quinta-feira, 23 de novembro de 2006

"Fortaleza de Alma" e os budistas ocidentais

10 PARA 11 DE FEVEREIRO DE 1995
Uma estrada. Um grupo de budistas tibetanos. Eles falam, entre si. São ocidentais. No meio da estrada há um corpo amarrado, dentro de uma espécie de saco. É o corpo de uma pessoa condenada à morte. Olho e não percebo como é que um grupo de pessoas religiosas tem, deitado no chão e em sofrimento, um ser que condenaram à morte. Tento pensar nestes termos: “são orientais, e para os orientais as questões do sofrimento e da morte são colocadas noutros termos.” Então percebo que sou eu o corpo amarrado no chão.
Toco nos nós que me prendem e descubro que são surpreendentemente fáceis de desatar. São nós frouxos, de fio de embrulho. A única questão é desatar-me rapidamente para que os budistas não descubram e venham atar-me de novo. Sou extremamente rápida. Num salto chego ao pé do grupo, que me olha estupefacto. E o lama dos budistas, ocidentais, olha-me profundamente comovido. Explica-me que eu sou o Buda de quem estavam à espera. Passei o teste, soltei-me dos nós, livrei-me da morte.
Agora, aquelas criaturas que momentos antes não davam nada por mim, e me tinham votado à morte, adoram-me. Penso: “como vou ser o Buda deles, se nem sei tibetano?” Não sei como orientá-los, nem o que lhes dizer. A sensação que tenho é que acho tudo um pouco infantil, mas ao mesmo tempo não os quero desiludir nem desamparar. Então, o que antes era o líder espiritual do grupo pede-me que lhe dê um nome secreto. Fico atrapalhada. Mais uma vez não sei tibetano... invento uns sons e digo-lhos ao ouvido. Ele parece desiludido. Não percebeu bem. Explico-lhe o nome secreto dele, que quer dizer “Fortaleza de Alma”. Depois olho por cima dele e vejo um livro de signos chineses, aquelas edições de grande consumo, mas com os nomes em tibetano. Rapidamente memorizo um e digo para o meu “discípulo”: vou dar-te outro nome secreto. Digo-lho ao ouvido e ele fica felicíssimo.
Não estou contente com este meu novo papel, porque, basicamente, não acredito no que estou a fazer e, ainda por cima, ele vai implicar muito trabalho, (tenho de aprender tibetano) e muita atenção aos meus discípulos. Mas não tenho coragem para lhes dizer que não posso assumir este cargo, porque apesar de tudo, é como se os desamparasse.
Sinto-me muito lúcida, muito cheia de “fortaleza de alma”. E muito só.

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