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Uma estrada. Um grupo de budistas tibetanos. Eles falam, entre si. São ocidentais. No meio da estrada há um corpo amarrado, dentro de uma espécie de saco. É o corpo de uma pessoa condenada à morte. Olho e não percebo como é que um grupo de pessoas religiosas tem, deitado no chão e em sofrimento, um ser que condenaram à morte. Tento pensar nestes termos: “são orientais, e para os orientais as questões do sofrimento e da morte são colocadas noutros termos.” Então percebo que sou eu o corpo amarrado no chão.
Toco nos nós que me prendem e descubro que são surpreendentemente fáceis de desatar. São nós frouxos, de fio de embrulho. A única questão é desatar-me rapidamente para que os budistas não descubram e venham atar-me de novo. Sou extremamente rápida. Num salto chego ao pé do grupo, que me olha estupefacto. E o lama dos budistas, ocidentais, olha-me profundamente comovido. Explica-me que eu sou o Buda de quem estavam à espera. Passei o teste, soltei-me dos nós, livrei-me da morte.
Agora, aquelas criaturas que momentos antes não davam nada por mim, e me tinham votado à morte, adoram-me. Penso: “como vou ser o Buda deles, se nem sei tibetano?” Não sei como orientá-los, nem o que lhes dizer. A sensação que tenho é que acho tudo um pouco infantil, mas ao mesmo tempo não os quero desiludir nem desamparar. Então, o que antes era o líder espiritual do grupo pede-me que lhe dê um nome secreto. Fico atrapalhada. Mais uma vez não sei tibetano... invento uns sons e digo-lhos ao ouvido. Ele parece desiludido. Não percebeu bem. Explico-lhe o nome secreto dele, que quer dizer “Fortaleza de Alma”. Depois olho por cima dele e vejo um livro de signos chineses, aquelas edições de grande consumo, mas com os nomes em tibetano. Rapidamente memorizo um e digo para o meu “discípulo”: vou dar-te outro nome secreto. Digo-lho ao ouvido e ele fica felicíssimo.
Não estou contente com este meu novo papel, porque, basicamente, não acredito no que estou a fazer e, ainda por cima, ele vai implicar muito trabalho, (tenho de aprender tibetano) e muita atenção aos meus discípulos. Mas não tenho coragem para lhes dizer que não posso assumir este cargo, porque apesar de tudo, é como se os desamparasse.
Sinto-me muito lúcida, muito cheia de “fortaleza de alma”. E muito só.
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