domingo, 26 de novembro de 2006

Tempestade terrível sobre os amantes


14 PARA 15 DE FEVEREIRO 1995
Na cozinha da minha casa há uma barata horrível, e estão os meus filhos a ver, e está o Paulo Ab. a ver, e ninguém faz nada, a não ser eu, que grito e salto, e a barata, que não grita, mas salta.
E depois estou com o Paulo a passear na rua. E está a chover um pouco, e cada um de nós tem um guarda-chuva. Olho para o céu e vejo uma nuvem carregadíssima, negra, e digo, olha Paulo que nuvem tão gorda. Vai rebentar em água e trovões por cima da nossa cabeça. E a nuvem pára mesmo em cima de nós e não se mexe.
Estamos numa rua de uma cidade, num passeio junto a montras iluminadas. Há, aqui e além, toldos. Entretanto, a nuvem torna-se ameaçadora, pelo menos para mim. O meu guarda-chuva torce-se e vira-se do avesso. Sinto uma tremendaelectricidade no ar. Percebo que o meu guarda-chuva e o do Paulo podem servir de pára-raios e nós seremos literalmente feitos em cinza. Estou aterrada. Ele agarra-me e leva-me para dentro de um café onde servem pequenos-almoços. Lá dentro está calor e estamos protegidos. Pergunto-lhe se viu bem como estava o meu guarda-chuva. Ele diz que sim mas tranquiliza-me. A comida é imensa. Ele pede batatas salteadas. É um pequeno-almoço americano muito pesado para nós.

Correntes cobrem o corpo dos amantes

NOITE DE 12 PARA 13 DE FEVEREIRO DE 1995
Um prédio em obras e dentro de um vagão de entulho está o Paulo Ab amarrado com correntes. As correntes estão á volta do seu peito e ele está deitado num contentor das obras. Olho sem perceber o que devo fazer nestas circunstas, e vejo uma mulher, ao lado dele que tem uma das pontas da corrente na mão. A mulher olha para mim e atira com essa ponta para dentro do vagão. É como se ela estivesse a dizer-me "agora é contigo." Então vejo que ele não está amarrado mesmo, só está coberto com todas aquelas grilhetas e anéis de ferro, mas como a ponta está solta nem precisa de se desamarrar. Ele só precisa de sacudir-se, ou desembrulhar-se.
Agora eu sei que está nas minhas mãos soltá-lo, até porque as correntes já só o cobrem.
E eu sinto que agora, sou ele.
Depois há um pombo frágil, no chão. Esse pombo não consegue levantar voo. Percebo que é porque ainda não lhe tiraram a mensagem que leva agarrada, à pata ou ao pescoço. Tiro a mensagem, mas não a leio, e ergo o pombo no ar em direção ao pombal. Ele, ainda frágil, bate as asas e consegue voar. Entra no pombal e mistura-se com os outros.
Depois estou a recordar um amante indiano, mas nem sei o seu nome, nem tenho dele qualquer memória.

quinta-feira, 23 de novembro de 2006

"Fortaleza de Alma" e os budistas ocidentais

10 PARA 11 DE FEVEREIRO DE 1995
Uma estrada. Um grupo de budistas tibetanos. Eles falam, entre si. São ocidentais. No meio da estrada há um corpo amarrado, dentro de uma espécie de saco. É o corpo de uma pessoa condenada à morte. Olho e não percebo como é que um grupo de pessoas religiosas tem, deitado no chão e em sofrimento, um ser que condenaram à morte. Tento pensar nestes termos: “são orientais, e para os orientais as questões do sofrimento e da morte são colocadas noutros termos.” Então percebo que sou eu o corpo amarrado no chão.
Toco nos nós que me prendem e descubro que são surpreendentemente fáceis de desatar. São nós frouxos, de fio de embrulho. A única questão é desatar-me rapidamente para que os budistas não descubram e venham atar-me de novo. Sou extremamente rápida. Num salto chego ao pé do grupo, que me olha estupefacto. E o lama dos budistas, ocidentais, olha-me profundamente comovido. Explica-me que eu sou o Buda de quem estavam à espera. Passei o teste, soltei-me dos nós, livrei-me da morte.
Agora, aquelas criaturas que momentos antes não davam nada por mim, e me tinham votado à morte, adoram-me. Penso: “como vou ser o Buda deles, se nem sei tibetano?” Não sei como orientá-los, nem o que lhes dizer. A sensação que tenho é que acho tudo um pouco infantil, mas ao mesmo tempo não os quero desiludir nem desamparar. Então, o que antes era o líder espiritual do grupo pede-me que lhe dê um nome secreto. Fico atrapalhada. Mais uma vez não sei tibetano... invento uns sons e digo-lhos ao ouvido. Ele parece desiludido. Não percebeu bem. Explico-lhe o nome secreto dele, que quer dizer “Fortaleza de Alma”. Depois olho por cima dele e vejo um livro de signos chineses, aquelas edições de grande consumo, mas com os nomes em tibetano. Rapidamente memorizo um e digo para o meu “discípulo”: vou dar-te outro nome secreto. Digo-lho ao ouvido e ele fica felicíssimo.
Não estou contente com este meu novo papel, porque, basicamente, não acredito no que estou a fazer e, ainda por cima, ele vai implicar muito trabalho, (tenho de aprender tibetano) e muita atenção aos meus discípulos. Mas não tenho coragem para lhes dizer que não posso assumir este cargo, porque apesar de tudo, é como se os desamparasse.
Sinto-me muito lúcida, muito cheia de “fortaleza de alma”. E muito só.

The girl, the boy and the crystal tower

18 para 19 DE JANEIRO DE 1995
I am travelling with my brother, and then we left the car and tried to claim up the green mountains. But then they turn out to be sand like, very white, but not so easy to claim. Then I saw this woman in the top of the mountain, but she vanished right away. Then I saw this Tuareg man passing by, in his majestically look like. When I reached the top, there is the desert. I start walking by myself and came to this huge convent, something between a monastery and a 7 stars hotel. Inside there are lots of people, monks mainly. And this two astonish woman. One of them look at me strait in the eyes, in a way that I felt even intimidated. Somehow, she’s in charge of the place, like she sees and controlles everything and everybody, but in a natural way. She is very beautiful and sophisticated. She’s red dressing. The other woman is the messenger, young and also beautiful, but dressed like a fancy soldier, with boots and stuff but no weapons. She is about to leave to the outside world, and she’s smiling and laughing and moving gracefully. I admire them both.
The monks seem like Buddhists, and they smile like children do. Then I realize I belong here. And I think "I must see everything. Details do matter, and in dreams you kinda forget these things, loosing the messages." And then I enter this small room and start to open this wall cabinet, but as I open the door, I found another one, and another one, and another one. All different, and astonishingly nice, in so many different ways, but... nothing more then doors opening to doors, and then there is this monk smiling at me, and he says "that's not the point, you see? This won't take you anywhere." He is not blaming me or whatsoever. Just pointing things the right way, so I left and walk, and walk inside this palace monastery, and find myself in this staircase outside the crystal tower, claiming up the stairs, and there were these young people, a boy and a girl, they were nine years old, and helped me to go inside. Outside there were the sea and some wind blowing. Inside we could see everything around, cause it was a round crystal tower. They asked me if I knew already the big kitchen, and I told them the monks showed me one but "it's not so, so big". Then they said "you didn't see anything. The big kitchen is huge. It's all this building shape under the basement. But very few of them know about it. We know indeed everyplace, everything, every secret of this place nobody ever heard about."
Then they told me they would show me everything, and they would tell me everything

segunda-feira, 20 de novembro de 2006

O rapaz, a rapariga e a Torre de Cristal

18 PARA 19 DE JANEIRO DE 1995
Vou com o meu irmão por uma estrada que se curva entre montes, que não parecem muito elevados. Estes montes fazem curvas suaves, parecem seios verdes que entram pelo azul-cobalto do céu. A meio de uma encosta parece-me ver uma figura de mulher. Mas então os montes já não estão verdes de ervas rasteiras, estão brancos de areia muito branca. Saio da estrada, e tento subir por aquelas dunas que se desfazem sob os meus pés e mãos. O meu irmão começa a escalada. Eu afasto-me ligeiramente dele e tento também subir, enquanto penso que se déssemos a volta pela estrada se calhar chegávamos ao topo sem qualquer esforço, porque me custa a acreditar que aquele seja o melhor ou o único caminho. Começo a subir, escorrego, e volto a subir. A meio de uma encosta vejo, bem acima, uma figura solitária. É um tuaregue de turbante, que caminha imperturbável.
Reparo agora, como naquele deserto, mesmo em locais improváveis como aquela encosta, se encontram detritos da civilização: para variar, sacos de plástico. Penso, “que pena, virem de tão longe sujar este santuário.”
Escorrego e sinto medo e prazer. Medo, porque já subi muito, e imagino que posso cair com força e magoar-me. Também sinto alguma frustração, porque escorrego precisamente quando estou perto de uma plataforma onde me posso içar e encontrar chão mais firme. Mas cair dá-me prazer. Escorrego por um declive de areia fofa e morna, que se solta sob o peso do meu corpo. Volto a insistir. Quando dou por mim tenho as mãos enclavinhadas no bordo da plataforma e os pés à procura de um ponto de apoio, onde me firmo. Agora subo para um chão mais duro, o terreno por onde vi passar em silêncio e mistério, o meu tuaregue.
Começo a andar e chego a um mosteiro. Entro num átrio do que me parece, ao mesmo tempo, um hotel de luxo e um convento. Há frades que caminham, apressados e sorridentes, atravessando um átrio imenso, e outras pessoas, algumas aparentemente com funções específicas. O espaço é levemente sombrio e fresco, em contraste com a luz incandescente do deserto lá de fora.
Espanta-me um pouco ver mulheres naquele local. São mulheres sensuais, muito bonitas. Estas mulheres têm personalidades fortíssimas. Uma está sentada numa cadeira alta, ocupando um espaço central. Olha-me de frente e o seu olhar quase me intimida. Está vestida de vermelho, a roupa é um pouco provocante, mas extremamente sofisticada. Outra vem a chegar e vai já partir. É mensageira e está mais ao nosso nível. Está vestida de caqui, uma espécie de fato camuflado, e move-se com agilidade e com alegria. Ela fala com os frades. Ela fala com toda a gente. Os frades riem. Não sei porquê, lembram-me budistas. Parecem espelhar naqueles sorrisos uma felicidade quase infantil.
Percebo que pertenço ali. Eu estou em casa, de uma forma que não sei explicar. Então vem-me uma febre de conhecer tudo, e avanço quase correndo, para um quarto, e resolvo espreitar os armários, porque me lembro que muitas vezes não ligamos, nos sonhos, a esses pormenores, e perdemos oportunidades fantásticas. Abro as portas de um guarda-fatos, e elas revelam-me outras portas. São todas lindíssimas e todas diferentes umas das outras. Vou abrindo, sucessivamente, portas que dão para portas, numa urgência onde já entra alguma raiva e frustração. Penso que se abrir as gavetas do fundo do armário, posso meter as mãos por baixo e tentar abrir a última porta de todas as portas, e perceber o que guarda aquele armário, que agora sinto e sei que está vazio. Então vejo um dos frades ao meu lado, e ele está a sorrir com um ar muito pacífico e diz: “não é por aí que vais descobrir nada de interessante.” Não há qualquer espécie de censura na sua observação. Então volto as costas àquele quarto, avanço pelo átrio fora, meto-me por um corredor e depois estou a subir umas escadas em caracol e então vejo uma espécie de torre envidraçada onde estão duas crianças, um rapaz e uma rapariga. Têm nove anos. Em frente da torre há o mar azul e imenso. E sol, e vento.
As crianças chamam-me. Vou ter com elas. Há uma varanda em redor da torre, e eu não sei como se entra, embora tudo pareça tão simples. É a rapariga que sai e me pega pela mão para me ensinar a maneira de entrar na torre. Lá dentro está-se melhor, porque apesar de ser muito bonita a vista cá de fora, o vento é ligeiramente agreste. Além disso, cá de dentro, vê-se singularmente bem toda a paisagem em volta.
As crianças perguntam-me se já conheço a grande cozinha. Digo que conheço a cozinha, sim, um dos frades mostrou-me onde se fazem os alimentos, para eu depois ir buscar, quando tivesse fome. Aliás lembro-me que o frade me falou em várias cozinhas. Mas nenhuma delas era enorme. As crianças trocam um olhar:
– Então não viste nada ainda. A grande cozinha é imensa e dali vai dar a todas as outras pequenas cozinhas. Ocupa todo um alicerce deste mosteiro. Não viste senão uma amostrazinha de nada. A entrada nem sequer é por aí, por onde te disse o frade – respondem elas.
Pergunto-lhe se sabem lá ir. Respondem-me que vão lá todas as vezes que querem. Conhecem o mosteiro, todo. E sabem todos os seus segredos. Prometem levar-me com eles. E contar-me tudo. Tudo.
Thanks Anton Sherwood, http://www.ogre.nu/ for your "conspicuous staircase" you let me put in my blog.
Gente, his site is full of treasures.

quarta-feira, 15 de novembro de 2006

The evil old man

15 PARA 16 de JANEIRO DE 1995
Estou numa casa de dois andares e preciso de ir ao primeiro andar. É uma casa alegre, banhada de luz amarelada. Subo as escadas, mas a cada passo sinto uma dificuldade crescente. Há no ar uma vibração de medo que cresce de intensidade, e se enrola nos meus braços, nas minhas pernas, vestindo-me com um peso de chumbo que me aperta o coração.
O ar está carregado de electricidade. Tento ignorar o medo, mas quando estou perto da porta do quarto que quero abrir, a violência da sensação paralisa-me. Olho para baixo e grito pela minha mãe, mas o som que me sai do peito é baixo, rouco, tão pouco parecido com o grito que quero soltar dentro de mim. A minha mãe, contudo, ouve-me. E responde-me, cá de baixo, que naquele local sente precisamente o que eu sinto, e que ali deve haver alguma assombração, pelo que não devo estranhar o que estou a sentir.
Assumo o meu terror, e volto para trás, rapidamente, ganhando forças à medida que fujo. Começo a descer as escadas, o coração a sossegar no peito.
De repente olho para trás, para cima, e vejo-o. É ser velho pequeno, imundo, quase inofensivo, repulsivo, e no entanto, aterrador. Está vestido com uma túnica amarela, comprida, até aos pés. Tem um arremedo de barba e bigode. É ele que tenta subtrair-se ao meu olhar, escondendo-se nas dobras dos degraus, sempre atrás de mim. Reage com uma expressão de raiva à nossa troca de olhares que o põe a descoberto. Arreganha os dentes.
Mas eu já não o deixo fugir. Ao meu lado, a minha mãe dá-me amuletos para me proteger dele. Subo as escadas armada da minha raiva e destes amuletos quase infantis. Vou subindo enquanto ele se encolhe e recua, arreganhando os dentes e rosnando, e eu olho-o, e odeio-o e persigo-o, e penso, num canto assustado de mim, e se ele não fugir mais à minha frente?
Mas a raiva é maior, e eu vou subindo as escadas até que percebo que para além deste velho que rosna e recua, há muitas outras figuras que o rodeiam, escondidas nas sombras, e que começam a criar forma, e corpo e rosto, e então... reconheço-as. Vejo os seus rostos. Querem abraçar-me, eu liberto-me. Já não têm força.
Sou eu quem tem força, agora.

terça-feira, 14 de novembro de 2006

Vamos todos embora

NOITE DE 27 PARA 28 DE NOVEMBRO DE 1994
Vamos todos embora para África por causa da guerra, só que algumas não querem, por causa dos namorados. Parece que uma delas é a Tita. E eu tenho de arranjar as coisas para partirmos. Eu estou contente e triste.
Depois vejo um prédio antigo. Engano-me no andar. Volto a descer. Não é ali a minha casa.

Carros estranhos no jardim

NOITE DE 26 PARA 27 DE NOVEMBRO DE 1994
Alguém estacionou carros no meu jardim. É o jardim da casa do Porto. Dirijo-me a um dos condutores que está precisamente a abrir o portão para sair e preparo-me para o descompor, quando a minha vizinha, encostada ao muro que separa as nossas casas, me diz que foi ela quem deu autorização porque acha que não há mal nenhum nisso.
Digo: “fez mal e não devia. Não pode dispor do meu jardim.” Ela desculpa-se, mas eu não aceito as desculpas. Insisto. “Não volta a dispor do meu jardim. Quem dispõe do meu jardim sou eu. E isto não vai voltar a acontecer, espero que entenda.”

domingo, 12 de novembro de 2006

Dois jardins. Um está em chamas.

NOITE DE 23 PARA 24 DE NOVEMBRO DE 1994
Dois jardins. Um coberto. Outro ao ar livre. Dentro de casa olho pela janela. Vejo o jardim ao ar livre e não gosto. É um jardim à francesa, muito devassado, muito geométrico, sem mistério. Estão pessoas comigo, mas elas estão de costas para a janela.
O círculo central que constituiu o núcleo da composição geométrica do jardim explode em chamas. Penso: "amanhã vem uma comissão avaliar este jardim, e é suposto recebermos um prémio. Mas o jardim está a arder." Digo em voz alta:
-- O jardim está em chamas.
As pessoas não se voltam. As chamas extinguem-se. Penso: "se calhar não são grandes os danos. "Depois, de novo, um círculo de chamas irrompe do núcleo vegetal. Penso: "devia ir ajudar a extinguir aquele fogo. Mas porquê? Não sou do serviço de bombeiros. " Aliás há dois carros de bombeiros parados junto da sebe de buxo. Aviso de novo as pessoas que estão comigo, mas penso que o faço sem grande convicção. Assim, e quando se voltam, mal percebem a chuva de fagulhas, uma nuvenzinha de cinza que se dilui na contra luz do princípio da noite. Portanto não me acreditam.
E depois estou no jardim coberto. Foi feito, também, muito recentemente. A relva ainda não está bem presa ao chão. E as flores têm sede. Tanta que descubro uma mangueira e começo a tentar perceber como vou regar aquele jardim, que precisa de muita água. Está muito no princípio, mas gosto dele.
Agora todos sabem do fogo. Mas não tenho pena, apesar do prémio. Penso: "este jardim, coberto, também estará incluído?" Mas este está ainda tão no princípio que ainda está tapado. Digo em voz alta:
-- Se trabalharmos muito podemos arranjar o outro para amanhã.
Mas ninguém parece interessado, e eu fico aliviada. Dizem-me que o fogo não foi culpa de ninguém, porque às vezes, as flores mais insignificantes e rasteiras entram em combustão espontânea, e pegam fogo a tudo, no seu incêndio brusco e inesperado. É raro, mas acontece.
Não houve bomba, nem fogo posto.
Foi obra natural.

sábado, 11 de novembro de 2006

Os dois bebés, eu, o homem e a porta entaipada

26 para 27 de Outubro de 1994
Sob uma ponte, uma estrada, um carro, algum lixo, eu e a Alexandra. O carro é um Wolkswagen. Saímos e junto de um dos pilares está um melão, ou melhor, o que se convenciona chamar um melão. Depois estão vários e não têm bom aspecto. A Alexandra diz-me para os apanhar, que estão óptimos. Não estou muito convencida, e tento rolá-lo com os pés. Ela insiste, diz que são óptimos. Eu agarro num melão pelos cabelos (?) e levo-o para o carro, mas não parece muito saboroso.
Depois estou a sair de um edifício histórico, tipo embaixada de França em Lisboa, só que muito maior, lá dentro é quase uma cidadezinha. Saio por uma porta lateral, uma porta reservada aos da casa, aos íntimos, de confiança. Mas quando estou fora lembro-me que me esqueci da carteira, e volto a entrar. É estranho porque para entrar eu não deveria usar aquela porta. Mas no entanto ela nem está fechada à chave. O porteiro vê-me passar, reconhece-me e eu sigo. Lá dentro há uma casa de cave, com umas escadas estreitas que começam ao nível da rua. Encontro uma mulher que me reconhece e que me diz que vai ligar ao senhor Augustin, porque eu sou a mulher-a-dias dele, e ela também, só que eu sou um posto acima dela. Digo-lhe que não é preciso. Mas a ligação foi feita. Do outro lado da linha há uma voz a desfalecer de cansaço. Explico que houve um mal entendido, não me ia embora e não tinha pedido que lhe ligassem. A mulher pede-me imensas desculpas. É a mulher do meu patrão.
Depois estou noutra casa e há lá dois bebés. Um é meu, outro é de um homem que é marido de uma mulher da minha família. Estamos os dois a cuidar deles, numa sala. Essa sala comunica com a cozinha, através de uns degraus, e a cozinha é a entrada da casa. No entanto, a porta de comunicação é estreita, e o homem ainda por cima, está a entaipá-la. Discuto com ele. Digo que mal passamos os dois por aquela frincha que ele deixou. Ele goza, diz que nós passamos muito bem por ali. Eu respondo: “mas se for a tua mãe ou a minha não passam mesmo. E se precisarmos de chamar um médico ele também não entra”. Faz-me aflição aquela entrada, que é só uma frincha. Ele afasta umas tábuas de madeira e deixa ver uns pilares de tijolo recente que ombreiam a entrada, mas que deixam mais espaço. Mesmo assim continuo sem entender a necessidade de tapar e estreitar a entrada.
Lá dentro o meu bebé tem fome. É um bebé de imenso alimento. E é delicioso. Preparo-lhe meio biberão, porque o resto queria dar-lhe de leite de lata. A primeira parte é de leite de vaca, completo e fresco. O bebé grita e chora, e agarra-se ao biberão com ambas as mãos e bebe-o de um golo. Isso deixa-me pouco tempo para arranjar a segunda parte da refeição. Mas agora ele já não chora tanto. Agarro-o e brinco com ele. E digo às pessoas que estão comigo: “agora tenho de começar a fazer sopinhas para ele se habituar aos legumes.” Isto dá-me um enorme prazer, embora esteja a visualizar o trabalho que representa.

sexta-feira, 10 de novembro de 2006

Aviões, helicópteros, perseguições e fugas


25 PARA 26 DE OUTUBRO DE 1994
Chegamos a uma casa. É uma casa de passagem. Num dos quartos há muita comida, e eu fui convidada para jantar. Vou com uma pessoa, um homem, que me chama da porta do quarto, mas eu digo-lhe que tenho que acabar de me arranjar. O homem insiste, e diz que estou atrasada, mas eu não me consigo despachar. Está naquela sala a Manuela Teresa, e ela tem óptimo aspecto. Até está bonita. Nem me lembro que ela morreu há uns anos. Depois preciso de telefonar a uma mulher-a-dias que não apareceu. E a seguir saio porque tenho de apanhar um avião. É um helicóptero. O meu amigo já está no ar e eu ponho-me ao nível da cara dele, para falarmos, embora não tenha saído do chão, como se fosse um truque de cinema. Penso que se estivesse ao pé dele, a voar noutro helicóptero, as nossas asas cortar-se-iam e as máquinas entravam em colisão.
Cá em baixo pego num triciclo e vou tentar voar. Mas para tomar balanço preciso de descer uma rampa e isso parece-me anormal. A rampa é pequena, mas a ideia de ir por ali abaixo a descer para depois subir não me parece fazer sentido. O ideal seria uma estrada em linha recta. Perto há instalações militares e políticas. Continuamos com o problema da criada, que ainda por cima não telefona. Depois acaba por telefonar.
E depois volto a viver o acidente de automóvel do outro sonho, só que agora não estou com a Alexandra estou com um amigo, e somos perseguidos. Corremos ao longo de uma estrada estreita e sinuosa, e o meu amigo vocifera e diz que os vai despistar. Ele está incomodado porque uma estrada daquelas não dá para despistar ninguém, e não é aconselhável fazer grandes velocidades, porque é perigosíssimo. E é o que acontece. Numa curva, o carro entra a direito e eu penso: “fosse um filme atravessávamos o abismo e apanhávamos a estrada do outro lado”. Só que não é um filme é o meu sonho, mas eu não sei que estou a sonhar. Depois penso: “se fosse um filme, eu saltava antes”, só que não é um filme, é o meu sonho, e não houve paragens antes para eu poder saltar. Penso: “vou-me esconder, e o carro que salte com o condutor e que se lixe”.
E agora estou escondida atrás de uma ponte baixa e os perseguidores vão até ali, e dizem que o carro se espatifou, e os ocupantes morreram, mas há um que tem dúvidas e quer procurar se não terá sobrevivido alguém, e fareja como se me pressentisse, só que os outros acham que é um disparate e eu sei que acabei de escapar à risca.
imagem:http://www.lindau-portal.de/bz_kw10-04/bhf.jpg

quinta-feira, 9 de novembro de 2006

A prisão de estudantes


NOITE DE 24 PARA 25 DE OUTUBRO DE 1994
Estou a apanhar roupa num varão. Tomo-a nos braços e nos ombros. É muita para levar de uma só vez. Depois vou fazer doce de morango. Comi tantos morangos que já não vou fazer muito doce. Depois estou no alto de um edifício antigo, num quarto mesmo no último andar. Chego à janela e há estudantes a passear na rua, e aqui é a prisão, e é uma prisão de estudantes. Da janela olho para a rua e sinto vertigens. Há uma górgona de pedra por baixo da janela. Parece-me a cabeça de um pássaro. Agarro-a e ela solta-se. Penso se a deixasse cair ela mataria alguém mas isso de nada me serviria. Ao arrancá-la ela esboroa a parede onde se encontra incrustada, e essa parede é a janela do meu quarto, e sinto tonturas ao olhar para o chão, cá tão em baixo. Penso que se a janela se fendesse eu cairia, pois estava encostada a ela. E penso que o edifício é muito antigo, mas dentro do quarto, ao fundo, onde está a minha cama e onde me encontro e encosto agora, isso não se sente, e não acontece, porque ali há solidez.

quarta-feira, 8 de novembro de 2006

A vida amena em Gibraltar


NOITE DE 21 PARA 22 DE OUTUBRO DE 1994
Começa por ser um cão escondido cá em casa. Ouço-o ladrar. Pergunto ao Drew o que se passa. Ele tem 15 anos, e diz “não há cães cá em casa”. Está na sala com amigos. Mas à entrada da sala há barreiras de almofadas e caixas. O cão acaba por aparecer, a muito insistência minha. É pequeno, vivo, e faz chichi por todo o lado. Incomoda-me.
Depois o cão é uma criança, um bebé mulato. Boceja, abre a boca e tem um palato imenso, comprido como uma galeria. De boca fechada não se nota. Penso: “esta criança vai ter problemas de dentição e respiração com um palato assim”. Pergunto ao Drew como arranjou a criança e ele diz que a comprou. Ele diz que teve pena do bebé que a família estava a vender. Eu estou desnorteada, eu não quero ter mais bebés, os meus filhos mais novos são muito pequenos. O Drew diz:”eu trato do bebé e cuido de tudo.” Mas agora o bebé já tem três anos, é muito irrequieto, mexe em tudo, anda de um lado para o outro. Estou incomodadíssima. Digo: “não quero”. Pergunto-lhe se já imaginou os fins-de-semana, fechado em casa, a tomar conta desta criança. Ele responde que a Agnes não se importa, até gosta e vão os dois passear com o miúdo. Então a Agnes, que acaba de chegar, entra na cozinha, mas não me fala. Depois o Drew diz que vai devolver o bebé porque de facto não tem vida para continuar com ele.
Depois estamos num monte que me faz lembrar Gibraltar. É um local onde a situação é permanentemente de alerta militar, mas a vida corre amena.

domingo, 5 de novembro de 2006

O Programa de TV

NOITE DE 13 PARA 14 DE OUTUBRO DE 1994
Vi, no Porto, o anúncio de um programa de TV. E, de repente, o próprio programa no ar. Era com bonecos, marionetas, e pareciam tão perfeitas que cuidei que eram pessoas mascaradas de bonecos. Depois lembrei-me: era o programa meu e da Xana, um projecto nosso. Segui pela Ribeira e cheguei aos estúdios da rádio que eram também de TV. Os escritórios eram em plena rua. Vejo a Alex, e estou zangada com ela porque não me avisou de nada. Eu não sabia que o programa já estava no ar. Ela diz que não sabia que isso ia acontecer. Ela diz que me vai apresentar ao chefe da estação. Subimos as escadas para o conhecer. Depois encontro a Cristina. Estamos na produtora e ela tem um bebé ao colo. É a filha dela. Pego-lhe. É deliciosa. Há outra pessoa na sala. A sala tem paredes muito antigas e amareladas e não fica num primeiro andar. Fica num rés-do-chão e uma das salas ainda está abaixo do nível do solo.

quinta-feira, 2 de novembro de 2006

A égua protectora e os cães guardadores de rebanhos


NOITE DE 12 PARA 13 DE OUTUBRO DE 1994
A primeira imagem é a de uma égua sob a qual se esconde um homem. A égua é tão inteligente que percebe que o homem tem de se aninhar sob ela para se proteger, e ela tem de o tapar por completo sem o esmagar. Quase mete medo de ver, mas é bonito. Depois o homem explicar-lhe que tem de me esconder a mim, da mesma maneira. Porque de vez em quando passam pessoas que não devem descobrir-nos naquele local.
Também me recordo de dois ou três cães. Vejo-os da janela do meu carro ou do comboio. Têm pelo comprido. A princípio, parecem-me aqueles cães patetas que algumas pessoas levam ao cabeleireiro para lhes fazer caracóis e por lacinhos nas franjas. Mas aqui, estamos no campo e o pêlo cresce-lhes em liberdade, cobre-lhes a testa. Estes cães são lindos. Percebo que são muito inteligentes, e que o problema da imagem deles é criado pelos artifícios a que os submetem da civilização. Estes cães são guardadores de rebanhos. Correm atrás do gado, vigiando-o. Depois vejo-os falar entre si. Comentam a história de haver pessoas que acham que eles vêm mal por terem pêlo nos olhos. E por haver quem lhes corte a franja por causa disso, o que é horrível porque assim é que eles passam a ver mal.
Depois há um rapaz, está à espera do comboio numa pista de corrida. Agacha-se na pista e aguarda. Nada. Avança para outras pistas. Nada. Ali nem sequer há carris. Então há um campo. A linha do comboio está mesmo ao lado. E este rapaz está a correr ou a brincar e é horrível, porque o comboio vai aproximar-se e ele não o vê, porque está de costas. O comboio apita e ele volta-se a tempo de o ver passar. O pior é que há dois carris de comboio, um muito estreito e ligeiramente desnivelado em relação ao outro. Ele está do lado desse, e aparentemente esse é o seu único erro. Ouve-se dizer”quem imaginaria que aqui, logo neste local, haveria um desnivelamento de carris!”. Ele não pode atravessar a linha, nem subir. Dentro do comboio as pessoas lamentam o sucedido como se fosse uma grande lástima.
Depois ele conseguiu escapar de forma extraordinária, porque está no tejadilho do comboio, a saltar de carruagem em carruagem. O comboio atravessa os campos.
Depois estou numa casa. Há mudanças, obras. A casa é velha. Encontro um miúdo muito novo e abraço-o. É um amigo, filho de uma amiga. Peço-lhe que cresça depressa, muito depressa, para me proteger. Ele sorri, tem um sorriso lindo, muito puro, e retribui o meu abraço. Pergunto-lhe a idade e fico espantada por ele já ter 20 anos, porque achava que ele era muito mais novo. E, no sonho, eu tenho mais ou menos a mesma idade do que ele. Este rapaz parece mais novo do que o seu outro irmão mais novo.
A sala onde estamos é escura e tem um piano. A mãe dele veste de negro como as senhoras nos retratos do século passado. E depois estamos todos à mesa, e vemos passar um homem das obras.
De uma janela vejo, metros abaixo, outra sala. Tem uma mesa de xarão com candelabros antigos. E uma quantidade de objectos de decoração. Acho tudo horrível, apesar de ser tudo muito valioso. As pessoas comentam o valor daquelas coisas, mas eu não aceitaria nada daquilo, mesmo que me dessem. Eu e o rapaz trocamos um olhar de cumplicidade e encolhemos os ombros. Em silêncio dizemos ambos “que seca!”. E sorrimos.

quarta-feira, 1 de novembro de 2006

O homem que oferecia cristais


NOITE DE 4 PARA 5 DE OUTUBRO DE 1994
Ando às voltas pelo Porto, na zona da Avenida da Boavista, próxima do mar. Há estradas largas e estreitas. Velhas e novas. Passo pela avenida, vou a guiar uma mota ou uma bicicleta. A estrada é irregular. Tenho de fazer um grande esforço para não cair. No meio da estrada há imensos cristais, como se estivessem abandonados. São lindíssimos. Vejo um, e imediatamente me identifico com ele, porque é igual ao que tenho em minha casa. É o cristal da família e da condensação de energia. Só que este é muito maior e muito mais belo.
Pego no cristal, que está na estrada, e vejo um homem, junto do muro de uma moradia. O homem é o dono dos cristais. Espalhou-os ali, e fica à espera que alguém os leve. O homem não está a vendê-los: está a colocá-los na estrada para que quem quiser os apanhe. Agarro o meu, com força. Tenho vontade de pegar mais, mas acho que não é justo. Resolvo ir embora rapidamente para avisar todas as pessoas de quem gosto para irem ali, rapidamente, escolher o seu cristal.
O homem tem bom aspecto. É um senhor simpático, de meia-idade. Tem ar de pai.