NOITE DE 23 PARA 24 DE FEVEREIRO DE 1998 Este cacto parece uma flor de plástico, mas afinal é uma planta de verdade. Está enterrado em areia, num vaso que parece aqueles onde se vendem as árvores de Natal de mentira. Percebo que é uma planta de verdade porque a cabeça do cacto está mole. Então arranco-o pelas raízes. E as raízes são brancas, e muito compridas, parecem rebentos de soja. Levo o cacto, com as raízes na minha mão, para junto de uma torneira, e encho a concha da minha mão com água, e vejo as raízes, embrulhadas como um novelo, na concha da minha mão, para beberem. A certa altura penso que elas podem ter uma overdose de água.
Tiro a mão debaixo de água. Seguro na planta a direito, algumas das raízes caiem. São raízes de comer, provo uma. Mas o cacto continua com algumas penduradas. Não sei onde plantá-lo. As raízes que caíram estão em cima do tampo de vidro de uma mesa, e mexem-se porque estão vivas. Mexem-se como as paramécias, ou como as cobrinhas de água, arqueando-se e projectando-se num movimento semi-circular.
Depois vou para casa da Alexandra. Os pais dela vão atrás de mim. Descemos umas escadas de granito, sob um caramanchão que dá para o jardim, onde já estão muitas crianças. A mesa está posta para o pequeno-almoço. As crianças são todas louras. Alguém diz:
«As bisavós são todas morenas. As crianças louras são filhas das mulheres estrangeiras dos homens da nova geração».
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