sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

O Museu de Cera dos Fantasmas

NOITE DE 24 PARA 25 DE JANEIRO DE 1997
Há um rato preto no meu caminho. Parece um monte de pelos, mas quando passo por ele desembrulha-se. É um rato enorme, comprido, quase ameaçador. Sinto-me um pouco horrorizada, mas quando percebo que não me vai atacar, pelo contrário, está a fugir em direcção a uma lixeira que há à nossa esquerda, deixo de me preocupar. Mas atrás de mim vem um rapaz, um miúdo, a correr atrás do rato para o matar. O miúdo tem seis anos.
Então é uma perseguição, com o rato obstinadamente a fugir para salvar a pele, e o miúdo aos gritos com um pau na mão para o matar. Então faz-me impressão, porque acho uma crueldade. O rato às vezes pára e olha, eu só não quero que ele venha para cima de mim, mas não vem. E também há um homem com o miúdo, a instigá-lo a matar o rato. Então eles encurralam-no em direcção a uma casa, é uma casa que parece que tem a fachada de um liceu antigo, depois parece mesmo é a casa da mãe da Alexandra, no Porto, só que é diferente, e eu grito para não fazerem aquilo, e a casa é como se se transformasse numa ratoeira onde o rato se mete, e o miúdo fecha a porta como se fechasse a porta de uma ratoeira, e eu grito para ele não entrar naquela casa, mas ele entra.
E agora estou dentro de casa e é uma casa assombrada. Mas não faz medo porque são assombrações halográficas, uma espécie de museu de cera de fantasmas. Mas são fantasmas coloridos, bem dispostos, figuras de séculos passados. Por exemplo, um homem enlaça duas raparigas, vestidas com umas saias de balão floridas, muito bonitas. Eles sobem e desçem as escadas a cantar. É muito agradável vê-los e ouvi-los. Depois, noutro canto da casa, há personagens também de séculos idos, e é como se cada um tivesse o seu lugar delimitado. Ninguém se atropela.
Depois eu estou no cimo das escadas a falar com a mãe da Alexandra a propósito de uma modista, e depois telefono-lhe e é dificilimo arranjar uma modista. E mesmo aquela acaba por me desligar o telefone porque tem de levar o filho ao dentista.
E depois eu fui à procura dessa modista, mas já estou noutro lado. E é uma casa de campo, e é a casa do Francisco P. D. que está cá fora, no terreiro. E não parece nada a casa dele. E há muita gente a chegar. E dentro de casa, aliás a sair, há também uma porção de gente, e no meio uma garota tão minúscula que acabo por lhe pegar ao colo, espantada por ela não ter ficado pisada ou esmigalhada no meio daquelas pessoas. E pergunto onde estará a mãe dela, mas ninguém sabe. Então a mãe aparece. E pergunta-me se eu preciso de facturas para as minhas despesas, por causa dos impostos. Eu digo que sim, dá-me sempre muito jeito. Ela dá-me facturas no valor talvez de oito mil escudos, e eu fico toda contente, até perceber que ela me está a pedir o dinheiro. E não tenho coragem para não lho dar, apesar de ver que aquilo é uma sacanice enorme, um desplante. E fico irritada por não ter desfeito o negócio das facturas.
E depois cá fora o Francisco está a falar de um galo, um galo enorme que está ao longe pendurado num pau de cerca, e pergunta se gosto daquela carne, só que eu não quero comer aquele galo, e de resto o galo até nem é meu. E naquela casa, naquele terreiro de terra batida está a entrar uma porção de gente com um ar um bocado vadio, um bocado duro. São os sem-terra que o Francisco está a acolher.

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