domingo, 8 de abril de 2007

O velório é muito estranho porque é o meu próprio velório

NOITE DE 12 PARA 13 DE MARÇO DE 1997
Vou a casa de um colega meu que é fotógrafo. Não sei se vou ali expressamente para o ver, se dou com ele por acaso quando tocamos à porta e é ele que abre. Ele vive numa casa que é, também, laboratório e escritório de fotografia. É um prédio sinuoso, cujas casas comunicam umas com as outras por corredores labirínticos. Nós queremos sair para tomar um café e ele explica que não é preciso ir à rua. Ao longo do corredor dispõe-se uma espécie de Centro Comercial, só que não é fácil aceder ao lugar para onde queremos ir. Penso que começo por entrar num café, o mais fácil de aceder, mas não gosto do aspecto. E penso que esse meu colega fotógrafo está a trabalhar. Parece-me que é para a televisão. E estamos fora de Lisboa.
Depois há um velório. É fora dali. Há casas e pátios, numa área grande, e dispostas em edifícios que, de alguma maneira, podem recordar a arquitectura de um quartel. O velório é muito estranho, porque é o meu próprio velório. Uma mulher horrível que eu conheço organizou tudo. Só estamos à espera de um caixão para eu me enfiar lá dentro. Já lá está bastante gente. São pessoas de idade sentadas em cadeiras ao longo das paredes da sala
Como a situação me incomoda saio para o pátio , e volto para o lugar de início, o sítio onde encontrei a casa do meu amigo fotógrafo. A geografia urbana do lugar mudou. Agora há pequenas moradias a ladear uma rua levemente íngreme, uma espécie de arquitectura algarvia de aldeamento de férias, misturada com uma arquitectura suburbana. Numa das casas há uma antena parabólica que gira suavemente apontando para o lugar de onde eu vim. Há mais antenas, mas aquela parece-me a mais eficaz, porque as outras estão paradas e são maiores.
Acho que estou com a Susana. Falo com ela sobre o absurdo do papel que é suposto ir representar. Digo-lhe que aquilo que parece uma espécie de partida mediática. E então descubro. Foi tudo arranjado para um programa do qual eu não tenho a menor consciência. Ou não tinha, porque agora tudo se encaixa como num puzzle, e sinto uma irritação tremenda e um alivio medonho, porque não há nada, nem ninguém, agora, que me faça voltar para aquele lugar idiota. Recordo-me agora que na sala onde já estava tudo a postos, menos o caixão porque faltava eu lá dentro, havia uma espécie de candeeiro que escondia uma câmara de filmar.
E na rua, a antena continua a girar lentamente como um olho maldoso que aponta para nós.
Depois sonho com um desvio de avião. Estamos todos apertados dentro de uma carlinga, que apesar de tudo é grande como uma casa, com vários quartos. E eu procuro a forma de sair dali. Quero descobrir os meus aliados naturais. Há coisas que é preciso preciso revelar. Caixas, embrulhos.

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