quinta-feira, 15 de fevereiro de 2007

Tão tranquilo e tão em paz

NOITE DE 19 PARA 20 DE JANEIRO DE 1997
Estou num Centro comercial a escolher perfumes. Há duas lojas, uma no primeiro andar outra na cave. Vou às duas para ter a certeza de que escolho o perfume certo, e aliás na loja do primeiro andar nem encontro nada de especial, porque estão mais especializadas nas essências que vendem a peso, e que não são de grande qualidade.
A empregada diz-me que na loja da cave há mais escolha.
E é verdade. Eu quero comprar dois perfumes, não por necessidade mas por aquele impulso que nos leva a desejar ter perfumes. Provo vários, há frascos lindíssimos, procuro os mais recentes.
Na cave há duas salas de cinema. Numa delas passa o filme «O ABC do Amor», do Woody Allen, só que em vez de ser aquele filme cómico parece ser outro, porque é a preto e branco e os actores que aparecem nos cartazes têm um aspecto mais sério, como se o argumento fosse romântico. Mas eu não tenho tempo, agora, para ir ao cinema.
Cá fora dois travestis entram comigo num carro onde já está um homem. Estamos os três no banco de trás do automóvel, o homem é rico. Sinto-me apertada e tenho medo, porque a cena parece que pode tornar-se pesada. Peço para sair e ir comprar cigarrilhas. O homem, que tem as pernas dos travestis em cima dele, (e eu estou de frente para ele sentada e mal nos seus joelhos, com uma perna de um deles a sair pela janela), diz que não preciso de sair porque tem cigarrilhas ali, e não vale a pena.
Antes, ou depois? vi o Zé no primeiro andar de um edifício, talvez aquela espécie de Centro comercial onde comprei os perfumes. Ele tem a boca pintada e pó de arroz. E penso, olha que bem que ele anda, tão tranquilo, tão em paz.

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