veste de negro como as senhoras nos retratos do século passado. E depois estamos todos à mesa, e vemos passar um homem das obras.
De uma janela vejo, metros abaixo, outra sala. Tem uma mesa de xarão com candelabros antigos. E uma quantidade de objectos de decoração. Acho tudo horrível, apesar de ser tudo muito valioso. As pessoas comentam o valor daquelas coisas, mas eu não aceitaria nada daquilo, mesmo que me dessem. Eu e o rapaz trocamos um olhar de cumplicidade e encolhemos os ombros. Em silêncio dizemos ambos “que seca!”. E sorrimos.

quarta-feira, 1 de novembro de 2006

O homem que oferecia cristais


NOITE DE 4 PARA 5 DE OUTUBRO DE 1994
Ando às voltas pelo Porto, na zona da Avenida da Boavista, próxima do mar. Há estradas largas e estreitas. Velhas e novas. Passo pela avenida, vou a guiar uma mota ou uma bicicleta. A estrada é irregular. Tenho de fazer um grande esforço para não cair. No meio da estrada há imensos cristais, como se estivessem abandonados. São lindíssimos. Vejo um, e imediatamente me identifico com ele, porque é igual ao que tenho em minha casa. É o cristal da família e da condensação de energia. Só que este é muito maior e muito mais belo.
Pego no cristal, que está na estrada, e vejo um homem, junto do muro de uma moradia. O homem é o dono dos cristais. Espalhou-os ali, e fica à espera que alguém os leve. O homem não está a vendê-los: está a colocá-los na estrada para que quem quiser os apanhe. Agarro o meu, com força. Tenho vontade de pegar mais, mas acho que não é justo. Resolvo ir embora rapidamente para avisar todas as pessoas de quem gosto para irem ali, rapidamente, escolher o seu cristal.
O homem tem bom aspecto. É um senhor simpático, de meia-idade. Tem ar de pai.

segunda-feira, 30 de outubro de 2006

Mensagem para um jornal chinês



NOITE DE 27 PARA 28 DE SETEMBRO DE 1994
Estou numa casa escura, é a casa do Paulo A. e sou sua convidada. À noite, no meu quarto, ele vem visitar-me. A casa inteira dorme. Fazemos amor em silêncio. A porta do meu quarto está entreaberta. Não tenho chave, nem forma de a fechar melhor.
Mais tarde começa a fazer planos para o futuro e eu assusto-me.
Depois, somos um grupo grande a passear pelas ruas de uma cidade, como se estivéssemos em trabalho e em turismo. Depois é preciso mandar uma mensagem para um jornal chinês, e uma das pessoas que está connosco vai emitir as notícias. Faz-me muita impressão, porque o chinês tem milhares de caracteres, e ela consegue numa maquinazinha rudimentar, ocidental, enviar as notícias. Pergunto-lhe como faz para desenhar os caracteres, e ela explica que envia as palavras num sistema de ponto-traço-ponto, como no código Morse. Na obsoleta máquina eu vejo as teclas que permitem essa comunicação.
Depois tenho que subir aos andares superiores de um edifício, mas o elevador está avariado e só num contentor é possível. Há um homem a arranjar aquela caixa de metal, na casa das máquinas e eu decido que não quero subir. Digo: “assim não entro. É pouco cómodo e perigoso. Não sei como é que funciona. E aí só cabem crianças.” Além disso penso que o meu vestido vai ficar todo amarrotado se subir naquela engenhoca de serviço. O homem insiste comigo que não há problema. Mas eu não entro.
Há uma criança ao meu lado. Estou a comentar com pessoas crescidas que as crianças, mesmo distraídas, apanham tudo. Dou um exemplo. E a menina, que está a brincar, pára e pergunta o significado de uma das palavras.

.

O homem tira-me da casa velha pela janela


NOITE DE 7 PARA 8 DE SETEMBRO DE 1994
Uma montanha. Andamos por montes e valados. Penso que estamos a fugir. Mas pelo menos eu recordo-me de o fazer com alguma alegria. Passamos, numa das encostas do monte, por um grupo de pastores. É uma dúzia de corpos tombados pelo chão, sobre as urzes, como se dormissem, enrolados nas suas capas escuras. Então lembramo-nos de ter ouvido falar daquele grupo desaparecido que também procurava fugir para o alto das montanhas, mas que, por algum motivo que permanece oculto, não conseguiram.
Nós conseguimos. De alguma maneira chegamos ao alto. Estamos noutro ponto de uma casa. Uma casa muito velha. Há árvores e plantas a toda a volta. Vou direita à janela. Lá fora está um homem a trabalhar no jardim. Na sala estão várias pessoas. Aproximo-me da janela e o homem, do lado de fora, agarra-me pelos ombros e beija-me, intensamente.
Depois arranca-me para fora de casa, pela janela. Sinto-me muito bem, mas um pouco perturbada pelas pessoas que estão na sala. Depois percebo que nem ligam.
De fora, olho a janela. É tão velha que a madeira está carcomida pelo bicho. Há montinhos de pó em baixo da vidraça e nas juntas das janelas. Está tudo um pouco a esboroar-se.

sábado, 28 de outubro de 2006

Nova Iorque, Nova Iorque


31 DE AGOSTO PARA 1 DE SETEMBRO DE 1994
Nova Iorque. Ruas escuras. Estou a atravessá-las. Fico num passeio entre as sombras dos automóveis estacionados. Vejo um homem ou vários e tenho medo. Volto para o meio da rua. Passam transportes. Passam táxis. Tento convencer um, que já leva um passageiro, a transportar-me. Mas o passageiro, um homem, diz que vai para outra direcção e não lhe dá jeito levar-me.
Não quero ficar ali, numa rua escura com desconhecidos a rondar pelas sombras. Apanho o táxi, à mesma, e digo que saio na próxima curva, lá à frente, onde a rua é iluminada. É já na 5ª avenida, e ali posso apanhar outro transporte.
Depois estou num hotel com muitos andares. O meu quarto é óptimo. Uma suite grande, bem arrumada. Mas alguém pôs uma bomba naquele andar. Saio pelas escadas, vou acompanhada. Desço até ao 4º andar, sempre a correr pelas escadas internas. Passo por empregados que não tentam deter-me. Mas no 4º andar a porta da escada de serviço está bloqueada. Trancada. Penso: em última análise vamos de elevador.
Mas o elevador nunca mais chega, e quando a bomba explodir é perigoso estar lá dentro.
Sinto que os empregados sabem o que se passa e têm ordens para não nos deixar escapar. Há uma sala bonita, grande, com mesas postas para um banquete. Uma orquestra toca suavemente. E eu penso, Meus Deus se soubessem.
Sem saber como, dou comigo na rua, mais ou menos a salvo. Preciso de me afastar do Hotel, nessa rua de Nova Iorque, para que a bomba, que vai explodir, não me cause dano.
http://www.oldengine.org/members/dolly/portland03/newyork/empire2.jpg

A mulher mata os coelhos


Mesma noite (22 PARA 23 DE AGOSTO DE 1994) outro sonho
Vamos todos embora. Alguém falou em partir. O pátio é grande e andam animais domésticos à solta. Coelhos e galinhas. As galinhas ainda são pintainhos.
Uma mulher diz que é preciso matar a criação antes de partirmos. Digo: " prefiro nunca mais comer carne a ter que matar um animal. " A mulher afasta-se para uma arrecadação que dá para o pátio. Os coelhos estão à volta dela, a comer erva.
Eu não vejo. Há um pequeno muro que esconde a mesa de pedra onde ela começa o seu ritual. Vejo-a de perfil, metade dela. Metade da cabeça, o ventre, as mãos, estão ocultas pela parede da arrecadação. O braço ergue-se, e sinto no meu corpo o desfecho do seu gesto. Uma impressão tremenda no corpo e no peito. Os coelhos, todos ao mesmo tempo, saltam de orelhas muito espetadas, quando ela mata o primeiro. É uma reacção em cadeia. Depois recomeçam, tranquilamente, a comer. Ela continua a sua tarefa, e eu não quero ver. Mas vou olhando, adivinhando. Num dos coelhos ela falha o golpe. Tem que insistir. Os outros já nem ligam.

sexta-feira, 20 de outubro de 2006

Uma roda de luz e fogo

22 PARA 23 DE AGOSTO DE 1994
Perto do mar, um mar tranquilo do meio da tarde. A areia é macia sob os nossos pés.
Passa por mim um homem. Sei que é um homem mas parece uma roda de luz e de fogo. Dizem-me que se trata de um yoggi, e que é daquela maneira que atravessa Oceanos. Todo ele, tronco, membros, gira numa roda perfeita e luminosa, a grande velocidade. Entra no mar e desaparece no horizonte.
Depois está ao pé de mim e diz que qualquer ser humano, qualquer pessoa, pode fazer aquilo. Não quero acreditar. Digo: eu não tenho maleabilidade para tanto. Ele diz que não é difícil. Estou sentada a ler um jornal. Levanto-me, recuo na areia seca uns passos. Depois lanço-me numa corrida e o meu corpo transforma-se numa roda que gira, gira, e entro no mar assim, e penso espantada, que é mais fácil do que nadar, porque, girando, o corpo aflora a água quase sem atrito nem resistência.
Volto para traz, feliz com o que aprendi, à espera de saber para onde vou, naquela maneira nova.

quinta-feira, 19 de outubro de 2006

Saved by the scooter and by a Friend

13 PARA 14 DE AGOSTO DE 1994 (versão portuguesa abaixo)
I’m walking by this road late afternoon. I’m going to pick up my car. I’m with this man. There are gypsies around. They live in the top of the hill, and some of them are going back home. The man thinks they can’t listen to him, and begin to insult them. He got crazy about the idea they were so close to the car, and I can’t help thinking that’s silly of him. The gypsies heard him and they fling stones at us. It’s none of my business, but I can’t help fearing all those stones falling around us. And there are more and more gypsies coming down the hill to attack us. Some of them know very well I’ve nothing to do with the situation, but in a while it won’t make any difference, because they are so many. So I start running to the car, and yelling to the man to came along, but I realise we won’t make it right on time. Then another man shows up. He is a Friend. He’s running with me, as well. He smiles. Then I saw this scooter passing by, with no one driving it. The man who is a Friend stops it with his own body. Than I jump and start driving the scooter in the middle of the intense traffic, and the man who is a Friend goes on running by my side, helping me, comforting me, giving me self confidence. I tell him: “you must be exhausted”. I can’t give him a ride, I don’t know why. He says it doesn’t matter, because he’s happy helping me. And now I’m out of town. Everything else stays behind. I must go to this old house. To get there I must go trough a floor that moves as if it was boat made. It’s small, but comfortable. I’m with friends, I guess. I go to the toilet. Cristina stays out.

Ciganos, uma scooter, um Amigo.
Vou a subir uma rua parecida à Infante Santo, ao fim da tarde. Estou acompanhada e vou buscar o carro para sairmos. Há ciganos na rua. O último par de ciganos está a subir uma ladeira e prepara-se também para ir para casa, que é uma das muitas barracas no alto do monte. O homem que vai comigo, julgando-os mais acima do que eles estão, portanto fora do alcance do som da sua voz, grita-lhes impropérios que eles ouvem. Como se o facto de eles terem estado a vender ao pé do seu carro o incomodasse, mais do que seria normal.
Os ciganos ouvem-no e do alto do monte começam a atirar-nos pedras. Eu não tenho nada a ver com o assunto, mas as pedras começam a chover à minha volta. Cada vez se vêm mais ciganos. É um grupo ameaçador que cresce e se prepara para descer o morro para nos vir atacar.
Percebo que, no grupo dos ciganos, ainda há alguns que sabem que eu não tenho nada a ver com o assunto e não sou culpada de nada, mas em breve isso deixará de ter qualquer importância. No meio das pedras que chovem, grito para corrermos para o carro, mas percebo que não vamos ter tempo. O meu companheiro pede-me para me abrigar sob o viaduto. Agora aparece outro homem. É um Amigo. Corro pela estrada e de repente há uma motoreta que passa por nós, sem dono, a correr sozinha por entre o trânsito. É uma scooter. O homem Amigo consegue travá-la, colocando-se à sua frente. Entretanto eu salto para cima e aproveito o seu balanço para começar a guiá-la. Fugindo por entre o trânsito vejo que o homem continua a correr ao meu lado para me ajudar, incutindo-me confiança. O trânsito é intenso. O homem, ao meu lado, dá-me confiança. Não lhe posso dar boleia, não sei porquê. Digo-lhe que se cansa terrivelmente assim a correr ao meu lado. Ele responde que não faz mal. Que lhe agrada ajudar-me. Continuo a guiar e percebo que estou a ter uma aula de condução no terreno! Uma aula e o lançamento, tudo ao mesmo tempo.
Depois estou sozinha, na periferia da cidade. Preciso de entrar numa casa antiga, na qual entro através de barcos. O chão oscila debaixo dos nossos pés. Tudo o resto ficou para trás. Lá dentro os aposentos são pequenos, mas sinto-me bem. Estou com amigos, acho. Sinto. São pessoas da produtora. Vou à casa de banho e a Cristina fica à porta.

terça-feira, 17 de outubro de 2006

A broken fountain-pen and two lovely pipes


28 PARA 29 DE MAIO DE 1994
(in english above Portuguese version )
Um rio. As águas estão baixas. Atravesso-o a pé, de gatas, as mãos no chão cheio de lama. Apanho um objecto. É uma caneta partida. Suja-me as mãos. Deito-a fora e continuo a andar. Sinto outro objecto e agarro-o. É um embrulho estranho. Dentro há um porta-cachimbos com dois cachimbos pequeninos, lindíssimos, de boquilha longa e elegantemente curva. Há também uma caixa, julgo que tem erva. E tem uma carteira e está tudo incrivelmente seco e preservado, apesar de estar ali há tanto tempo.
Abro a carteira e não consigo acreditar no que vejo. É do Sam, tem fotografias nossas – do tempo em que estávamos casados, – incrivelmente bem conservadas. Não consigo entender porque é que tudo aquilo me vem parar às mãos. Ele guardara aquelas memórias durante quanto tempo? Tinha-as perdido ali, no meio do rio? E então, mais tarde, encontro-o numa casa, cruzo-me com ele, digo-lhe já nem me lembro o quê e vou-me embora. E penso, ficou alguma coisa por dizer, por fazer.
Mesma noite
E depois há uma viagem por uma vila de ruas apertadas e sinuosas. Tenho de ir a um Banco. E quando chego há uma fila de gente à minha frente, diante de um guichet, e o homem do guichet diz que tem uma chamada para mim, e eu sinto-me tão importante. A chamada é de outra dependência do Banco, para dizer que o meu cheque, muito antigo, que passei não sei a quem, não tem cobertura. Sinto-me tão vulnerável, porque nem me lembro do cheque, e o homem por telefone não me diz mais nada. Mas confirmo: não me vão tirar os cartões, nem o crédito, nem a garantia.
Mas sinto que alguma coisa, no entanto, me foi tirada.
E depois há uma casa grande. Aonde me escondo? Onde me acolho? Nessa casa há várias salas que comunicam umas com as outras. Há um quarto. Nesse quarto há um armário onde me posso fechar.

A broken fountain-pen and two lovely pipes
The river is almost dry. I crawl on all fours, my hands on the mud. I got this broken fountain-pen from it. My hands got dirty. I threw it away and now I’m walking on the river. Then I found a strange packet. I open it and there are those little, astonishing beautiful pipes. There is also a small box. It has marijuana inside, I suppose. And there is a wallet, as well. Everything is unbelievably dry, and preserved, although those things are there since olden times. I open the wallet and as I realise it’s Sam’s, I can’t believe in what I’m seeing for it has photos from when we were married. I wonder how this came to my hands. I wonder why he kept all those memories, and how he has lost it in this river. Latter on I found him, in a house, and we talk a while. Anyway I feel like there are untold words, undone things.
Same night
I’m walking around in this small town with its sinuously and narrow paths. I must got to the Bank, but when I got there, there is this queue and I must wait. The man in the counter calls me. Someone has phoned me to the bank. I fell very important until I realize that the phone call is from another bank department to tell me that this check I don’t even remember to whom or when I gave it, is not available. It has not funds. I feel deeply vulnerable, because I don’t’ remember nothing concerning that check, but the man on the phone has no further more to tell me. Anyway: they are not taking my check book, neither my credit cards nor my guarantees. But I feel like something I don’t even know what it is has been taken away from me.
Then I’m in this house. Am I being hidden? Am I being refugee? In this house there are many rooms. They communicate. In one of those rooms there is a closet, where I can stay out of sight if I feel like it

sábado, 14 de outubro de 2006

"La brésilienne a téléphoné une fois plus"

NOITE DE 3 PARA 4 DE AGOSTO DE 1994
(aussi en français ci-dessous)
A Elisabeth está a sair de um espectáculo que eu também fui ver. De um lado temos o passeio, cheio de gente, do outro a praia e o mar de fim de tarde, levemente enevoado. Estou com a Inês e com a minha mãe que diz que lhe falta metade do Expresso, porque o Joshua foi trocá-lo. Como já leu tudo, resolveu trocar o jornal velho por um novo, sem gastar dinheiro. Eu digo: “é mesmo dele!” Mas estou à espera que ele chegue, e, sobretudo, quero que a Elisabeth nos veja juntos. Ele está atrasado. Finalmente aparece, tão simpático. Peço-lhe o jornal, mas não lhe digo nada da troca. Estou tão contente por ele estar ali.
E depois estou a falar com a Inês. Digo: “é tão estranho, estou sempre a sonhar com o Joshua. No entanto quando o tenho, não o quero tanto. Só o quero um bocadinho. Consegues perceber?” E ela responde: “toda a gente é assim. Eu e o Xico também fazíamos pouca coisa em comum.” Depois acrescentou: “não é bem assim, lembras-te? Almoçávamos juntos, jantávamos juntos. E tu estavas muitas vezes connosco.”
Depois tenho que levar um recado a alguém. Estou sozinha numa rua movimentada e em obras. Obras por todo o lado. Estou sozinha, falta-me um dos meus filhos. Tenho uma saia justa, preta. Caminho depressa, mas é um andar que me cansa terrivelmente e, por isso, ando pouco. Atravesso a rua e passo para um passeio de terra batida. Oiço, atrás de mim, um homem muito ordinário, embora com bom aspecto. Depois chego a uma entrada tapada por tapumes de madeira. Antes podia-se entrar por um dos lados, agora já não. Tento outra forma, mas não é possível. A espécie de ponte de madeira que dava acesso ao edifício, ergueu-se e transformou-se numa rudimentar ponte levadiça, onde o homem, que afinal vinha comigo, estrebucha e grita “por favor tirem-me daqui”. Não está magoado, está pendurado numa posição pouco confortável.
Entro pela entrada antiga e peço que o ajudem a sair daquela posição. Não estou muito preocupada com ele. Depois oiço a campainha do telefone a tocar. A tocar. Não consigo chegar a tempo de atender. Alguém atendeu por mim e diz: "a brasileira voltou a ligar." Recordo-me subitamente de ter recebido vários recados de uma mulher que não se identifica, ao longo de vários sonhos. Dessa vez, parece, é a última. Pergunto:"desta vez, ao menos, deixou o nome?". Deixou: Roberta G. A.
E eu fico a sonhar que conto este sonho a mim própria muitas vezes. Estou a sonhar com sonhos, não como se os sonhasse, mas como se os recordasse.

La brésilienne a téléphoné une fois plus.
J’attends Joshua. Il est encore dans la sale de Théâtre. Elisa est aussi avec moi. Ma mère est là. Elle parle de l’hebdomadaire que Joshua a changé contre un autre, parce qu’il l’avais déjà lu. «C’es tout a fait à lui !» – je commente. On se promène sur un trottoir au bord de la Mer. Mais quand il arrive, avec son beau sourire, je suis tellement contente de le revoir que je ne dis rien d’autre. Je veux qu’Elisa nos voit ensemble. On se promène, alors. Et maintenant je suis avec Agnès. Je lui dis: «C’est tellement étrange. Je rêve tout le temps avec Joshua. Il me manque tellement. Mais quand je l’ai, je n’en lui veux plu. Seulement un petit peu.» Et elle me répond: «Tout le monde est comme ça. Moi et Xico, tu te rends conte?»
Apre ça je marche dans une rue étrange. Quelqu’un est attrapé et crie : «Aidez-moi! Sort moi d’ici ! » C’est un homme. Il est mal à l’aise, il est acroché. C’est pas grave, mais c’est pas agréable pour lui. Je demande qu’on l’aide. Après j’écoute le téléphone. Je n’arrive pas a propos. Quelqu’un a déjà répondu. Alors je me rend conte de ça: c’est pas la première fois que ça m’arrive dans mes rêves. Il y a une femme qui me téléphone depuis assez longtemps sans que j’arrive à parler avec elle. Je demande : «A-t-elle donné son nom, son numéro de téléphone, quelque chose ?» On m’a dit : «Oui. Elle est brésilienne. Elle s’appelle Roberta. Elle s’appelle Roberta Goutte d’Eau.»
Alors je me raconte ce rêve plusieurs fois. Et je rêve d’autres rêves, non pas en les rêvant mais comme si je les rends présentes
.


imagem: http://www.dreamstime.com/thumb_20/112585267653G7D0.jpg

quinta-feira, 12 de outubro de 2006

Um avião na selva e uma pensão em Argel

NOITE DE 12 PARA 13 DE AGOSTO dfe 1994

O avião tem poucas pessoas. Acho que eram eu, a Paulinha da produtora e o Peter ou o Jó. É um avião pequeno, mas confortável. Aterramos numa estrada na selva. Eles saem e deixam-me sozinha lá dentro. Dizem que é muito perigoso ir com eles, porque há muitos guerrilheiros a patrulhar o local, e além disso há muitas minas. Agacho-me perto de um dos bancos mas estou com medo de estar sozinha. Penso: “e se eles não voltarem?” Já lhes tinha perguntado antes quem ia pilotar o avião de regresso e tinha-me oferecido para o fazer, se me explicassem como.
Então saio. Vejo passar um grupo de negros, armados, cantando canções guerreiras. Resolvo ir até à cidade mais próxima. Sinto que não posso continuar dentro do avião, sozinha. Na cidade dou por mim num parque grande. Faz-me lembrar o jardim em Portimão, frente ao mar. Caminho um pouco ao acaso e percebo que estou em Argel.
Argel é uma cidade perigosa, sobretudo para as mulheres, e mais ainda se são brancas. Eu lembro-me disso tudo enquanto vou andando. Depois percebo que entrei num muceque. Aí apanho um susto. Ao fim da rua estreita e lamacenta, rodeada de casas de madeira, baixas e muito pobres, vejo um leopardo e um chacal. O leopardo está a rosnar desconsoladamente. O chacal está mais a atrás. Não o vejo com nitidez.
Uma mulher, que aparece ao meu lado, explica-me que o leopardo em liberdade, ali, na cidade, pertencia certeza a alguém que se foi embora, por causa da guerra. Portanto, aquela fera desolada é um animal de estimação deixado para traz.
Resolvo retroceder. Domesticado ou não, é um leopardo com fome. A mulher, estranhamente, retrocede comigo. Quando volto a cabeça, para olhar os dois animais, verifico que o leopardo tem metade da boca descarnada, com os dentes à mostra, como se os beiços tivessem sido consumidos pela fome. É horrível. Ambos os animais chafurdam em latas de lixo viradas.
Continuo a andar. Agora está comigo uma rapariga com quem tento falar em várias línguas. Entramos numa modesta pensão, numa zona melhor do que aquela que atravessamos, mas ainda assim na vizinhança do muceque. Lá dentro está a mãe da rapariga e ambas trocam entre si umas frases em português. Sinto um grande alívio. Explico quem sou, e o que estou a fazer. A mulher escreve o número de telefone da pensão numa folha de papel, entrega-mo, e diz: “se não encontrares os teus companheiros de viagem podes contar comigo ficar aqui”. A mulher diz que está há imenso tempo a viver na Argélia, que já se habituou, mas mesmo assim é um local perigoso. Depois estende-me uma nota de 50 dinares e diz “Isto é para o que for preciso.” Eu não quero aceitar, porque, e naquele momento, não tenho maneira de lhe pagar. Mas ela insiste, diz que eu posso vir a precisar daquele dinheiro. Diz também que não me preocupe com o pagamento. “Isso vê-se depois.”
Sinto-me muito contente. Saí do avião, escapei aos guerrilheiros, orientei-me na cidade perigosa e desconhecida, escapei às feras, consegui encontrar e fazer amigos. E tenho um número de telefone de alguém a que posso recorrer, e dinheiro para uma emergência.
Então, e sempre a andar, encontro de novo a minha equipa, no jardim junto do mar, e conto-lhes a minha aventura. Estou tão contente. Penso que depois partimos.
Lembro-me de ver barcos de pesca e veleiros no cais. Joshua?

MESMA NOITE
Depois estou a passear com amigos, junto da linha de Cascais. Ao atravessar para o lado de lá da linha de comboio vejo dois gatos. Um, esperto, salta e consegue entrar na casa para onde vamos. O outro, mais pequeno, mia e torce-se amedrontado. Está do lado de fora do muro. Debruço-me e consigo apanhá-lo. Pego-lhe ao colo. Está muito assustado e não consigo acalmá-lo. Solto-o. Ele corre para dentro de um prédio. Há umas escadas fragilíssimas. Ao cimo das escadas o chão é de ripas de madeira, mal seguras e muito separadas. É assustador. O gato cai, nem parece um gato. Volto a agarrá-lo, e seguro-o contra mim, com força. Tento acalmá-lo. Protegê-lo. É como se agarrasse um filho. Depois sinto também que é como se segurasse um amante.
imagem: http://geeks.beyondunreal.com/images/ut2004-mappacks/1on1pack/DM-1on1-Argel_01.jpg

quarta-feira, 11 de outubro de 2006

Olá e Adeus Joshua

10 PARA 11 DE AGOSTO DE 1994
Uma casa, a minha. Estou a tentar deitar os meus filhos. Entretanto aparece o Joshua. Sinto uma alegria imensa ao vê-lo. Ele está muito feliz por estar comigo. Penso como conseguirei uns momentos a sós com ele. Talvez depois de deitar as crianças.
Insisto em deitá-los, mas eles trocam-me as voltas. Há sempre um que sai da cama e avança pelo corredor exactamente no momento em que nos vamos abraçar.
Então o quarto enche-se de gente, gente e mais gente. Vieram todos fazer-me uma visita, mas não encontro ali nenhum amigo verdadeiro. Estou irritada. À frente do grupo está a Antónia, que é fótografa. Ela é conhecida pelo seu mau carácter. O Joshua não me ajuda. Mando calar toda a gente. Dou dois berros formidáveis e todos se calam. Mando-os embora, a todos. Fica só o Joshua e a Antónia. Ela não quer deixar-nos sozinhos. Eu irrito-me com ela. Então o Joshua despede-se. Eu quero saber quando o volto a ver, e digo-lhe: "não percebes que ela fez tudo para ficar contigo?"
E ele não diz nada. Só diz "até à próxima."

Casamento por procuração

9 PARA 10 DE AGOSTO DE 1994
Um casamento por procuração. O meu. Não conheço o noivo. Não sei quem ele é. A cerimónia é mais ou menos fictícia. Não sei bem qual a intenção. No entanto casamo-nos. Na altura de trocarmos as alianças e um beijo, passa entre nós uma emoção sincera, sentida. Intensa. Agora o casamento já não é por procuração.

domingo, 8 de outubro de 2006

O gato no cemitério e a actriz brasileira a ver Gil Vicente


NOITE DE 25 PARA 26 DE MAIO DE 94
Um comboio. Um caminho sinuoso entre montanhas. Não me lembro qual o meu lugar. Penso que acordei e contei a mim própria um longo sonho cheio de lágrimas.
Penso no Joshua. É tudo tão vago.
Mesma noite
Um passeio muito estreito. À minha frente um homem rabugento. Estou com um dos meus filhos. Há uma gata e um gatinho a mamar, mas que foge quando tento agarrá-lo, o que eu faço para evitar que ele vá para a estrada e seja atropelado.
Ele foge à minha frente e o homem rabugento também. Não quero que o homem o apanhe. Passamos à frente de um cemitério e o gatinho corre lá para dentro. O homem começa a discutir comigo, e, com os meu filhos mais novos. Fico tão zangada que lhe vou bater, mas de repente a zanga passa-me e olho para ele com o coração em paz e digo-lhe, “pronto, vou entrar no cemitério, vou encontrar o gato e dou-lho. E você vai ajudar-me a encontrar a minha caneta.”
Entro. Com medo porque é de noite ou está a anoitecer, e aquele local é triste, húmido e há no ar um sopro de morte, como uma ameaça escondida. Então dou três passos, e a certa altura estou noutro cenário. Depois encontro o Joshua, e ele dá-me um abraço. Trepo para cima de uma mesa. Assim fico muito mais alta, e agora é ele a subir para cima da mesa. As nossas cabeças quase tocam o tecto. Estamos abraçados mas não dá muito jeito, nesta posição. Além disso estamos a rir. Só que a seguir estou numa loja de coisas africanas. Tenho uma orelha infectada. Uso os brincos de diamantes que trouxe da viagem à Africa do Sul (com o Joshua) e ele aconselha-me a pô-los de parte. Digo-lhe que é ouro, mas ele desconfia. Tiro o brinco e dou-lhe para analisar.
Há, naquela loja, várias coisas que me interessam. Cruzes. Coisas de usar ao pescoço.
Saio e estou numa festa. Não tenho cadeira, mas arranjo uma, e sento-me naquilo que se pode considerar a primeira fila, embora a arrumação da sala seja um tanto ou quanto caótica.
No palco, que não é bem um palco – visto que não existe uma divisória entre cá e lá –está sentada uma artista brasileira muito conhecida. Está sentada numa posição de ioga, de pernas cruzadas. Pergunta-me, numa voz sem som – só a articular as palavras – se estou a gostar “daquilo”. É óbvio que ela está a detestar. Eu também acho o espectáculo um disparate. Julgo que a peça é qualquer coisa de Gil Vicente mas a forma como os actores, que não são actores, – mas pessoas da área em que trabalho, – dizem é texto é pouco cuidadosa. Além disso pronunciam as palavras num tom muito duro. Penso: os cenários são trapalhões, mas o guarda-roupa é óptimo.

sábado, 7 de outubro de 2006

O Cão Padrinho, a Festa, a Cidade de Brinquedo


NOITE DE 7 PARA 8 DE AGOSTO DE 1994
Uma grande festa. Sou convidada e intima dos organizadores da festa. Tenho de chegar a casa (é minha? deles?) e mudar de roupa. Tenho um vestido preto, decotado. À entrada da casa já está muita gente. Passo por um Segurança e falo-lhe. É meu amigo. Digo-lhe que vou mudar de roupa e depois volto. Falo com mais algumas pessoas e depois subo. O apartamento está cheio. Amigas minhas. Toda a gente está a preparar-se. Chamo as pessoas para me ajudarem, mas saíram todas. Tinha ouvido qualquer coisa nesse sentido mas não tinha acreditado. Quando me vejo no apartamento vazio, pouco iluminado, apanho um choque, até porque não estou pronta. E as luzes estão muito baixas. Tento acender, mas os interruptores são rotativos. A luz aumenta gradualmente. Há um painel de luzes, vou tentar acender quantas puder. O apartamento é muito grande e assusta-me assim, pouco iluminado.
Consigo acender um ecrã que começa a piscar, interminavelmente, a notícia da falência de uma pessoa muito famosa, que também é o dono do apartamento. Tento desligar o painel, mas não consigo. Quando tento desligar acendo outra coisa. Então vejo o elevador, Arte Nova, a subir suavemente e na penumbra do hall as sombras desenham no seu interior uma cadeira, uma corda, uma pessoa. Percebo tudo e começo a gritar: “não! não! João não faça isso. Deixe-me dar-lhe um abraço e vamos falar sobre isso.” – Estou angustiadíssima. Ele olha para mim com um olhar vazio e percebe apenas que perdeu a oportunidade. Depois corre.
Agora eu estou a correr atrás dele por umas escadas rolantes, imensas, e não consigo apanhá-lo. Há gente por todo o lado, uma autêntica multidão, tipo Wall Street, mas ninguém percebe ou quer perceber o tipo de drama que se vai desenrolar. Consigo chegar a uma plataforma de metropolitano onde ele entrou, mas não deixam entrar mais ninguém.
Olhamo-nos.
Peço à arrumadora que me deixe passar, ele limita-se a deixar a porta aberta, mas não entra mais ninguém. Ao meu lado está um cão. Um boxeur. Tem o focinho permanentemente húmido e um ar muito feroz. Faço-lhe festas. Ele é a transformação de alguém que conheço muito bem. Sei que só ele me pode ajudar. Penso que se não fosse assim não estaria tão confiante, ali com a cabeça dele deitada no meu joelho.
Comentamos o que se passa e o cão fala, e a voz do cão é a voz de Marlon Brando no Padrinho. Dá as suas explicações e depois puxa de uma cigarreira e pede a um homem, que entretanto se aproxima, se não se importa de a abrir. Lá dentro está uma chave para jogar na Bolsa. O cão pede ao homem para usar a chave. Diz-lhe que jogue, por si e pelo João, para o salvar da ruína. O homem está indeciso e eu não percebo porque é que o cão está a oferecer uma coisa de tanta responsabilidade a um desconhecido.
Então, pego eu na cigarreira e começo a fechá-la e a brincar com ela. Chega outro homem que começa a interrogar o primeiro. É um detective da polícia.
Penso que tive sorte em guardar a cigarreira. O outro homem está a ser interrogado. É uma coisa sem importância, simples rotina, e o cão cala-se. Agora ninguém sabe que ele é um cão que fala. Depois eu e o cão apanhamos um avião e voltamos. A cidade, aos nossos pés, tem uma consistência de maqueta. Digo, é a primeira vez que viajo por cima de uma maquete de cidade.
Nos lugares das casas estão casas de brinquedo, como as das crianças, em verde água. Nós estamos a voar sobre uma cidade de brinquedo.

quinta-feira, 5 de outubro de 2006

Perigos, Medos,Fronteiras


NOITE DE 4 PARA 5 DE AGOSTO de 1994
Um dia de sol, uma estrada quente. Vamos de carro, eu, a Xana e outra mulher, mais velha. Noutro carro, noutro lado, noutro lugar. Há um problema com as mudanças. Arranham. Como se o condutor guiasse mal, ou, como nos explica a mulher que vem connosco, como se a caixa de velocidades estivesse avariada.
O mesmo problema repete-se no nosso carro.
Há uma curva, anormal, irreal, para a esquerda. Não a devíamos ter feito. O carro dispara, incontrolável. No fim da estrada não há nada. Só o mar azul, muito azul, cá em baixo, muito ao fundo.
Olhamos para a mulher, como se precisássemos de indicações e eu pergunto: “e agora?” Numa voz que é já um grito enquanto o carro, lançado no espaço se detêm no ar, naquela fase de tempo irredutível em que o próprio tempo abranda a sua marcha para que possamos sentir, nesse fragmento de eternidade, a inexorabilidade do seu peso.
Acordo, a tremer, com este grito e esta queda no vazio para a morte.
Estou molhada de suor.

MESMA NOITE
Um quarto às escuras. O meu. Tento, às apalpadelas ligar o candeeiro na tomada, enquanto repito para mim própria que devo ter cuidado para não apanhar um choque.
Apanho um choque.
É tão intenso que o meu corpo é sacudido de alto a baixo até às entranhas, a minha mão colada à parede, à tomada. Não consigo tirá-la. Percebo que vou morrer. Se não conseguir arrancar a mão da tomada, morro. Ninguém me vai descobrir naquele quarto às escuras.
Penso em Deus. Grito por Ele, com todas as forças. Consigo arrancar a mão.
Acordo a tremer do choque. Ainda.
MESMA NOITE
Vou atravessar uma fronteira.
Estou com um homem, penso que é o Hendrik, e aparece outro a perguntar se pode falar comigo. O Hendrik ri-se e diz que sim. Falam na lingua deles. Ele pede-me, já que vou embarcar, se lhe posso trocar moedas. Ou levá-las? Empunha uns montinhos para a minha frente. Desembrulho. São moedas. Não aceito. Digo: “Só levo as moedas do Hendrik”. Este, entretanto, dá-me vários concelhos sobre como atravessar o aeroporto com aquele dinheiro, mas eu respondo que nunca tive problemas desses e as moedas vão na minha carteira, espalhadas. Espanta-me que tenham valor. Normalmente dou-as aos meus filhos para brincarem. E quando voltamos de viagem os bancos não as trocam.
Depois um táxi leva-nos, a mim e à Xana, a casa da Bety. É noite, está tudo terrivelmente escuro e silencioso. Quero pagar ao homem do táxi mais do que a tarifa, como se quisesse dar-lhe uma gorjeta, mas ele não aceita. Fico a pensar que é muito simpático e deve ser o dono, ou o filho do dono do táxi, e comento isso com a Xana.

segunda-feira, 2 de outubro de 2006

A mulher gorda a pantera lindíssima e os dois bifes


NOITE DE 29 PARA 30 DE JULHO 1994
Uma escola primária. As ruas são escuras, a noite caiu, e levantou-se um vento fresco do começo de Inverno. Fecho o meu casaco, e olho para um espelho para compor a boina preta. Depois recomeço a andar pela rua em passo apressado. Quando chego à escola bato à porta e depois entro. Lá dentro só está um miúdo. Os outros todos já foram embora. A escola é uma casa, de rés-do-chão e 1º andar. A professora está no andar de cima e o miúdo chama-a.
Depois estou na cozinha, não sei se ainda é a escola, com uma senhora gorda que é muito parecida com a dona da casa onde uma senhora de idade, da minha família, fica quando vem cá. Penso que tenho de lhe pagar. Receio que me apresente uma conta excessiva, mas isso não acontece. Depois estou num sítio que são as termas. Falam-me de umas águas, na cave, que saem quentes, e são óptimas para tudo. Estou aqui só de passagem. Falo com várias pessoas, julgo que estão em trabalho. Depois entro numa casa, a e a tal senhora gorda aparece de novo. Agora traz-me um prato com dois bifes, batatas fritas, ovos. Pergunta-me se quero, respondo que não. Eu não tenho fome. Eu não quero comer aquela comida.
Então entra uma pantera negra, dentro da sala. É lindíssima, faz-me imenso medo. Passa por nós, salta para um sofá, não gosta, encosta-se a mim e enrosca-se no chão. Ninguém diz uma palavra. Faço-lhe uma festa, a medo. Até receio levantar-me, não vá ela mudar de humor. Penso nos seus dentes, tão afiados. A mulher gorda diz que não há perigo nenhum. Mas depois tropeça, deixa cair os bifes, mesmo ao lado da pantera, e fica transida.
Percebo que a mulher também tem muito medo da pantera.
Lembro-me do pêlo dela: macio, pura seda.

sábado, 30 de setembro de 2006

Família em trânsito


NOITE DE 29 PARA 30 DE JULHO 1994

Há uma família que vai sair da casa onde vive porque vai para outra terra, e então, no meio da sala, dos quartos, do corredor, há caixas, caixotes, objectos empilhados. No entanto, e por algum motivo, eu tenho de transitar por ali, e a certa altura vou de carro. O carro avança com dificuldade e detém-se no meio de uma sala por causa das malas e dos pertences dessa família, e de toda aquela confusão que é preciso afastar para conseguir passar. As pessoas são simpáticas, calorosas mesmo, mas andar de carro, no meio de uma casa em mudanças, fica tão complicado.
Depois alguém traz fotografias que todos fizeram, antes das mudanças. Há uma em que, espantosamente, se conseguiu reunir toda a gente. É incrível, não só por estarem todos lá, ao mesmo tempo, como também pelo equilíbrio geométrico da foto, porque normalmente fotos de grupo são confusas ou pouco estéticas.
No rectângulo de papel, e ao longo de uma invisível linha oblíqua, colocam-se os rostos, e todos, do primeiro ao último, estão nítidos. É uma foto de família e de amigos. Eu estou lá. A dançar.

sexta-feira, 29 de setembro de 2006

Sorte ao jogo e... o telefonema de Joshua


NOITE DE 4 PARA 5 DE JULHO DE 1994
Há um jogo grande, num jardim. É um daqueles flipers com bolas, que controlamos por botões, só que neste caso o flipper ocupa quase uma espécie de canteiro. Tento uma vez, e a bola é engolida mal o jogo começa. Mas a jogada não vale e é-me dada uma segunda oportunidade. Há outra pessoa para jogar comigo, ou contra mim. Começo. Dou um único impacto à bola que salta, imediatamente, para a casa três, uma casa de sorte, onde o campo magnético faz ouvir o tilintar de sininhos e a bola salta para outras casas mais à frente. São de novo casas de sorte. Lembro-me de que me sinto quase envergonhada por tanta sorte, tanto mais que a pessoa que devia jogar quando eu parasse, se limita a ficar a ver e a perceber que, com um avanço daqueles, não tem hipótese de me ganhar.
A bola salta de novo, desta vez para três casas juntas o que lhe dá um impulso magnífico. Há casas de azar, armadilhas que fazem voltar para trás, mas a bola salta sempre em frente, até quase à meta.
Não me lembro se ganho, ou como ganho.
E depois estou no meu quarto e o telefone toca, e do outro lado do fio há uma voz quase inaudível que me chama, e eu percebo que é o Joshua, mas quero confirmar e pergunto "quem é?", e ele diz duas vezes o seu nome. Depois oiço-o a chamar-me, mas não consigo perceber o que me diz, porque de algum modo a ligação cai ou é cortada.
Depois há uma conversa com um médico.
Olho para uma caixa com lentes de contacto e fico muito espantada como se ali estivesse uma pista muito importante.