terça-feira, 2 de março de 2010

Os Enamorados


NOITE DE 14 PARA 15 DE JUNHO DE 1998
Estou junto de um muro, parece o balcão de um bar, só que é na rua. Em cima desse muro há vários baralhos de cartas de tarô. São muito bonitos. E são da loja em frente do muro-balcão, só que a loja está fechada porque é hora do almoço. E eu estou espantada porque qualquer pessoa os pode levar. Sento-me num banco alto e fico a olhá-los, e pego no que está em cima. É uma edição de luxo. É dourada, um dourado de ouro velho. Na capa tem os Enamorados.
Folheio as cartas como se fossem um livro. E são um livro. Vejo algumas definições das lâminas. Têm correspondência com as cartas de jogar.
Antes há um homem. É jornalista, e está a correr por uma estrada de alcatrão. Ao lado dele está uma criança que também corre. Ele ri-se. E tira os sapatos. Só tira um. E desaperta a gravata e a atira-a fora. Diz:
“Fui director de tantas coisas, e agora não quero nada. Não estou nada interessado na minha vida anterior. Agora sou livre.”
E ri, e corre como se brincasse, pelo chão de asfalto, só com um pé calçado. E eu vou atrás dele. Ele quer mostrar uma coisa às pessoas. E quando pára, inesperadamente, estamos diante de um lago de água fresca, onde se pode tomar banho e mergulhar. Este é um segredo que ninguém conhece, porque estamos fora da cidade. É um paraíso por explorar. E ele quer que todos saibam disso.
E ali está ele, a brincar na água, tão próximo de uma estrada normal da cidade normal.
Sai da água, com a criança.É um rapaz de sete anos. E vão para a estrada pedir boleia. Eu sigo-os. E o que acontece é que ninguém pára, e ele fica um pouco espantado. Na verdade, tal como ele imagina as coisas, havia de parar logo um carro para os levar de volta, tanto mais que ele está molhado.

Depois, atravessa a estrada, lá pára então um carro e leva-os, e eu volto para o meu banco, diante do muro, e penso, então, roubar o baralho dos Enamorados.
Depois vejo o homem, o jornalista, de pé contra outro muro. Estão a prendê-lo pelos polegares que atravessam uns orifícios no muro, e pelos pés.
Depois estou no Algarve, a contar-lhe o que tinha visto as pessoas fazerem-lhe. Mas ao mesmo tempo sei que o fizeram a uma projecção, a uma emanação dele, porque ele tem o grande poder de dar às pessoas essas ilusões.
Assim, ele está ali, em liberdade, a seguir a sua estrada.
Eu digo: “estavam a prender aquilo que pensam que tu és”.
E conto-lhe que lhes roubei o baralho de tarô. Ele diz que não foi uma boa ideia:
“É como se trouxesses, de lá, essa energia, dentro da tua carteira.”
E eu pergunto:
“Devo fazer o quê?” E ele diz,
“se atirares com elas pela janela, as cartas têm poderes para se organizar de novo, todas juntas, num baralho. E tu ficas livre."

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