domingo, 23 de dezembro de 2007

o tubarão pequeno

NOITE DE 26 PARA 27 DE MAIO DE 1997
Praia, águas, coisas que não recordo. A certa altura estou num cais, ou num paredão. Há muita gente ali. Homens-rãs com projectores, polícia marítima. Parece a filmagem de um episódio para o cinema ou para a televisão. Penso que procuram um cadáver. Alguém morreu ou desapareceu. Ouve-se dizer:«Deve estar próximo, porque cheira.»As águas não são límpidas. Acho que é por ser de noite. Tento atravessá-las com os meus olhos, mas só vejo sombras. Comigo está uma menina. Tem dez anos.
Alguém, agarra um peixe e parece um tubarão. É um tubarão pequeno. Sacode-se e agita-se nas mãos que o trazem da água para a terra, e é então que a menina o colhe daquelas mãos que o tiraram da água para as suas, como se fosse um fruto que se apanha. O tubarão aquieta-se.

O ovo da serpente

NOITE DE 18 PARA 19 DE MAIO DE 1997
Estou num quarto, e acho que é um quarto de hotel, e acho que estou com o Drew e vamos tomar chá. O chá já está feito, e ele serve-se num copo de vidro grosso e arranja para mim um copo parecido mas é de um vidro mais fino. Eu peço um copo igual. Não há copos exactamente iguais, mas ele arranja-me um parecido com um pires de vidro muito grosso, e eu fico satisfeita. Depois ele estende-me uma folhas, penso que de menta, e diz que são para perfumar o chá. Estendo-as com cuidado e elas cobrem toda a superfície da infusão. Percebo que têm pó. Pergunto se as lavou. O pó, com o calor, torna-se mais evidente. Dou-lhe o resto das folhas para as lavar. E resolvo tirar as minhas, com cuidado, para as sacudir e lavar. Percebo que o calor fez eclodir ou evidenciar uma série de lagartas, muito verdes. Sacudo-as e caiem ao chão. Depois fica preso nas folhas um ovo de serpente, minúsculo. É absolutamente transparente. Dentro do ovo a serpente está completamente formada, e agita a língua bífida e os seus olhos brilham intensamente, ferozmente. É uma serpente minúscula, mas está pronta a atacar. Penso que tem uma cauda com ferrão. Pego na folha com cuidado. Mostro a sua morfologia a alguém, e explico-lhe que é uma serpente fêmea, e que subjacente ao seu corpo filiforme, translúcido, há braços e formas femininas que são envolvidos na uniformidade do seu corpo. Como se, e nas suas remotas origens, antes de ser serpente, tivesse sido mulher. Depois saio, e o ovo fica preso a um biombo. Quando volto, com dois amigos meus, um acho que é o P.M., para lhes mostrar aquele ovo, já não encontro nada.

Se estivesse aquio Peter Pan e a Fada Sininho

NOITE DE 6 PARA 7 DE MAIO DE 1997
É preciso entrar dentro de uma casa mas o acesso só é possível pela janela iluminada que se vê do chão, e através de uma escada muito precária encostada ao muro e tendo um banco como base de apoio. Há várias pessoas para entrar. Organizo-as da melhor forma para não se perder tempo. E guardo-me para o fim para ter a certeza de que todos entram. Vejo uma tesoura e uma faca e sei que é preciso levá-las, mas como também tenho um saco está a ser difícil subir naquelas condições. Entrego aqueles instrumentos aos que já estão a meio da escada. Atiram-nos pela janela, descrevendo um arco no ar e cortando o rectângulo iluminado. Depois só faltam subir uma menina e eu. Quando ela está quase a conseguir vai deslizando pela parede e não consegue. Empurro-a com força e ela diz-me: «Se estivesse aqui o Peter Pan e a Fada Sininho ainda era capaz.» Chamo o Drew com toda a força. E a janela já não está iluminada, já é uma claridade difusa que se espalha por todo o sonho, como se estivesse a amanhecer.
E agora já não quero subir a uma janela, porque estou a descer a uma cave. Estou à espera que me chamem. Há duas raparigas muito novas que vêm ter comigo ao quarto da cave onde aguardo. Estão nuas. E há um casal perseguido pela polícia porque tentou matar um bebé. Esse casal já foi apanhado uma vez, mas libertaram-nos com bebé e tudo. Agora estou à porta a ver se os apanho e o Drew está no corredor e há mais gente aguardando, quando passa por nós um casal, mas é tão diferente do que estava à espera que ninguém lhes liga. Fico muito incomodada, porque, apesar de diferentes, eu sinto que são os mesmos. Ela empurra uma cadeira de rodas e tem uma touca de enfermeira, ele está na cadeira de rodas. O casal que estávamos à espera não coincide com esta descrição. Mas eu avanço, incomodada, até porque oiço um bebé a chorar, e então há um homem da polícia que descobre um bebé quase sufocado, porque eles estavam a tapar-lhe a boca com as mãos para ele não respirar. E é um bebé moreno e forte e agora vê-se que está de boa saúde. E eles fugiram e eu fiquei indignada. Depois vou a persegui-los, entro num Centro Comercial, num dos níveis mais elevados, e as escadas rolantes são lindíssimas e brilham. E são uma espécie de montanha russa. E alguém me diz que não faz mal não ter dinheiro porque naquelas escadas ganha-se crédito. Como se, subi-las ou descê-las energizasse a nossa conta bancária.

Ofereceram-me um automóvel

NOITE DE 16 PARA 17 DE ABRIL DE 1997
Ofereceram-me um automóvel. Parece um rebuçado. É todo branco, mas tem uns pormenores em verde e noutra cor que não me lembro, mas são cores translúcidas, e esses pormenores são uma espécie de apêndice do carro, que o tornam especial. Também me lembro do E. B. que já morreu e foi um colega e amigo há muitos anos. E a mulher dele também entra. Não é suposto ela aparecer, e aliás ele estava a atirar-se a mim. Parece que ela chega para controlar o marido, mas eu não me importo porque também a conheço. E vejo, na rua, o meu amigo João Carlos, que já não vejo há muito tempo, e digo, olha, é mesmo ele! E o João levanta a cabeça e vê-me, e eu mando-o subir, porque tenho mesmo vontade de saber como é que ele está, e se continua em Angola, e se a história dele com a tal rapariga correu bem, e tal.

domingo, 15 de abril de 2007

Eu e a Xana na Muralha da China

NOITE DE SETE PARA OITO DE ABRIL DE 1997
Uma viagem à China. Estou com a Alexandra. Às vezes estou com outras pessoas. Apanhamos um comboio, não tem portas que se fecham, é um comboio parecido com os antigos eléctricos do princípio do século XX. É um comboio pequeno, e temos de mudar várias vezes para seguirmos o nosso percurso. Os comboios são cada vez mais pequenos. Numa das paragens saímos, porque não temos bem a certeza de qual devemos apanhar a seguir. E vamos conhecer melhor a China, embrenhando-nos pelo território. Há uma vilazinha de ruas íngremes, bem iluminada. Um grupo de crianças desce as ruas, cantando. Estão vestidos e pintados como figurantes de um filme, ou como atracções turísticas. Penso: gostava de conhecer uma China mais autêntica. Afinal é como na Europa, um jogo para turistas. Nada disto é autêntico.
E depois estamos a subir pelas escadas gastas e milenares da Grande Muralha, e há montanhas desertas a toda a volta, e os degraus são altos e estão esboroados dos séculos. Atrás de nós vêm dois rapazes, dois estrangeiros como nós. Vestidos de caqui, com mochilas. As pernas pesam, cada passo custa, como se os degraus aumentassem de tamanho. Sentamo-nos um pouco a olhar as estrelas. Encosto-me para trás, e olho longamente para o céu. É o céu de outro lado do mundo. Tem estrelas que nunca vi. É um céu diferente. E as estrelas unem-se pelos seus raios de luz, e fazem desenhos lindíssimos, como começam a ficar cada vez mais nítidos à medida que vou olhado. E as constelações desenham dragões no céu da China. E eu digo:
-- Alexandra vê! O céu da Europa tem ursos, sagitários, caçadores, peixes, o céu da China tem dragões que cospem luz, e eu consigo vê-los, e no céu da Europa eu já não consigo ver os peixes, os caçadores e as ursas.
Mas depois é preciso recomeçar a viagem.
Depois estamos numa pequena vila, muitíssimo iluminada, de algum modo também um cenário de turismo, com muitos cafés e restaurantes chineses. Quero comer mas tenho medo de ter nojo, porque as coisas de comer na China são uma grande nojice. E pergunto á Alexandra pelos tais rapazes que vinham atrás de nós e que depois nos passaram à frente, porque talvez soubessem alguma coisa daquela terra, e ela respondeu «estás doida? eles ...» e já não me lembro das palavras mas o sentido é que eles eram uma espécie de neo-fricks, que viam esoterismo e cabalas em todos os sinais, e eram meios destravados, e muito pobres, porque estavam a contar tostões.
Seja como for entramos no restaurante chinês, e era um restaurante todo aberto sobre a rua, com um balcão enorme dentro do qual estava um chinês a fazer comida chinesa. Mas também há coisas europeias, embrulhadas. E como tenho medo que me dêm lagartixas disfarçadas de qualquer coisa resolvo pedir um bolo. Mas quero um bolo embrulhado porque podem andar moscas a passar por cima dos outros. E quero um bolicao, mas estão todos mais ou menos abertos. E não me decido. Então vejo no centro do restaurante uma barraquinha de cachorros quentes, com um homem que não é chinês mas vive na China há tanto tempo que já é porco e tudo. Tem as mãos embodegadas. E fala inglês. E é um bocado gordo. E pago-lhe os cachorros quentes que vêm com batatas fritas palha, mas penso, que chatice, com esta história das viagens temos que comer tanta coisa que faz engordar.
Depois a Alexandra chama-me a atenção e voltamos a entrar no café, e agora eu vejo outro espaço, e é lindíssimo, porque tem muitas coisas de arte, objectos antigos, uma luz suave, muito suave, e há uma marioneta quase à entrada, e é um boneco de madeira com um ar perturbante. E eu não tinha visto nada da primeira vez.
E estamos perto da estação de comboio. E é preciso ir apanhar o comboio.
Imagem: http://br.geocities.com/mestrejair/china.htm

E os dois eram o Drew e o Drew é só um

NOITE DE 3 PARA 4 DE ABRIL DE 1997
Estava dentro de uma casa grande e vieram dizer-me que o Drew estava lá fora para falar comigo e tinha vindo a correr. E fui ter com ele e estavam lá fora dois rapazes. E eram os dois magros, e os dois eram o Drew, e isto era normal. Mas comecei a ficar confusa e a tentar lembrar-me de qualquer coisa, e de repente lembrei-me. E lembrei-me que o Drew é só um. E fiquei muito perturbada e comecei a dizer-lhe isto, ou ia dizer. E até quase que acordei com o susto, só para me lembrar que não me podia esquecer disto.
E depois estava com o Eduardo, e ia jantar com ele, mas não era nesse dia, ou nessa noite. E estava mais gente e estava toda a gente bem disposta. E dentro dessa casa, que era um hotel, mas era um hotel familiar, estava a Leonor a tomar conta de uma criança, e era uma criança que ia ser operada aos rins. E ela estava a confortá-la, e a tranquilizar a criança. E eu fiquei espantada por não estarem ali os pais da menina, e ela disse-me que tinham viajado. E depois quando olhei para elas, as duas estavam a dormir. A M. Leonor tinha a boca muito aberta, e via-se que tinha poucos dentes. E a criança estava a dormir no colo dela.
E antes eu estava a olhar para um recinto onde estavam animais. E num recinto estava uma coisa estranha. Era um tubo de vidro grosso, muito grande, onde havia um animal. Era um peixe. Melhor, era uma espécie de vida anterior aos peixes. Um invertebrado, sem olhos, um animal perigoso das grandes profundidades. Uma espécie de moreia, com cor de ténia. E uma boca sem dentes que se abria a respirar dentro daquele tubo de aquário, e a boca era perigosa, porque não tinha dentes mas funcionava como uma ventosa. E tinha uma etiqueta com a marca e o preço, era esquisito. E depois olhei melhor e vi que afinal tinha olhos. E estava ali todo fechado dentro daquele espaço, e não se podia mexer. E afinal parecia já um mamífero. E era uma foca, ou tinha focinho de foca, ali aprisionado. E deu-me pena. E depois já não era uma foca, era um cão, e estava cá fora. E era um cão ferido. Ou doente.

Como um gato sobre o muro

NOITE DE 15 PARA 16 DE MARÇO DE 1997
Estou na rua ao lado da casa do meu pai. Não vim de lá, nem vou para lá. Estou só a andar ali. A certa altura passo para cima do muro de granito que delimita os jardins da casa que liga com o jardim da nossa casa. O muro é estreito. Penso: se fosse gato andava bem aqui em cima. Sinto-me no corpo de um gato. Sinto as patas aveludadas do gato que têm umas almofadinhas para amortecer as asperezas e até os pedaços de vidro que as pessoas colam nos muros para não serem assaltadas, penso. Como um gato, ando até ao fim do muro. Sem nunca me enganar. Depois estou num canto do jardim. Ali, sob a terra húmida, está alguém ou alguma coisa enterrada.
Levo um ovo cozido e cebola crua, às rodelas. Acho que é para deitar em cima da terra. Em vez disso, como as duas coisas. Os anéis da cebola e o ovo, ás dentadas.

domingo, 8 de abril de 2007

Há vestidos de baile, adereços e máscaras de Carnaval

NOITE DE 9 PARA 10 DE MARÇO DE 1997
Há uma estrada larga por onde vêm a fugir, como que em debandada, várias pessoas. Eu vou para o sítio de onde elas vêm a fugir. Avisam-me que aquilo está prestes a explodir, mas eu tenho mesmo de lá voltar.
Na estrada vejo homens, aos pares ou sozinhos, e saio para os campos, tentando passar despercebida por entre as sebes esparsas que delimitam a estrada, porque tenho medo deles. E quando chego ao meu destino descubro que ainda há lá muita gente. Gente a quem eu estou ligada e que de algum modo tenho de avisar, e pressionar a saída. Só que as pessoas não me prestam atenção. Estão muito ocupadas, como se estivessem a acabar de preparar uma festa, porque há vestidos de baile, e coisas de máscaras, parece-me. Ou pelo menos alguns de vestidos são para uma festa de Carnaval se bem me recordo, por causa dos enfeites.
E então vejo o Rob e ele precisa de falar comigo. Depois entro numa sala, que parece uma loja de centro comercial, extremamente pequena e atulhada, mas muito bem organizada. E há uns papéis pendurados numa corda pouco acima de mim. Espreito para ver o que dizem os papéis e o Rob aproxima-se e pergunta-me se já sei que aqueles papéis pertencem a dois baralhos de tarô que tem para me oferecer. Há sempre muita gente à nossa volta. E há muita luz, mas é luz eléctrica, luz de iluminação interior, luz artificial.

O velório é muito estranho porque é o meu próprio velório

NOITE DE 12 PARA 13 DE MARÇO DE 1997
Vou a casa de um colega meu que é fotógrafo. Não sei se vou ali expressamente para o ver, se dou com ele por acaso quando tocamos à porta e é ele que abre. Ele vive numa casa que é, também, laboratório e escritório de fotografia. É um prédio sinuoso, cujas casas comunicam umas com as outras por corredores labirínticos. Nós queremos sair para tomar um café e ele explica que não é preciso ir à rua. Ao longo do corredor dispõe-se uma espécie de Centro Comercial, só que não é fácil aceder ao lugar para onde queremos ir. Penso que começo por entrar num café, o mais fácil de aceder, mas não gosto do aspecto. E penso que esse meu colega fotógrafo está a trabalhar. Parece-me que é para a televisão. E estamos fora de Lisboa.
Depois há um velório. É fora dali. Há casas e pátios, numa área grande, e dispostas em edifícios que, de alguma maneira, podem recordar a arquitectura de um quartel. O velório é muito estranho, porque é o meu próprio velório. Uma mulher horrível que eu conheço organizou tudo. Só estamos à espera de um caixão para eu me enfiar lá dentro. Já lá está bastante gente. São pessoas de idade sentadas em cadeiras ao longo das paredes da sala
Como a situação me incomoda saio para o pátio , e volto para o lugar de início, o sítio onde encontrei a casa do meu amigo fotógrafo. A geografia urbana do lugar mudou. Agora há pequenas moradias a ladear uma rua levemente íngreme, uma espécie de arquitectura algarvia de aldeamento de férias, misturada com uma arquitectura suburbana. Numa das casas há uma antena parabólica que gira suavemente apontando para o lugar de onde eu vim. Há mais antenas, mas aquela parece-me a mais eficaz, porque as outras estão paradas e são maiores.
Acho que estou com a Susana. Falo com ela sobre o absurdo do papel que é suposto ir representar. Digo-lhe que aquilo que parece uma espécie de partida mediática. E então descubro. Foi tudo arranjado para um programa do qual eu não tenho a menor consciência. Ou não tinha, porque agora tudo se encaixa como num puzzle, e sinto uma irritação tremenda e um alivio medonho, porque não há nada, nem ninguém, agora, que me faça voltar para aquele lugar idiota. Recordo-me agora que na sala onde já estava tudo a postos, menos o caixão porque faltava eu lá dentro, havia uma espécie de candeeiro que escondia uma câmara de filmar.
E na rua, a antena continua a girar lentamente como um olho maldoso que aponta para nós.
Depois sonho com um desvio de avião. Estamos todos apertados dentro de uma carlinga, que apesar de tudo é grande como uma casa, com vários quartos. E eu procuro a forma de sair dali. Quero descobrir os meus aliados naturais. Há coisas que é preciso preciso revelar. Caixas, embrulhos.

Uma rua que desce até ao Cais do Sodré

NOITE DE 7 PARA 8 DE MARÇO DE 1997
Ouvi, distintamente, a voz de Joshua. Eu atendo o telefone e ele fala. Não consigo responder-lhe. Depois, ou antes, estou numa rua íngreme. É uma rua que desce até ao Cais do Sodré. Vou ter com um colega meu. Depois começa a chover. É uma chuva miudinha. Uma chuva molha-tolos. E quando chego ao Cais do Sodré resolvo voltar para trás porque não me quero molhar. As ruas estão desertas, ou pouco habitadas, são ruas de uma cidade que ainda está em construção. A meio caminho há um homem que se junta a mim, e é um homem de leis. É moreno e tem cabelo preto, liso. Gosto da companhia dele. Subitamente atravessa-nos à frente uma garotinha nua, com uma chupeta na boca e um boneco na mão. Parece abandonada, mas está a sorrir. E eu penso: será que vou ter de tomar conta dela? O homem agarra nela e avançamos uns metros, e ali há casas. São casas de pessoas modestas, uma espécie de ilhas. As mulheres têm aventais postos, e falam umas com as outras nos pátios comuns. Uma delas adianta-se. A criança é dela. Sinto um profundo alívio. O homem admoesta-a por ter descuidado a filha. A menina tem três anos, mas é tão pequena como um bebé de meses. No entanto parece saudável, porque é toda proporcionada. E mexe-se com alegria. Vai, pelo pé dela para dentro da sua casa. A mãe sorri, e torce o avental. E andamos mais. E agora ele tem o braço por cima do meu ombro. E a minha mão caída toca na dele, e ele agarra-me os dedos. Só a ponta dos dedos. É muito bom. Entramos para dentro de um hotel. Ele vive naquele hotel quando está em Lisboa. Vou para o quarto com ele e o quarto tem gente. Ele chama o empregado do Hotel e censura-o asperamente. Aquelas pessoas não deviam estar ali, diz ele. Ouve-se barulho, eles vêm a sair.
Como não quero que me vejam, afasto-me e entro dentro de um quarto que está em obras. É um quarto muito grande que faz um L, e tem móveis empilhados porque está em obras. E em cima de uma cómoda, que tem uma mesa de cabeceira por cima, espreitam revistas. E há dois pares de caixas de óculos, vazias. A porta do quarto é envidraçada, com vidros pequenos, biselados. O casal que saíu do quarto do homem desce por uma escada, em frente. A rapariga volta atrás para me ver. Ela aproxima-me, mas não muito. Não tenho a certeza se me consegue ver bem. Aliás é só nessa altura que percebo que a porta é envidraçada. Ouço-a rir enquanto se volta a reunir ao namorado, e desaparecem na curva da escada. Volto para junto do homem. O quarto é parecido com o outro. Também tem ar de quarto em obras. Faz um L. A minha cama é à entrada. Ele está no centro do quarto.

quarta-feira, 4 de abril de 2007

Começar de novo depois do Apocalipse

NOITE DE 6 PARA 7 DE MARÇO DE 1997
Um prédio alto. Estou no último andar. Há muita gente. Precisamos de apanhar o elevador para descer. Ali, já fizemos o que tínhamos que fazer. Há vários elevadores. Está toda a gente com pressa. Aproximo-me do que acaba de parar mas passa muita gente à minha frente e o elevador fica tão cheio que tenho medo de entrar.
As portas fecham-se. O chão, todo ele, começa a tremer. É um tremor de terra. Precisamos de sair dali, mas não podemos ir de elevador. Agora não pdemos ir de elevador mesmo que houvesse um, porque ainda é mais perigoso.
E aconteceu um cataclismo em toda a Terra. Um apocalipse. Agora estamos num pedaço de terra seca, rodeados de extensos lençóis de água. O velho mundo foi submerso. Poucas pessoas escaparam. E tudo o que antigamente tinha valor agora não vale nada. O dinheiro, por exemplo. Percebo que não tenho nenhum, mas também que valor atribuir-lhe agora? Fico com pena por causa dos livros. Parece que salvei um. [...] Mas que importância tem isso agora? Mas tenho pena à mesma.Tenho os meus dois filhos mais novos comigo. Sei que estão comigo. Mas não sei da Marta e do Nuno. E sei que eles se salvaram, e andam a sobrevoar a terra, mas agora já não há referências de nada. Penso: como é que me vão encontrar? Sem telefones, sem mapas. Porque agora a terra é geograficamente diferente do que era. E isso angustia-me. Depois é preciso começar tudo de novo. Há algumas pessoas connosco. E eu penso: "É tudo tão estranho. Tudo tão novo."

Os olhos mortos das avestruzes mortas


NOITE DE 12 PARA 13 DE FEVEREIRO DE 1997
É uma casa grande, uma casa de família e de amigos, com vários andares, e muita história. E estou com dois amigos e temos de fugir, só que eu encontro uma casa de banho com janela e quando vou a saltar percebo que, vista de dentro a casa de banho está no primeiro andar, mas olhando pela janela é uma altura de quarto andar. E é muito alta.
Mas depois o perigo passa, ou o motivo que me ia levar a fugir desaparece. Encontro o Miguel e a Laura e são muito simpáticos, e ele é particularmente afectuoso. E está muito pouco vestido. Toda a gente está pouco vestida. AS pessoas estão mesmo quase nuas. Há um amigo, um rapaz muito novo, que está mesmo nu, e atira-se para cima de mim, como se fosse uma espécie de brincadeira, e eu estou a dizer-lhe que tinha ficado muito comovida com um texto que tinha lido dele, e ele estava a dizer que era mesmo assim que escrevia, com a alma e o coração. [E depois há um livro que já está pronto, e eu fico espantada com a pressa com que ele ficou assim pronto]
E depois há um burro que vem trazer alguém ou alguma coisa àquela casa. Aliás começa por ser um cavalo, mas depois é um burro. E eu quero ir apanhá-lo para lhe dar de comer, mas ele foge e quando eu o vejo já é um cão. E é um cão um bocado coxo. E o cão foge, mas não é por medo, é por pressa. E volta atrás e apanha um pedaço de comida, e é um pedaço de pão. Eu fico a vê-lo seguir pelo caminho de terra que leva a outros caminhos, só que ele anda um bocado esquisito, meio a correr, meio a coxear. E no meio do caminho há avestruzes mortos. Secas e mortas. Têm os olhos mortos muito abertos.

Ele não é o outro

NOITE DE 8 PARA 9 DE FEVEREIRO DE 1997
Este homem é novo, tem antepassados árabes e a mãe dele tem o curso de conservatório como a m.l., e tem uma irmã, mas anda sempre tão próximo de mim que começo a pensar se não será o outro, mas não tem cabelos brancos, e é mais novo. Depois estamos numa espécie de engarrafamento e ele sai do carro e pede-me que guie, e vai à frente ver o que se passa e dar-me indicações, e eu tenho que saltar para dentro do carro, porque o carro não tem portas, e é descapotável, e é verde. E é um percurso muito pequeno e é sempre em frente. Ando um bocadinho de nada, e tenho algum medo.
E depois estamos num bar, eu tenho um vestido comprido preto, decotado, com uma t-shirt branca de mangas curtas por baixo. Estamos a beber ao balcão e ele quer-me levar a casa da mãe dele a almoçar e já lá está a irmã, e tem tudo muito organizado em função da minha existência. E eu estou a pensar que ele não é a pessoa que eu estou à espera.

terça-feira, 13 de março de 2007

Tenho saudades do camelo

Fevereiro 97 s/data
Estou num centro comercial, e é uma cave, e tenho um casaco azul celeste sobre os ombros, e uma camisola igual de conjunto que levo na mão. E como estou a andar muito depressa o casaco cai, e só dou por isso uns metros à frente. Volto-me e ainda o vejo. Vou apanhá-lo. Caiu numa poça com alguma lama. E a camisola também está ligeiramente húmida de ter caído numa poça parecida. Volto-me contra uma parede para apertar os botões da minha blusa, que não estão fechados e até me está a ser difícil apertá-los. Depois olho para o casaco e a camisola e penso que pena, porque quando os lavar perdem metade da graça. E penso: vou ter de os lavar a seco. E penso: foram caros. E é estranho porque não costumo ter nada de vestir em azul, quanto mais azul celeste.
E depois estou em cima de um camelo, mas é um camelo pequeno, mas não é um camelo criança. É só pequeno. E estamos num quarto andar, a entrar numa loja de um indiano e é uma loja que vende roupa e muitos tecidos. E é uma loja onde não há expositores, as roupas estão penduradas em cordas de roupa, e enquanto vamos avançando o camelo enrola a cabeça, sem querer, na roupa pendurada. E o indiano dá-lhe estaladas, e eu fico zangada, porque o camelo não tem culpa. E tiro a roupa da cara do camelo, ou pelo menos estou a tentar tirar, e o indiano está a dizer que aquilo já causou muitos prejuízos, e eu digo que pago tudo. E depois não sei do camelo e estou tristíssima, e acho que alguém o levou e tenho tanta, tanta pena, porque tenho saudades do camelo.

Advogado, Precisa-se!

NOITE DE 25 PARA 26 JANEIRO DE 1997
Estou numa casa que está em obras, e os trabalhadores estão todos fora, no quintal, e ligam uma máquina que cria, dentro de casa, a ausência de gravidade. E eles têm que avisar as pessoas quando ligam a máquina, mas ou por pensarem que já não está ninguém, ou porque querem lá saber, ligam a máquina. E eu estou na casa de banho, e as janelas estão abertas. Fico muito aborrecida a pensar que um bocado mais cedo e tinha sido colada ao tecto com o rabo ao léu. Mas não chego sequer a ficar colada ao tecto. Entretanto eles vêm-me à janela e põe uma música, ou cantam. É uma música com o meu nome.
Estou um bocado envergonhada por ter que passar por eles, de modo que ponho óculos escuros, e vou sempre a falar com o Berna.
Depois chegamos a uma estação de caminho de ferro porque vamos apanhar o comboio. Está muita gente na plataforma e não consigo subir, porque toda a gente se empurra, e o comboio está a ficar cheio.
E a Susana está comigo, agora. E eu digo-lhe que não é possível subir para o comboio assim. Estou vestida de freira, o que é incómodo, porque o véu, que é um chapéu de pontas reviradas, está sempre a escorregar. É um hábito imposto. E então vemos uma coisa extraordinária. O comboio começa a andar para trás, e toma uma velocidade incrível. E eu digo que sorte não termos conseguido entrar, porque aquela história vai descarrilar com aquela gente toda lá dentro.

E o comboio está a andar cada vez mais depressa para trás, até que faz uma extraordinária inversão de marcha, e muda de linha, sempre a continuar na mesma, com as rodas a chiar em cima dos carris. Parece uma manobra de montanha russa, ou de comboio fantasma, não é uma manobra de comboio normal - estas coisas que só nos sonhos, penso eu a sonhar - e volta a andar na nossa direcção, só que agora não é um grande comboio cheio de gente, é só a locomotiva.
E estamos em Tomar. E eu digo que vou fazer queixa daquele maquinista, e a Susana diz-me que em Tomar a percentagem de manobras perigosas dos Caminhos-de-ferro é tão grande que quase toda a gente é advogado ali. E em todos os edifícios, em todas as lojas e todas as casas, há um advogado. E quando não há, há um letreiro a dizer «advogado, precisa-se». E nós espreitamos para dentro de uma loja de antiguidades, para eu ver se descubro lá dentro algum advogado de carne e osso.

O sonho com Joshua

NOITE DE 25 PARA 26 JANEIRO DE 1997
Joshua vem ter comigo. É uma aproximação muito grande e é uma despedida. Ele abraça-me e eu digo-lhe que tinha passado o nosso tempo. Apesar de tudo o que ele me continua a escrever na vida de acordados. Falamos desses postais e dessas mensagens. E ele diz "mas tudo o que eu escrevi foi com todo o amor e é tudo verdade, só que eu não consegui, eu não consigo."
E eu digo-lhe "eu sei , não te preocupes." A Lu está perto, mas queremos conversar mais e andamos à procura de um sítio isolado para falar, mas não encontramos. Estamos muito comovidos, mas não é um sonho triste.

O sonho dos ovos

NOITE DE 25 PARA 26 JANEIRO DE 1997
Sonhei outra vez com ovos, outra vez com Joshua, com a Susana e com um comboio, tudo em sonhos diferentes.
No sonho dos ovos eu e a Susana chegamos das compras e estamos na cozinha. É uma cozinha grande com uma banca de mármore. Ao pousar o saco das compras percebo que o pousei com muita força, de modo que os ovos, uma embalagem grande, a maior embalagem, se racharam. A Susana diz-me "não fiques preocupada, mas não os guardes assim. Aproveita o que puderes, porque vamos cozinhá-los."
Então abre os ovos, que têm uma gema muito amarelinha, e coloca-os dentro de uma vasilha, e os que não estão bons deita fora. Ela faz tudo em cima da banca e com as mãos. Um ou outro têm lascas de peixe dentro, aliás são ovos de lascas de peixe, e eu junto-os , e fico com as mãos todas embodegadas para os meter num saco e deitar fora. Estamos muito ocupadas as duas naquela cozinha a fazer estas coisas.

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

O Museu de Cera dos Fantasmas

NOITE DE 24 PARA 25 DE JANEIRO DE 1997
Há um rato preto no meu caminho. Parece um monte de pelos, mas quando passo por ele desembrulha-se. É um rato enorme, comprido, quase ameaçador. Sinto-me um pouco horrorizada, mas quando percebo que não me vai atacar, pelo contrário, está a fugir em direcção a uma lixeira que há à nossa esquerda, deixo de me preocupar. Mas atrás de mim vem um rapaz, um miúdo, a correr atrás do rato para o matar. O miúdo tem seis anos.
Então é uma perseguição, com o rato obstinadamente a fugir para salvar a pele, e o miúdo aos gritos com um pau na mão para o matar. Então faz-me impressão, porque acho uma crueldade. O rato às vezes pára e olha, eu só não quero que ele venha para cima de mim, mas não vem. E também há um homem com o miúdo, a instigá-lo a matar o rato. Então eles encurralam-no em direcção a uma casa, é uma casa que parece que tem a fachada de um liceu antigo, depois parece mesmo é a casa da mãe da Alexandra, no Porto, só que é diferente, e eu grito para não fazerem aquilo, e a casa é como se se transformasse numa ratoeira onde o rato se mete, e o miúdo fecha a porta como se fechasse a porta de uma ratoeira, e eu grito para ele não entrar naquela casa, mas ele entra.
E agora estou dentro de casa e é uma casa assombrada. Mas não faz medo porque são assombrações halográficas, uma espécie de museu de cera de fantasmas. Mas são fantasmas coloridos, bem dispostos, figuras de séculos passados. Por exemplo, um homem enlaça duas raparigas, vestidas com umas saias de balão floridas, muito bonitas. Eles sobem e desçem as escadas a cantar. É muito agradável vê-los e ouvi-los. Depois, noutro canto da casa, há personagens também de séculos idos, e é como se cada um tivesse o seu lugar delimitado. Ninguém se atropela.
Depois eu estou no cimo das escadas a falar com a mãe da Alexandra a propósito de uma modista, e depois telefono-lhe e é dificilimo arranjar uma modista. E mesmo aquela acaba por me desligar o telefone porque tem de levar o filho ao dentista.
E depois eu fui à procura dessa modista, mas já estou noutro lado. E é uma casa de campo, e é a casa do Francisco P. D. que está cá fora, no terreiro. E não parece nada a casa dele. E há muita gente a chegar. E dentro de casa, aliás a sair, há também uma porção de gente, e no meio uma garota tão minúscula que acabo por lhe pegar ao colo, espantada por ela não ter ficado pisada ou esmigalhada no meio daquelas pessoas. E pergunto onde estará a mãe dela, mas ninguém sabe. Então a mãe aparece. E pergunta-me se eu preciso de facturas para as minhas despesas, por causa dos impostos. Eu digo que sim, dá-me sempre muito jeito. Ela dá-me facturas no valor talvez de oito mil escudos, e eu fico toda contente, até perceber que ela me está a pedir o dinheiro. E não tenho coragem para não lho dar, apesar de ver que aquilo é uma sacanice enorme, um desplante. E fico irritada por não ter desfeito o negócio das facturas.
E depois cá fora o Francisco está a falar de um galo, um galo enorme que está ao longe pendurado num pau de cerca, e pergunta se gosto daquela carne, só que eu não quero comer aquele galo, e de resto o galo até nem é meu. E naquela casa, naquele terreiro de terra batida está a entrar uma porção de gente com um ar um bocado vadio, um bocado duro. São os sem-terra que o Francisco está a acolher.

Quatro Espelhos, quatro caminhos

NOITE DE 23 PARA 24 DE JANEIRO DE 1997
Uma sala ampliada por espelhos a toda a volta. Estou no centro. Alguém me diz que há quatro direcções, quatro caminhos. Os espelhos indicam cada um o seu, são quatro, como quatro são as paredes. É assustador olhar e ver tudo reflectido até ao infinito. Desvio o olhar do jogo dos espelhos entre si. Há estofos vermelhos e móveis pesados de madeira, e lustres e candeeiros. Os espelhos abrem-se, melhor, é como se para mim eles não fossem uma barreira. Eu cruzo os vários espaços. Alguém me tinha dito que o meu lugar era na realidade, no local onde estava, mas agora eu já não sei onde mora a realidade, nem em qual dos quatro mundos me encontro, porque são todos iguais, e eu não sinto impedimentos quando cruzo as várias direcções, como se os espelhos só travassem a passagem a outras pessoas.
E agora ando pelas ruas, atravesso-as, é um mundo igual, cruzo-me com pessoas, pergunto-me:
"É o mesmo mundo onde estava antes, ou é algum dos mundos dos espelhos?"
E sei que não posso saber a resposta. De modo que agora tenho medo de não encontrar o caminho de volta, porque nem sei se há caminho de volta, como nas histórias de mundos paralelos. Uma vez atravessada a barreira, voltar atrás é impossível, porque deixa de haver um "atrás", na infinidade de caminhos que se cruzam e entrelaçam.
Mas a minha maior angústia é cruzar-me com o meu duplo, porque se os espelhos reflectem toda a realidade, em cada um daqueles mundos há uma de mim. E diz-se que encontrar o duplo é sinal de morte, pelo menos para um deles. Li, antes de adormecer, aliás na noite anterior, num livro do Corto Maltese.

E agora estou outra vez a sonhar com o Joshua, não o vejo bem, mas ele está comigo, e eu tenho uma criança ao colo, e vamos à praia só que eu tenho de levar várias coisas e ele não percebe porque razão uma ida à praia implica tanto saco, e apetrecho. Eu revejo a lista das coisas que preciso, e concordo que é um exagero, mas é preciso creme para o bebé, e toalhas, e escova para o cabelo, e secador (imagine-se!) e fato de banho, e já nem sei que mais, e o Joshua está impaciente, e eu resolvo fazer-lhe a vontade, e digo, já não sei para quem, "para ele é simples, mete-se dentro de água e sai e está tudo bem, mas quando ele me vir toda desgrenhada porque nem sequer levei uma escova, é capaz de não gostar muito."
Mas não estou mal disposta nem irritada. Estou mesmo muito tranquila. Como se soubesse que no fim vou acabar por fazer a minha vontade, dando a impressão que estou a fazer a vontade dele.

sábado, 17 de fevereiro de 2007

Peixes. Muitos peixes.

NOITE DE 22 PARA 23 JANEIRO DE 1997
Sonho outra vez com peixes, muitos peixes, estamos a comer à mesa de alguém que não identifico, mas é uma mulher e o marido dela é pescador, e vivem talvez em Setúbal, e ele não está presente, mas ela até está a dizer-nos que nos vai arranjar-nos caixotes de peixe, e assim escusamos de comprar, porque o peixe fresco está tão caro. E eles têm todo o peixe que querem porque o marido tem barcos.
E já não me lembro de mais.

Ondas enormes caem sobre a casa

NOITE DE 21 PARA 22 DE JANEIRO DE 1997
Uma casa ao pé do mar. As paredes são de vidro. Vidro muito grosso. As ondas caem em cima da casa com um fragor espantoso. É um pouco assustador. Mas eu sinto que a casa é segura e aguenta. É uma casa construída para estar ao pé do mar e aguentar com as marés.
Então alguém diz «agora vem aí mais uma! Está é que é forte, cuidado!». E como por vezes as ondas quase enrolavam a casa, penso, se esta é que é forte pode ser um abraço de rebentar com as paredes ou com o tecto. Então começo a pensar por onde posso sair, mas sair, não sei porquê, não é boa ideia. Mas afinal não aconteceu nada de tão dramático, e eu venho até à porta, e encostado à porta está o homem que tinha lançado o aviso. E o homem está a rir. Diz:
“Era uma Honda. Sim, não deixa de ser uma honda, mas não era dessas que estavam à espera”.
Uns metros à frente da porta, está um rapaz parado numa mota potente. E o motor está a trabalhar. O chão ainda está húmido das ondas.
Então eu e a Susana, depois ou antes, não me lembro, estamos dentro de casa a cozinhar. Eu estou a fazer mousse de chocolate, com tantas gemas que dá vontade de comer mesmo assim, e ela está a fazer licor de medronho. Depois chega um grupo de políticos, só que são políticos-estudantes, têm todos 20 anos. E ficam parados à porta. Eu digo-lhe que não pensem vir rapar as vasilhas nem as colheres, porque eu é que vou fazer isso. E rio-me, porque é verdade e eles também se riem. E a Susana pergunta se querem provar a aguardente de medronho, e eles querem, e eu também, apesar de não gostar de aguardente. Só quero mesmo provar.
E é muito bom, apesar de não gostar. E ela diz que, este ano e por causa das chuvas, a aguardente não está tão boa porque está mais aguada.


(Depois acordo e depois volto a adormecer)
E depois estamos num jardim que dá para uma casa, e há uma janela aberta que dá para um quarto, e dentro do quarto, sentado em cima de uma cama de pernas estendidas, está o Marcelo Rebelo de Sousa a falar ao telefone. Ele está a falar muito baixo, mas estranhamente ouve-se tudo cá fora com perfeita nitidez. E ele está a dizer que há fugas de informação no seu gabinete. E por causa dessas fugas de informação é que as sondagens dão o PSD tão em baixo, porque que as campanhas são fantásticas, e os resultados seriam muito melhores se não fossem aquelas fugas de informação. Cá fora, nós estamos a ouvir e a comentar que as campanhas eram uma porcaria, e que ele está profundamente equivocado, ou iludido.
E sonho outra vez que estou grávida, mas é uma coisa espiritual e uma gravidez que não vai ser de um filho de carne e osso. E eu estou muito contente, como se finalmente aceitasse neste, todos os outros sonhos em que sonhei que estava grávida e tinha tanto medo. Agora eu percebo. Agora eu percebo tudo.
imagem: http://www.svms.santacruz.k12.ca.us/Computer_Class/comp/lexi%20w/big%20wave.jpg

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2007

A pele do peixe fica agarrada

NOITE DE 20 PARA 21 JANEIRO DE 1997
Sonhei toda a noite, ou grande parte dela com peixes. A última vez estou a grelhar postas de peixe-espada num fogão a carvão, e aparentemente alguma coisa não está a correr bem porque a pele das postas fica agarrada aos ferros do grelhador

Tão tranquilo e tão em paz

NOITE DE 19 PARA 20 DE JANEIRO DE 1997
Estou num Centro comercial a escolher perfumes. Há duas lojas, uma no primeiro andar outra na cave. Vou às duas para ter a certeza de que escolho o perfume certo, e aliás na loja do primeiro andar nem encontro nada de especial, porque estão mais especializadas nas essências que vendem a peso, e que não são de grande qualidade.
A empregada diz-me que na loja da cave há mais escolha.
E é verdade. Eu quero comprar dois perfumes, não por necessidade mas por aquele impulso que nos leva a desejar ter perfumes. Provo vários, há frascos lindíssimos, procuro os mais recentes.
Na cave há duas salas de cinema. Numa delas passa o filme «O ABC do Amor», do Woody Allen, só que em vez de ser aquele filme cómico parece ser outro, porque é a preto e branco e os actores que aparecem nos cartazes têm um aspecto mais sério, como se o argumento fosse romântico. Mas eu não tenho tempo, agora, para ir ao cinema.
Cá fora dois travestis entram comigo num carro onde já está um homem. Estamos os três no banco de trás do automóvel, o homem é rico. Sinto-me apertada e tenho medo, porque a cena parece que pode tornar-se pesada. Peço para sair e ir comprar cigarrilhas. O homem, que tem as pernas dos travestis em cima dele, (e eu estou de frente para ele sentada e mal nos seus joelhos, com uma perna de um deles a sair pela janela), diz que não preciso de sair porque tem cigarrilhas ali, e não vale a pena.
Antes, ou depois? vi o Zé no primeiro andar de um edifício, talvez aquela espécie de Centro comercial onde comprei os perfumes. Ele tem a boca pintada e pó de arroz. E penso, olha que bem que ele anda, tão tranquilo, tão em paz.

domingo, 11 de fevereiro de 2007

"John you faded"

NOITE DE 18 PARA 19 DE JANEIRO DE 1997
Estou algures, talvez no Alentejo, quando se torna conhecida uma decisão do governo: cortar a energia eléctrica a uma aldeia completamente habitada por norte-americanos que se recusam a pagar as suas contas de electricidade. O Presidente Sampaio é amigo do presidente americano, contudo este envia-lhe um telegrama em que lhe diz: «John you faded».
Estou na redacção de um jornal local. Ninguém parece, contudo, dar muita importância aquilo. Eu sinto vontade de rir perante o teor daquele e de outros telegramas que traduzo por «John estás fodido». Não tenho a certeza de que é esta a tradução, e procuro um dicionário. O director do jornal local é um padre, que não percebe muito o meu empenho de fazer uma notícia sobre o assunto, mas eu explico-lhe que pode ser a oportunidade de fazer o seu jornal crescer de importância. De resto, apenas me encontro ali por acaso. Depois convenço-o a mandar-me com um fotógrafo até à tal aldeia de americanos agora sem luz eléctrica nas suas casas.
Mas agora estou com um pequeno grupo de soldados, e eu também pertenço a essa tropa especial. O nosso aquartelamento é mais ou menos no deserto, e portanto tem um ar transitório. Eu escolho a melhor das casas de banho, que mesmo assim não é nada de especial, e tenho que a dividir com outra pessoa. Vou ter com o general peço uma só para mim, “e tem de ser boa”, mas ele explica-me que eu fiquei com a melhor casa de banho das redondezas, basta ir comparar com a dos outros, que até têm que a dividir com mais gente. Então compro alguns objectos básicos de limpeza, nada de muito sofisticado: esfregona, balde e pano de pó, para a manter em ordem. A dos outros é um pouco mais confusa, porque há muito roupa pendurada atrás das portas.
Entretanto vamos a caminho da nossa missão, e subitamente o grupo divide-se em dois, e torna-se antagónico. De um lado os anteriores camaradas, que agora são americanos e disparam contra nós. Somos poucos, estamos separados por montículos, à distância de meia dúzia de metros, e estamos muitíssimo bem armados. Ao meu lado um dos soldados tem um lança-morteiros. Peço-lhe que dispare rapidamente ou corremos o risco de morrer todos. Ele põe uma pistola na minha mão. É tão pesada que a mão até cai. Faço um esforço, uma vez que sou soldado, e ergo-a tentando não tremer a mão para fazer pontaria. Digo ao soldado ao meu lado que vá por trás dos montes desarmar de surpresa os inimigos. Agora à minha frente está só um, que é um perigo. Aparentemente todos os outros se acalmaram, e ninguém ficou ferido. Isso é espantoso,
Mas aquele é perigosíssimo, porque está artilhado de bombas de alto a baixo. Granadas pendem-lhe do peito, coisas ainda mais sofisticadas que granadas amarram-se-lhe à cintura. Exijo que se renda. Ele tem um olhar parado de quem não compreende, ou de quem não tem já nada a perder. Diz “se me tocarem vamos todos pelos ares”. Então ouço a voz da Tita, ao meu lado, dizer que o tem sob a mira e que, ou ele se rende imediatamente, ou leva um tiro na cabeça e morre instantaneamente.
Há um longo momento de silêncio e de suspense. Nós todos pensamos “porque raio não dispara ela de uma vez? é menos um perigo para todos”. Mas ela insiste. E ele acaba por se render, ou seja, larga o fio do cordão que ameaçava puxar e que despoletaria a bomba que nos faria ir a todos pelos ares. Pomo-nos a caminho e somos de novo um grupo coeso, o mesmo corpo de comandos. Há homens e mulheres no grupo, mas não somos mais do que cinco, penso. Digo à Tita (nunca a chego a ver) que ela é um espírito muito elevado, para ter tido um inimigo sob a mira e poupar-lhe a vida. É preciso estar muito acima na escala evolutiva humana, para reagir dessa forma. Ela explica-me que não foi só por isso, embora seja sempre de evitar matar os inimigos. Mas o que a impediu também de o fazer foi uma questão de inteligência, porque se o atingisse, mesmo depois de ele ter largado aquele cordão que estava ligado à bomba, as suas mãos ao escorregarem ao longo do corpo iam despoletar outro engenho, mais perigoso ainda, que estava guardado ao nível das virilhas. Assim sendo só havia uma maneira que era dominá-lo de forma psicológica, a fim de que, e por sua vontade, ele desistisse de nos fazer explodir a todos.
Vamos a andar e eu reparo que, para além dos trajes militares em caqui, etc., estamos todos muito bem calçados, com botas sólidas. Uma das mulheres-soldado acho que está com ténis. Falamos de sapatos, e eu digo que, apesar das minhas, das nossas botas, serem muito boas, agora há outros materiais que ainda são melhores, e que era bom substituir o nosso equipamento. Basicamente os sapatos.
As forças vivas da terra estão num palanque, é uma coisa um pouco desorganizada, porque a terra é pequena, e se calhar também não estavam à espera que aparecêssemos naquela altura. A gente não lhes liga, porque os militares não prestam muita atenção aos civis. E aquilo é um bocado saloio. Nós nem estamos a marchar afinados, mas também não é preciso. Cumprimentam-me e eu respondo fazendo uma continência, sem ligar, e a rir. Pergunto ao soldado ao meu lado se fiz bem e ele diz que sim, que é mesmo assim, mas que se quiser fazer a coisa mais a sério tenho que levantar bem a perna esquerda e marchar, não me lembro dos pormenores.

Cães de guarda vêm ao nosso encontro

NOITE DE 16 PARA 17 JANEIRO DE 1997
É uma daquelas terras que conhecemos em viagem. Espreito por uma janela para ver um portal recortado sob não sei que espécie de luz. Vista assim, aquela construção revela outra atrás, lindíssima, um pouco medieval. Ponho-me em cima de um banco de pedra, embutido na parede para olhar. Depois resolvemos subir por uma escadas, também de pedra, exteriores, que dão para uma cúpula ou um caramanchão de onde podemos ver muito mais. Há uma amiga comigo que conhece aquilo. As escadas são muito estreitas. Quando vamos a descer cães de guarda vêm ao nosso encontro. Rosnam. São perigosos. Penso, não posso mostrar medo, e para não mostrar medo não posso sequer senti-lo. Estendo-lhes a mão, avançando o braço porque quase não há espaço nas escadas estreitas. E eles cheiram a minha mão e vão-se acalmando. Até abanam o rabo como se me reconhecessem. E depois aparece um criado daquela casa, e depois o senhor daquela casa, e ficam espantados por nos ver naquela situação, até porque não era preciso. Bastava termos tocado à porta. E convidam-nos a entrar.
E depois, sei que estou em Espanha a caminho de Portugal, é a mesma terra de há bocado, e encontro o Joshua que vem de Portugal a caminho de Espanha. E percebo que ele fez isto para me encontrar. E que como eu nunca mais não lhe disse nada, nem sequer respondi aquele seu recado sumido no atendedor de chamadas, está a começar a ficar inquieto. Ele tenta falar comigo, mas estou completamente desinteressada, e ele não sabe o que há-de dizer ou fazer.

sábado, 10 de fevereiro de 2007

Uma ilha muito próxima de terra


OUTRO ANO: 1997

NOITE DE 10 PARA 11 DE JANEIRO DE 1997
Por uma razão que ignoro sou condenada, juntamente com um rapaz brasileiro. Eu não cometi nenhum crime, ele sim. A pena que lhe dão a ele é de morte. A mim não sabem, mas estão a deliberar de modo que, não sendo a pena máxima, seja pesada. Estou tão indignada pela injustiça que exijo que me condenem à pena capital. É meu direito reivindicá-la. Eu sei que isso cria um grande constragimento nos orgão de cúpula judiciais.

Movimento-me numa cidade, ou num território, ou seja lá o que for, que é uma casa de muitos andares. Em liberdade. Num dos quartos está o tal rapaz brasileiro. O padre Pedro anda por lá.
Então, e de repente, é véspera de minha morte. Tomo consciência disso de uma forma avassaladora. Penso: agora tenho de escolher a melhor forma de morrer.
Visualizo-as a todas: enforcamento. Vejo-me pendurada por uma corda diante de meia dúzia de pessoas sentadas numa sala como se fosse uma sala de aulas. Acho ignominioso que a minha morte seja assim, e exijo, na projecção mental, que cubram o meu imaginado corpo com capuz até aos pés. Mas assim baloiço imaginariamente com falta de ar, mesmo antes de morrer. Desisto do enforcamento.
Passo ao fuzilamento. Vejo-me diante de um pelotão que atira sobre mim. E surpreende-me a dor que sinto. As balas traçam no meu corpo dores ardentes. E é tão estúpido morrer assim.
Visualizo o gaz. Penso: assim é rápido e indolor. Mas quando me visualizo amarrada naquela cadeira, e a ampola larga o veneno, sinto um pânico horrível e penso que não posso, não devo morrer com aquela sensação pavorosa de medo e de claustrofobia.
E percebo tudo: estou demasiado saudável para poder morrer. É anormal deixar-me matar assim. Ando pelos corredores com este pensamento a queimar-me.
Tomo a decisão de fugir. Urgentemente. Os conceitos, as palavras, que importa tudo isso diante do absurdo da minha morte no dia seguinte, por uma falta que não cometi?
Chamo a Tita. Ela sai de uma igreja onde estava a assistir à missa rezada pelo padre Pedro, uma capela de Centro Comercial, e um pouco atrás dela vem a Ninor, velha e curvada, mas indiferente ou inconsciente em relação ao que se passa. Penso: "lá anda ela a fazer de conta que reza pelos filhos."

Chamo a Tita à parte. Peço-lhe que meta dentro da mochila do Nuno, aquela que ele me empresta de vez em quando, os básicos da minha partida. Roupa interior, os meus cremes, uma água-de-colónia, pouco mais. Falamos em sussurros. Dinheiro não preciso, tenho o suficiente. Próximo, o padre Pedro está no quarto do brasileiro, suponho que a prepará-lo para a morte imediata. Mas não há nenhuma tensão, nenhum drama, nenhum desgosto no ar.
Eu vou fugir para muito próximo, que estranho. E não é por terra que vou partir. É por mar. Ou pelo Sul ou por Ocidente. Sei que há uma ilha muito próximo de terra, uma coisa tão próxima que se atravessa a vau. Tem de ser assim para eu continuar a cumprir o meu Sonho na vida de acordada. Vou para outra terra tem outra jurisdição. Ali estou salva.
Imagem: http://www.jeffpritchard.com/index.html

terça-feira, 6 de fevereiro de 2007

O crocodilo é albino e não tem dentes

Noite de 14 para 15 Dezembro de 1996
Um pequeno quiosque circundado por um cordão de monumento. Parece uma antiga cabine telefónica preservada para a curiosidade do futuro. O telefone não funciona. Ergo o cordão que a protege simbolicamente, porque é mais fácil passar por baixo do que saltar por cima deste frágil obstáculo. A Tita está comigo e eu continuo a segurá-lo para ela passar. Então, atrás de nós, a estrutura frágil, de madeira, da cabine, oscila e quase cai. Fica tombada num equilíbrio instável e eu ouço as vozes risonhas de uns turistas que andam por ali a fotografar curiosidades e que me exortam a não deitar tudo ao chão. Pelo menos enquanto as fotografias não estiveram completas. Fico embaraçada e quero ir logo embora daquele local, mas a Tita fica a falar com eles e não se despacha.
Então avanço até um tanque de lavar a roupa quase em frente, do outro lado da estrada. E vejo que a superfície das águas agitar-se e percebo a sombra de um pequeno réptil que assoma à superfície. Retiro a mão que avançava para a água. A Tita chega e, com um dedo, aflora o ponto onde emerge a cabeça do réptil e eu digo-lhe que tenha cuidado porque parece um crocodilo.
E é um crocodilo que acaba de emergir, agora já em ponto grande. Recuo ainda mais assustada, mas a Tita continua ali, ao lado, a mão quase a afagar a cabeça do monstro que é albino e manchado e abre a boca enorme de onde os dentes parecem ter sido arrancados porque só se vêm umas lascas de osso.
E o crocodilo abre a boca inútil como se bocejasse. Mas logo a água se agita de novo com outro crocodilo que começa a emergir. Mas parece que aquela raça de crocodilos não tem dentes. Já não tem dentes.
E depois sei que estou grávida. Vou ter mais dois filhos. Lembro-me então dos outros sonhos em que sonho com essas gravidezes inesperadas e totalmente inoportunas. Só que agora percebo que esta é uma decisão minha que só tem a ver comigo. Sei que preparei tudo isto, removi obstáculos, e determinei que o meu ventre estivesse pronto para tornar possível consentir neste destino. E penso: “desta vez não sou apanhada de surpresa. Fui eu que determinei isto porque é assim que deve ser.”
E depois há uma mulher que cai das escadas com tanta força e tanto barulho que corro para a ajudar a tempo de ver que ela não está mais do que atordoada e aflita e então acordo.

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2007

Eu, Joshua, o amigo recente e a noiva no super-mercado

1996, Julho, s/dia
Vou a um super fazer compras. Viajo através de uma cidade de Domingo, e acho que vou de mota. Estou nos subúrbios ou fora do meu lugar de viver. O super-mercado é um conjunto de grandes armazéns cheios de coisas para a casa. Quero comprar mas não tenho dinheiro. Entretanto a Tita aparece e diz que já tem os dois cheques do Jornal. É mais do que suficiente. É o que estava combinado. Quase me passo de contente. Depois vou ao super mas a Tita tem o mesmo carrinho que eu, e eu não quero, porque ela já está despachada e eu tenho de ir à carne que é no rés-do-chão, melhor na cave, e é preciso descer umas rampas inclinadíssimas. A Tita leva outro carrinho. Acho que não chego a descer completamente.
Encontro outro amigo recente. Depois passa por mim, no corredor deste armazém, o Joshua. Não me fala. Fico chocada, porque ainda há muito pouco tempo me escreveu. Volta a passar e eu cumprimento-o, e então ele responde, mas tudo ao longe, sem dar mostras de se querer aproximar.
O meu amigo recente está sentado aos pés de uma cama de casal, e diz-me que o Joshua está ali porque veio ver uma colega analista, que trabalha no mesmo Centro de Saúde onde ele dá consultas, com o pretexto de fazer umas análises, mas a mulher é lindíssima e é só um pretexto. Depois vejo a Mimi que me diz que o Joshua se esconde e que os nossos contactos são sempre assim no desencontro, e que não a espanta nada. Aquilo é a confirmação.
Entretanto aproxima-se de uma das portas de saída – que não é porta de entrada – uma noiva recém-casada, de véu e tudo, a empurrar um carrinho de compras para ir ao super. Falamos através dos vidros sem se ouvir nenhum som. Nós a dizer que ela não pode entrar por ali ela a perguntar então por onde? O cortejo dos convidados aproxima-se e junta-se diante daquela porta por onde não podem entrar. Até é cómico porque eles não estão aborrecidos. E estamos todos a rir. Cá dentro, comigo, junta-se imensa gente conhecida, minha conhecida. Uns são pintores, outros cantores.

quarta-feira, 31 de janeiro de 2007

A Verdade da Mentira parte II

1996, Julho, s/dia
Alguém cometeu um crime. Eu estava lá. Não vi, mas soube, de algum modo, que estava lá. Fugi, mas deixei naquele local a minha carteira. Uma carteira que uso muito poucas vezes. A presença da minha carteira no local do crime, contudo, é um indicador muito forte da minha culpabilidade. Depois, estou a procurar activamente o meu passaporte. Esvazio gavetas sem o encontrar. E no entanto preciso muitíssimo dele porque tenho uma viagem de trabalho fora da Europa, e preciso de tratar de vistos, etc. Então dizem-me insistentemente para ir buscar a minha carteira para apagar os vestígios da presença no local do crime. Mas quando volto há um cordão em volta do cenário do crime. Passa-se por uma espécie de corredor traçado por cordões, numa sala muito grande. As pessoas desfilam e identificam os objectos expostos como se fosse uma espécie de museu. E atribuem ou tentam atribuir-lhes a procedência. Não tenho qualquer hipótese de recuperar a minha carteira, e fico muito aliviada porque a uso tão pouco que ninguém se lembra de a relacionar comigo.
Depois afasto-me deste cenário, e vou a um local fora do Tempo e do Espaço, onde me encontro com o Victor. É um encontro só de pensamento. Não há lá nada, nem mesmo nós como costumamos ser nós. Só o nosso pensamento. Digo-lhe: "É uma situação como esta a que te referias, quando estavamos descodificar os meus sonhos anteriores com o Inquisidor? Este sonho é uma espécie de aula prática? "
Ele confirma.
Volto ao sonho, mas agora já sem medo. Tudo perdeu a importância, porque sei como proceder nestas circunstâncias. Depois há um aeroporto. Mas a partir daqui é confuso.

Sonho do metropolitano

Julho 1996 s/dia
Há uma estação de metropolitano que vai ser inaugurada, e eu tenho alguma coisa a ver com isso, pelo menos estou lá em baixo, no meio de tuneis estreados e por estrear. Avanço por um deles, recém terminado, mas ainda em fase de acabamento nos retoques. Há muita humidade no chão e nas paredes. Algumas têm rachas. Fico preocupada, porque este túnel está construído sob o mar. Penso: terá estrutura para aguentar? Depois reparo que as rachas são mais de mau acabamento em paredes secundárias. As vigas, as traves mestras, o tecto, parecem sólidos. O chão está empoeirado, como quando as obras ainda não acabaram de vez e pisamos pedaços de areia com cimento. Avanço. Tenho algum receio. O tunel é muito grande e eu tenho medo de ter medo de estar ali. Então vejo a luz do dia coada numa cortina de luz em diagonal, e nessa luminosidade baça que atravessou vidros ainda sujos para vir bater neste ar e neste chão, dançam miríades de insectos minusculos à mistura com grãos microscópicos de poeira. Avanço, feliz, para a luz do dia, e vejo que está no que vai ser, brevemente, uma nova paragem do metropolitano. E fica ali nas ruínas do Carmo, e é uma paragem meramente turística, embora também possa servir as pessoas que trabalham.

terça-feira, 30 de janeiro de 2007

A Verdade da Mentira parte I

Julho de 1996 (s/dia)
É um sonho com um filho, penso que o Lula. A história consiste nisto: ele, ao dizer a verdade não sei a propósito de quê, condena-me à morte. Tudo se passa num ambiente extremamente tranquilo, como se fosse absolutamente normal este tipo de procedimentos. É como se estivessemos a viver agora, e simultâneamente noutro tempo anterior, quando havia Inquisição.
Toda a gente pressiona o Lula a mentir, para me salvar. Ele recusa-se. Eu não tenho coragem de lhe pedir isso. Penso. Tantas vezes lhe chamei a atenção sobre o erro da mentira, não vou agora convê-lo a mentir só porque agora me convém. O surreal é que o castigo é totalmente desproporcionado em relação ao acto, que é tão irrelevante que nem me recordo do conteúdo. O Inquisidor é meu amigo. Não pode abertamente incitar-me à mentira, mas convida-me a ir, de novo, com ele, confirmar as declarações do meu filho, antes que o processo siga os trâmites irrevogáveis dos tribunais.
O Lula está no quarto com amigos a jogar cartas. O quarto tem computador, está desarrumado, alguns rapazes estão estendidos em cima de camas a ler, outros no chão a jogar.
O Lula fica contrariadíssimo. Os amigos ainda vão dizer qualquer coisa, mas eu interrompo-os e peço-lhes que saiam. Ele fica mais tranquilo. Ficamos só os três, eu, ele e o Inquisidor. Sento-me ao pé dele, e ele encosta-se a mim como quando era pequeno. Deita a cabeça no meu colo e pergunta: e agora o que faço? Respondo-lhe, ao ouvido: podes mentir ou podes continuar a dizer a verdade. Se mentires eu salvo-me. Mas é contigo.
O Inquisidor faz de conta que não percebe o nosso diálogo que foi rapidíssimo e em voz baixa.

sábado, 27 de janeiro de 2007

Sonho do Avião

Julho de 1996 (s/dia)
Estou numa rua larga, com prédios altos. Olho para o céu e vejo um avião a passar. Está uma pessoa comigo, uma amiga, creio. O avião é lindíssimo, ou pelo menos é assim que me chamam a atenção sobre ele, dizendo que aquele é o modelo de avião que sempre preferi sobre todos os outros. Sei que é um avião francês, mas não é o Concorde. No momento seguinte as asas do avião soltam-se e caiem quase sobre nós. As asas caiem no chão, a poucos metros de nós, com um ruído metálico que fere os ouvidos, mas não fere mais nada. Ninguém é atingido.
No momento a seguir olhamos para o céu. O avião, é evidente, vai cair.
Mesmo em cima do prédio em frente de nós.
Não há tempo para fugir, e também fugir para onde? O impacto do choque vai atingir toda a gente que ali se encontra próximo. Ainda penso abrigar-me dentro do próprio prédio. Mas a sequência do acidente é muito rápida.
No momento seguinte o avião cai em cima do prédio.
Depois há vozes a dizer, que sorte, ninguém morreu, e os pilotos (ou o piloto?) conseguiu saltar a tempo.
Os bombeiros chegam mas não é preciso. No alto do prédio nem sequer há labaredas. Uns rolos de fumo saiem do telhado, mas é um fumo de nada. O telhado do prédio sofreu um impacto tremendo, mas não ficou danificado por isso.
Sinto um alívio enorme.

SONHO DAS MEDUSAS

Julho de 1996. Não anotei o dia. Recordei-o ao folhear um Science et Vie dedicado aos oceanos.
Uma praia ao pôr do sol. Um mar coalhado de medusas. Lindíssimas, enormes, opalescentes. Há cada vez mais e eu estou a tomar banho e tenho medo que me toquem, porque são venenosas. É estranho ver tantas neste mar português, porque me lembro de só ver tantas assim no Índico, que é, por vezes, um mar escuro, quase barrento.
De qualquer maneira entro e saio da água sem ser atingida. Depois, com um pedaço de bambu ou de madeira agarro numa que estava quase na areia e transporto-a assim, de braço estendido, até uma cova grande onde está aninhado um organismo qualquer. É um animal muitíssimo primitivo, se calhar tão primitivo como a medusa, e atiro-a para o buraco. A criatura que lá se aninha é carnívora. Devora a medusa num ápice.
Quase sinto remorsos.

Passo por uma esplanada de carro

NOITE DE 30 PARA 1 DE JUNHO DE 1996
Vou num carro descapotável, com alguém a conduzir e passamos por uma esplanada. Vejo uma mesa com várias pessoas sentadas, a estudar. O Paulo AB é uma delas. O meu coração dispara.Não tanto pelo facto de o encontrar, mas pela contrariedade de ele me encontrar a mim. Não quero que ele me veja. Peço para acelararam o carro, e seguro o cabelo, que, com o vento, me começou a bater na cara. Apercebo-me, ao passar, que ele está a conversar com um amigo. Há mais duas mulheres na mesa, mas muito diluídas, uma de costas, outra de frente.

O maravilhoso jardim botânico está a morrer

NOITE DE 1 PARA 2 DE JULHO DE 1996
Estou à janela de uma casa, é a casa do Zé , só que tudo encolheu de uma maneira atroz. A terra está seca, esfolada, e ressequida, e o maravilhoso jardim botânico deu lugar àquele espaço árido, onde arbustos amarelecidos lutam contra a morte. Havia um jardim de catos, vê-se pelo chão coberto de pedrinhas negras, mas os próprios cactos estão desmaiados. A parede da casa está semi coberta por uma trepadeira de malvas ou sardinheiras. Só que ninguém parece perceber o estado a que chegou aquele jardim. O Zé fala como se tudo estivesse na mesma. E eu penso, que horror, as pessoas não se dão conta das transformações, a não ser quando se afastam? Porque ele diz que realmente está tudo um pouco mais seco, porque há problemas de água, mas é um problema já resolvido.
Penso: e agora o que vem aqui fazer, nesta desolação, um estagiário de botânica?
A paisagem em redor é também ela semi-desértica, e avança como se preparasse para engolir as poucas árvores que teimam em viver.

domingo, 21 de janeiro de 2007

A abelha cura a minha ferida


NOITE DE 17 PARA 18 DE FEVEREIRO DE 1996
Vou por uma estrada fora, sentada na capota de um automóvel, e a certa altura o carro cruza uma estrada cheia de abelhas. Vejo-as pousar nas minhas pernas estendidas e fico assustada. Tento não me mexer para não ser picada. Com gestos suaves, exoto-as, e o vento da deslocação ajuda a afastá-las. A minha perna esquerda, reparo de repente, tem uma ferida. Uma bolha de pus. Uma abelha enorme voa na minha direcção e eu tremo só de pensar que me pode picar na ferida. Ela pousa exactamente ali. Espero, em agonia. Ela agita as asas, e docemente pica-me na ferida. Espantada reparo que não me doeu. Vejo o pus a sair, e a abelha drena-me a ferida, com uma atenção cirúrgica. Tem um ferrão na boca, como se fosse um êmbolo, que aspira o resto das impurezas. Com um ligeiro frémito de asas limpa-me a perna. Depois, no local onde estava a ferida injecta-me um soro, um liquido translúcido que forma uma bolha sob a pele, e que eu sinto entrar directamente nos vasos capilares para me secar, curar e desinfectar a ferida. Sinto um imenso alívio. E uma gratidão profunda.
Imagem: http://www.answers.com/topic/bees-wings-web-jpg
O PAULO SONHOU connosco: o sonho da raspadinha, o sonho do labirinto e do homem invisível e o sonho do fantasma da avó.

sábado, 20 de janeiro de 2007

Carícias de Amantes criam Novos Mundos

NOITE DE 16 PARA 17 FEVEREIRO DE 1996
o Paulo B. teve um sonho lindíssimo, connosco, e é esse que vou escrever:
“Avançamos por uma vastidão, um deserto imenso, e uma terceira pessoa acompanha-nos. Não me lembro se é homem ou mulher. E à medida que andamos vamos fazendo jogos eróticos, e desses jogos de carícias e sedução, nascem, sob nossos passos, como se fossem cogumelos, povoações e vilas, cheias de pessoas, a fervilhar de vida”.

Três mulheres e um rato


NOITE DE 8 PARA 9 DE FEVEREIRO DE 1996
Duas ou três mulheres perseguem um rato, gritando. Estamos em casa do Zé M.N., onde voltei para buscar um guião do programa. Eu estou com pressa e quero demorar pouco tempo. Depois o telefone toca e acontem muitas coisas, e vou ficando. Estamos na cozinha a ouvir os gritos das mulheres pela casa toda. Vemo-las passar, na sua correria, de um modo quase subliminar. O rato, que já tinha saído, volta a entrar em casa. Elas perseguem-no com a vassoura, mas falham os golpes. Estou enojada.
De uma das vezes que o rato passa por mim, a correr. Levanto as pernas, para ele não se enredar nos meus pés, e deixo-o passar, sem entender o histerismo provocado pelo sua presença. Nessa altura olho para o rato que está num canto da cozinha, à entrada de um buraco salvador, sem contudo se enfiar dentro dele. Ele volta-se para mim, para nós, porque entretanto a cozinha encheu-se de gente, e grita, guincha, pondo as patas acima da cabeça, numa mímica quase humana, de desespero e de raiva, como quem diz, estou exausto e cheio de raiva e não vou fugir mais.
Pergunto: “porque querem matar o rato? Fazer uma desinfestação à casa ou ao quarteirão, tudo bem, mas perseguir um animal sózinho, numa caçada tão desigual é desumano, é errado.”
Depois vejo, como se fosse num filme, os planos dos olhos das pessoas a olhar na direção do rato, e todos, em silêncio, deixam o animal partir, e afinal é uma fémea, muito digna, com umas orelhas espetadas como se fosse um gato (?), com uma cria agarrada às suas costas, e estamos todos muito espantados, e ela mete-se, finalmente, no seu buraco próprio.
Dados possíveis de levar em conta. Entramos no Ano do Rato.

quarta-feira, 17 de janeiro de 2007

Gente Portuguesa dos Painéis

16 PARA 17 DE NOVEMBRO DE 1995
Ando num quintal de uma quinta, meio às escuras, a limpar, com pedaços de algodão, manchas de sangue menstrual no empedrado do terraço, mas já não vejo bem onde estão todas. Depois vou a um encontro com Portugueses. São muitos, rostos anónimos que me recordam as figuras dos Painéis. Comparo estes portugueses, baixos, entroncados, fortes, de olhar franco, nobre e leal, rude mas sensível, com outros arquétipos, e percebo que este é mesmo o meu povo. De algum modo é um povo exilado. Só vejo homens e rapazes.
Depois há uns quartos, umas dispensas, onde as pessoas vão dormir, enroladas como se fossem crisálidas. Põem-nas numas prateleiras, umas por cima das outras, e faz-me impressão. Mas a mulher que toma conta da dispensa explica-me que aquele processo é bom, e as pessoas não se incomodam, porque entre umas e outras prateleiras há mesas iluminadas por candeeiros pequenos, com espaço e luz suficiente para as pessoas se sentarem a escrever.
Depois fecho-me na mesma dispensa, mas sozinha. Com uma mesa onde se escreve. Faço isso sozinha. Depois vou com a Tita omprar umas botas. Só que não há, à vista, para o meu tamanho, e estou cheia de pressa. Mexo nas botas e nos sapatos expostos, mas não gosto de nada. A empregada está ocupada a atender outras pessoas.

O corno do unicórnio brilha na escuridão do sangue

NOITE DE 15 PARA 16 DE NOVEMBRO DE 1995
Estou com a Su e o V. morreu. Sentimos uma grande alegria porque comentamos uma com a outra que agora, e finalmente, o V. pode voltar a ser, inteiramente, o que era, e é muito forte aquela noção de que, de algum modo, ele recuperou o ser que era antes da doença, embora num estádio superior de desenvolvimento. Mas, e ao mesmo tempo, há uma saudade muito grande: “Tu ouves-nos e vês-nos, dá-nos um sinal da tua presença” – pedimos, mas só sentimos aquele calor invisível da sua energia radiante. É um sonho muito mais vasto de que já não recordo os pormenores.
[Nesta altura a Su teve, também, um sonho muito estranho com o V. Estava com ele num quarto e as vísceras escorriam-lhe do ventre dele, e ela tentava organizar aquele caos de entranhas e sangue, muitíssimo calma e decidida no meio do caos. Ali, ela sabia, houvera um crime medonho. E no meio deste caos, da sujeira, e do corpo morto, da cabeça dele, saía como que um corno de unicórnio, inconcebivelmente luminoso e iridiscente.)

O mapa das estrelas

NOITE DE 12 PARA 13 DE NOVEMBRO DE 1995
Sonhei com o meu irmão Paulo, com o mapa das estrelas, com uma fuga e já não me lembro do resto. Com o Paulo encontrávamo-nos numa carruagem de comboio, parece que alguém ia a fugir de alguém. Depois havia uma discoteca e eu dizia-lhe para irmos até lá conversar. O mapa das estrelas era um livro, porque as páginas do mapa eram tantas que se tornava difícil ou impossível fazer apenas um desdobrável. De modo que víamos o céu página a página, em sequência, com as estrelas, as constelações, as nebulosas, os espaços intergaláticos e os buracos negros, e, atravessando tudo isso, as linhas a branco das rotas interestelares.
E o Luís A.R. tinha vindo de Vega, em Orion [confirmar se é assim: Vega é na Constelação Lira], e eu dizia aos meus filhos para verem, no livro que eu desfolhava, o percurso dele traçado na rota assinalada. Mas havia muito mais rotas no vastíssimo mapa tridimensional das estrelas, e cada um de nós tinha a influência dominante de uma constelação de onde tinha vindo.
E eu estava cá fora, sob o céu, de mão abertas e palmas para cima, a reproduzir, como se os recordasse, gestos de uma sacralidade esquecida, através dos quais captava as energias do Universo, de todas as constelações para onde apontava os meus dedos, incluindo aquela que me pertencia, a matriz do meu ser.
E então via, a negro translúcido sobrepondo-se ao azul escuríssimo da noite iluminada, a minha mão no céu, grande, muito grande, e eu sabia que era a minha mão, embora não estivesse ligada ao meu corpo real.
imagem: http://www.anzwers.org/free/universe/virgo.html

Um anjo de procissão

NOITE DE 6 PARA 7 DE NOVEMBRO DE 1995
A menina tem três anos, está vestida de anjo de procissão, com asas meio caídas e um fatinho de cetim amachucado. Foi o presidente da Câmara da cidade que mandou organizar a procissão. Ele pede para levaram, após a procissão, a menina a sua casa. Sou eu que levo a menina. (...)
Sinto uma enorme tristeza.
Depois sonhei com um barco e o director/comandante do barco convidava-me para a sua mesa. E havia um cinema na cave.