domingo, 17 de dezembro de 2006

A festa de despedida, o camião cisterna e os brinquedos enterrados

26 PARA 27 DE FEVEREIRO DE 95
Toda a gente se vai embora. Há uma festa em casa da Paula. Ela e o Hendrik vão vender tudo e mudar de País. Ele explica-me que está só à espera de Janeiro que é a melhor altura para executar esse tipo de operações. Estou a ajudar à festa. Bebo um copo de uísque com coca-cola, mas pouco. A Paula chama-me a atenção para outros copos que estão cheios, à espera que eu os beba, e é como se me censurasse. Digo-lhe que não foi por descuido, mas não acabei ainda resto da minha bebida. Então dou um gole num copo pequeno, numa bebia alcoólica, muito amarga. Depois vou ajudar a arrumar copos vazios, mas é mais como se fosse uma obrigação do que uma ajuda de amiga. Sinto-me incomodada porque entretanto, num dos cantos do jardim onde a festa corre, cheia de convidados, vejo o Manuel sentado, como se não quisesse ver-me, porque eu estou com o Paulo e também não quero que ele perceba que estou ali a despejar uma bandeja cheia de cinzas, porque me sinto mais no papel de empregada do que de amiga. Depois preciso de ir buscar umas calças de seda que estão na costureira a fazer bainhas, e desço uma rua muito íngreme, depois de ter avisado na festa de que já vinha. À entrada da loja da modista vejo a Paula que vai entrar na casa da frente. Ela ri-se para mim, e faz um sinal de quem diz «já volto, mas não digas nada a ninguém».
Depois estou outra vez na rua e um amigo da Paula que veio da Holanda está a estacionar o carro. O filho dele sai. Tem nove anos. O carro, entretanto, começa a descair, e é quase impossível travá-lo. Junta-se gente. Estou com a criança ao lado, a ver. Entretanto o carro embate num grande camião cisterna, e as pessoas tentam segurá-lo para que não se enfie nas lojas. E tentam impedir que se fechem as portas do camião cisterna para ninguém ficar entalado. O camião mais ou menos rebenta e a água começa a inundar a rua. Pensei que ia ser assustador mas não é. A água não é tanta que faça uma inundação. Então o miúdo pede-me que o leve ao colo. Está pálido, assustado, e eu não tenho coragem de dizer-lhe que não. Pego-lhe ao colo, mas ele é grande e a rua é íngreme. Subo com alguma dificuldade, mas percebo que, mais do que colo o que ele quer é mimo, porque é extraordinariamente carente. Abraço-o e conforto-o e ele encosta a cabeça com força contra o meu ombro.
Novamente no jardim. Já não há festa. Há crianças a brincar. Faço um buraco num recinto pequeno, com areia, uma espécie de caixote, e descubro que lá dentro estão imensos brinquedos novos, coloridos, de plástico. Penso: "que criança os escondeu aqui e se esqueceu deles? Que criança os poderá vir a reclamar se os der a este que trouxe comigo? E se ninguém reparar?"
Eu quero dar estes brinquedos à criança que está comigo.

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