quinta-feira, 2 de novembro de 2006

A égua protectora e os cães guardadores de rebanhos


NOITE DE 12 PARA 13 DE OUTUBRO DE 1994
A primeira imagem é a de uma égua sob a qual se esconde um homem. A égua é tão inteligente que percebe que o homem tem de se aninhar sob ela para se proteger, e ela tem de o tapar por completo sem o esmagar. Quase mete medo de ver, mas é bonito. Depois o homem explicar-lhe que tem de me esconder a mim, da mesma maneira. Porque de vez em quando passam pessoas que não devem descobrir-nos naquele local.
Também me recordo de dois ou três cães. Vejo-os da janela do meu carro ou do comboio. Têm pelo comprido. A princípio, parecem-me aqueles cães patetas que algumas pessoas levam ao cabeleireiro para lhes fazer caracóis e por lacinhos nas franjas. Mas aqui, estamos no campo e o pêlo cresce-lhes em liberdade, cobre-lhes a testa. Estes cães são lindos. Percebo que são muito inteligentes, e que o problema da imagem deles é criado pelos artifícios a que os submetem da civilização. Estes cães são guardadores de rebanhos. Correm atrás do gado, vigiando-o. Depois vejo-os falar entre si. Comentam a história de haver pessoas que acham que eles vêm mal por terem pêlo nos olhos. E por haver quem lhes corte a franja por causa disso, o que é horrível porque assim é que eles passam a ver mal.
Depois há um rapaz, está à espera do comboio numa pista de corrida. Agacha-se na pista e aguarda. Nada. Avança para outras pistas. Nada. Ali nem sequer há carris. Então há um campo. A linha do comboio está mesmo ao lado. E este rapaz está a correr ou a brincar e é horrível, porque o comboio vai aproximar-se e ele não o vê, porque está de costas. O comboio apita e ele volta-se a tempo de o ver passar. O pior é que há dois carris de comboio, um muito estreito e ligeiramente desnivelado em relação ao outro. Ele está do lado desse, e aparentemente esse é o seu único erro. Ouve-se dizer”quem imaginaria que aqui, logo neste local, haveria um desnivelamento de carris!”. Ele não pode atravessar a linha, nem subir. Dentro do comboio as pessoas lamentam o sucedido como se fosse uma grande lástima.
Depois ele conseguiu escapar de forma extraordinária, porque está no tejadilho do comboio, a saltar de carruagem em carruagem. O comboio atravessa os campos.
Depois estou numa casa. Há mudanças, obras. A casa é velha. Encontro um miúdo muito novo e abraço-o. É um amigo, filho de uma amiga. Peço-lhe que cresça depressa, muito depressa, para me proteger. Ele sorri, tem um sorriso lindo, muito puro, e retribui o meu abraço. Pergunto-lhe a idade e fico espantada por ele já ter 20 anos, porque achava que ele era muito mais novo. E, no sonho, eu tenho mais ou menos a mesma idade do que ele. Este rapaz parece mais novo do que o seu outro irmão mais novo.
A sala onde estamos é escura e tem um piano. A mãe dele veste de negro como as senhoras nos retratos do século passado. E depois estamos todos à mesa, e vemos passar um homem das obras.
De uma janela vejo, metros abaixo, outra sala. Tem uma mesa de xarão com candelabros antigos. E uma quantidade de objectos de decoração. Acho tudo horrível, apesar de ser tudo muito valioso. As pessoas comentam o valor daquelas coisas, mas eu não aceitaria nada daquilo, mesmo que me dessem. Eu e o rapaz trocamos um olhar de cumplicidade e encolhemos os ombros. Em silêncio dizemos ambos “que seca!”. E sorrimos.

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