NOITE DE 26 PARA 27 DE FEVEREIRO DE 1998
É uma terra estrangeira e familiar, um local de trabalho onde me sinto como se estivesse de férias, porque tem uma luz lindíssima, como se fosse de Verão. Faz-me lembrar a luz do Alentejo. E é muito quente. Estão a construir uma rampa que eu costumava subir e que era muito íngreme. Agora, há máquinas a nivelar o piso. Nivelam o piso esmagando todos os carros ali estacionados, e espalhando depois terra e brita por cima deles. Vejo as máquinas a calcarem os carros, e a tapá-los com terra, e a aplanar o caminho, e eu ando à procura de casa, só que já tenho casa. E é uma casa que partilho com um amigo meu, que é estrangeiro, e temos dois filhos que são dele.
Nós vamos casar. Agora os filhos dele são, também, meus.
Entretanto começamos a dançar. Fico espantada, não sabia que ele sabia dançar. E ele fica espantado: não sabia, também, que eu dançava. E à medida que vamos dançando é como se eu adivinhasse os passos dele, que são lentos e muito elaborados, e não é nenhuma dança que eu tivesse conhecido antes, ou que alguma vez tivesse aprendido. E é como se fosse uma respiração, e é deslumbrantemente bom.
E depois há uma festa de trabalho. A essa festa vêm japoneses, porque há associações que vão ser levadas acabo, e o meu trabalho tem a ver com isso. Parece que vou ser apresentada a umas pessoas, e é por isso que me pediram para lá estar. E entretanto vamos conversando uns com os outros, e apresentam-nos a umas pessoas, entre as quais se encontram crianças prodígios. São crianças horrorosas, como as que vi (ontem) num programa de televisão.
Essas crianças desaparecem de seguida.
Subo umas escadas e estou no último andar do prédio onde vou viver, e há muita luz que se derrama pela clarabóia do tecto. Do patamar onde me encontro as escadas têm azulejos arte-nova, muito bonitos, mas alguns estão estragados. A senhoria, que está comigo, diz:
“E preciso mandar arranjar estes azulejos”.
Pergunto:
“Onde posso encontrar quem conheça ainda esta técnica?”
Ela diz que é muito fácil. Acontece que no mesmo prédio onde estamos, exactamente no andar debaixo do meu, há um homem que ainda trabalha nisso. “É um artista, um mestre”, diz ela. E chama por ele.
O homem sai de casa. A casa dele fica mesmo por baixo, à direita. É um homem com o cabelo muito comprido atrás, todo emaranhado, muito oleoso. Vêm outros homens com ele e eu tenho nojo. O homem sobe as escadas na minha direcção, mas à medida que sobe as escadas percebo que tem um rosto claro e bom, emoldurado pelas farripas brancas do seu cabelo de artista. Agora sei que é uma sorte conhecê-lo, porque é raríssimo encontrarmos artistas que, para além de perceberem estas técnicas, ainda por cima são os autores dos trabalhos.
Ele é do Porto. Eu estou maravilhada a olhar para aqueles azulejos de flores e ramos, mas ele diz-me que são muito fáceis de fazer, e que não têm nada de especial, e que ainda não vi o mais importante. Mostra à minha direita, no patamar que leva ao último andar, azulejos que são paisagens do vinho do Porto, coisas mais ou menos abstractas. O homem diz:
“Isto é que é um bom trabalho.”
Mais acima, há um nicho na parede, e nesse nicho está uma instalação em xisto. As pedras, negras, estão colocadas de tal forma que parecem sugerir o corpo de Cristo. O nicho está parcialmente coberto, na superfície da parede, com uma rede de galinheiro, esburacada. O homem diz:
“Estas pedras são raras.”
Fico espantada, porque aquela obra é de uma grande contemporaneidade. E penso, de repente, nos trabalhos que queria fazer e que têm a ver com aquelas formas que o homem me está a mostrar.
Diário dos meus sonhos. My colourful dream diary. Le journal de ma vie ensommeillée.
domingo, 28 de fevereiro de 2010
segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010
Eu estou no mato. Eu conheço África.
Noite de 5 para 6 de Junho de 1999
Volto para aquela terra onde vivi, há muitos anos. [...] Eu vou trabalhar para lá mas sinto-me desterrada. E há perigos. Dentro da minha casa fecho as portas e as janelas, mas é tudo um pouco provisório.
Há uma mulher e um homem. Eles são ameaçadores. Eu vou à Pousada com a mulher, porque quero convencê-la de que não desconfio de nada, para lhe fazer baixa a guarda. À entrada da Pousada está a Alexandra, sózinha. Entramos, e vamos para uma sala ao fundo. Julgo que convenci a mulher da minha ingenuidade, e fico satisfeita. Contudo, penso que é melhor fugir o quanto antes daquele lugar.
Reparo que não trouxe a carteira, mas já não é possível voltar atrás, para ir buscá-la. Agora a Alexandra não está na entrada. E eu não sei como avisá-la.
Percebo que é urgente fugir.
Saio e vejo no alto de umas escadas, homens emboscados que me querem matar. Um deles dispara um tiro na minha direcção. Não me acerta, mas as balas ricocheteiam na parede. Fujo, descendo uma rampa que dá para uma oficina. É uma oficina de um país africano, está cheia de carros, a maior parte deles muito velhos. Para saírem da oficina têm que receber uma ordem. Essa ordem é dada por uma senha que um senhor negro, idoso, tem, chamando os carros pelos números.
Eu sei que em África toda a gente apanha boleia de toda a gente. Mas o dono do carro que já pode sair não aparece. É um mini, mesmo minúsculo. Continuo a andar pela garagem. Agora tenho os homens atrás de mim. Vejo um homem dentro de um carro conversível, pronto para arrancar. Esse homem sai por outra saída, não precisa de senha. O carro é muito velho. Meto-me lá dentro e digo-lhe que me leve dali para fora. Ele arranca a fazer barulho com as rodas. Guia muito bem. Eu acho que ele participou em ralis. Mais à frente, já no mato, pergunta-me para onde vou. Conto-lhe estou a ser perseguida por um gang que me quer matar. Ele precisa de me esconder, ainda sou muito visível.
Ele fica branco de medo. A cara treme-lhe. Diz:
«Eu sou a pessoa que devia agredi-la. Eu ajudei o grupo contra si, não sabia quem você era.»
.Mas agora eu estou no mato. Estou fora do alcance dos homens. Eu conheço África. Penso:
«Que estupidez a deles. Pensarem em caçar-me no único território onde me é tão fácil escapar.»
Imagem: Bushland in South Africa [http://www.flickr.com/photos/96203093@N00/300329158/]
Volto para aquela terra onde vivi, há muitos anos. [...] Eu vou trabalhar para lá mas sinto-me desterrada. E há perigos. Dentro da minha casa fecho as portas e as janelas, mas é tudo um pouco provisório.
Há uma mulher e um homem. Eles são ameaçadores. Eu vou à Pousada com a mulher, porque quero convencê-la de que não desconfio de nada, para lhe fazer baixa a guarda. À entrada da Pousada está a Alexandra, sózinha. Entramos, e vamos para uma sala ao fundo. Julgo que convenci a mulher da minha ingenuidade, e fico satisfeita. Contudo, penso que é melhor fugir o quanto antes daquele lugar.
Reparo que não trouxe a carteira, mas já não é possível voltar atrás, para ir buscá-la. Agora a Alexandra não está na entrada. E eu não sei como avisá-la.
Percebo que é urgente fugir.
Saio e vejo no alto de umas escadas, homens emboscados que me querem matar. Um deles dispara um tiro na minha direcção. Não me acerta, mas as balas ricocheteiam na parede. Fujo, descendo uma rampa que dá para uma oficina. É uma oficina de um país africano, está cheia de carros, a maior parte deles muito velhos. Para saírem da oficina têm que receber uma ordem. Essa ordem é dada por uma senha que um senhor negro, idoso, tem, chamando os carros pelos números.
Eu sei que em África toda a gente apanha boleia de toda a gente. Mas o dono do carro que já pode sair não aparece. É um mini, mesmo minúsculo. Continuo a andar pela garagem. Agora tenho os homens atrás de mim. Vejo um homem dentro de um carro conversível, pronto para arrancar. Esse homem sai por outra saída, não precisa de senha. O carro é muito velho. Meto-me lá dentro e digo-lhe que me leve dali para fora. Ele arranca a fazer barulho com as rodas. Guia muito bem. Eu acho que ele participou em ralis. Mais à frente, já no mato, pergunta-me para onde vou. Conto-lhe estou a ser perseguida por um gang que me quer matar. Ele precisa de me esconder, ainda sou muito visível.
Ele fica branco de medo. A cara treme-lhe. Diz:
«Eu sou a pessoa que devia agredi-la. Eu ajudei o grupo contra si, não sabia quem você era.»
.Mas agora eu estou no mato. Estou fora do alcance dos homens. Eu conheço África. Penso:
«Que estupidez a deles. Pensarem em caçar-me no único território onde me é tão fácil escapar.»
Imagem: Bushland in South Africa [http://www.flickr.com/photos/96203093@N00/300329158/]
O marido da Gigi é velho e atira-me um sapato
Noite de 15 para 16 de Maio de 1999
Estamos no restaurante da Gigi. Ela está muito ocupada, tão ocupada que não consigo falar com ela. Vejo-a no meio de um grupo de mulheres que preparam petiscos. Depois aproximo-me e já não a vejo. As mulheres dizem-me que ela já saiu.
Tenho algumas carteiras minhas que fiquei de levar, e quero aproveitar agora que estou ali. Mas entretanto não as consigo reunir, e o carro não está perto. Sei que o Otto anda ali, e deve estar a chegar. E vejo a Susana, passo por ela e falo-lhe. Ela está a brincar com uma criança. É uma menina e é filha da Gigi. Digo:
«Olá, Susana», e sigo. Então entro em casa da Gigi pelas traseiras, e a porta estou aberta, e vou dar a um quarto, e o quarto está muito escuro, e dentro do quarto está um homem a dormir. Esse homem é velho. É o marido da Gigi, e fica tão mal disposto que me atira um sapato e eu saio.
Estamos no restaurante da Gigi. Ela está muito ocupada, tão ocupada que não consigo falar com ela. Vejo-a no meio de um grupo de mulheres que preparam petiscos. Depois aproximo-me e já não a vejo. As mulheres dizem-me que ela já saiu.
Tenho algumas carteiras minhas que fiquei de levar, e quero aproveitar agora que estou ali. Mas entretanto não as consigo reunir, e o carro não está perto. Sei que o Otto anda ali, e deve estar a chegar. E vejo a Susana, passo por ela e falo-lhe. Ela está a brincar com uma criança. É uma menina e é filha da Gigi. Digo:
«Olá, Susana», e sigo. Então entro em casa da Gigi pelas traseiras, e a porta estou aberta, e vou dar a um quarto, e o quarto está muito escuro, e dentro do quarto está um homem a dormir. Esse homem é velho. É o marido da Gigi, e fica tão mal disposto que me atira um sapato e eu saio.
«Porque é que para as mulheres é tudo tão mais difícil, sempre?»
Noite de 29 para 30 de Abril de 1999
Subo as escadas estreitas da oficina. São umas escadas que cortam o tecto, em traves de madeira, e entro para uma espécie de sótão, bem amplo e muito iluminado pela luz do dia. É uma oficina. Naquela oficina trabalham crianças. É uma oficina de trabalho infantil. Um dos rapazes com quem falo tem 12 anos. A pele dele é clara. Tem manchas na pele.
Sei que me deixaram entrar ali porque estou com Otto, e ele tem negócios com o dono daquele sítio. Porém ele não sabe que ali trabalham crianças.
Espalhados pelo chão estão artefactos de madeira, coisas semi-esculpidas. Não é escultura. Talvez artesanato, num sentido mais tradicional. Acho que algumas peças são experiências. Acho que aqueles miúdos gostam de estar ali. É um sítio alegre. Penso: «é melhor do que andarem na rua, sem saber o que fazer, ou a drogarem-se.»
Porque aquelas crianças encontram ali um destino e um caminho, é isso que eu acho. Acho também que ninguém sonha quem eu sou. Se soubessem a minha profissão nem me teriam deixado entrar. E muito menos andar tão à vontade por todo o lado.
Depois nós vamos viajar, mas eu tenho de ir à casa de banho. Estamos no aeroporto mas é uma construção estranha. Vou à casa de banho, empurro a porta e é a parte dos homens e tem um homem lá dentro. Saio e vejo a porta da casa de banho das mulheres. Empurro a porta e vejo uma rampa incrivelmente inclinada. Como estou de saltos altos, digo:
«Porque é que para as mulheres é tudo tão mais difícil, sempre?»
Desço a rampa com muito cuidado e penso: «depois vai ser ainda mais difícil de subir de volta aquela rampa tão íngreme». E penso também que para mulheres com filhos pequenos ainda será mais difícil.
Saio e olho para o relógio. São dez e meia. O avião era ás 10 horas, mas não ouvi a chamada de embarque. O Otto já foi, e não sei como encontrá-lo. Porém tenho alguma esperança que o avião se tenha atrasado, mas acho que isso é ser demasiado optimista. Meia hora é muito tempo para um avião se atrasar. Penso:
«Se telefonar a dizer que há uma bomba a bordo, não deixam o avião levantar voo.»
Mas penso também: «se fizer isto nunca mais na minha vida posso ligar para a TAP, porque vão ficar com o registo da minha voz e mais tarde ou mais cedo apanham-me.»
Depois penso que deve ser para apanhar os aviões que as pessoas atrasadas telefonam a dizer que há bombas.
Agora estou na pista do aeroporto, dentro de um carrinho com bagagens, e vejo, ao longe, a carrinha de bagagens onde estão Otto e little James, mas acho que já não vou conseguir apanhá-los, nem eles me conseguem ouvir. Mas por uma manobra incrível, em semi-círculo, o meu condutor acaba por me colocar exactamente atrás deles, o nosso carro colado ao carro deles, e eu passo para a li, e abraço-me ao Otto e digo:
«Olha, nunca pensei que conseguia.»
Subo as escadas estreitas da oficina. São umas escadas que cortam o tecto, em traves de madeira, e entro para uma espécie de sótão, bem amplo e muito iluminado pela luz do dia. É uma oficina. Naquela oficina trabalham crianças. É uma oficina de trabalho infantil. Um dos rapazes com quem falo tem 12 anos. A pele dele é clara. Tem manchas na pele.
Sei que me deixaram entrar ali porque estou com Otto, e ele tem negócios com o dono daquele sítio. Porém ele não sabe que ali trabalham crianças.
Espalhados pelo chão estão artefactos de madeira, coisas semi-esculpidas. Não é escultura. Talvez artesanato, num sentido mais tradicional. Acho que algumas peças são experiências. Acho que aqueles miúdos gostam de estar ali. É um sítio alegre. Penso: «é melhor do que andarem na rua, sem saber o que fazer, ou a drogarem-se.»
Porque aquelas crianças encontram ali um destino e um caminho, é isso que eu acho. Acho também que ninguém sonha quem eu sou. Se soubessem a minha profissão nem me teriam deixado entrar. E muito menos andar tão à vontade por todo o lado.
Depois nós vamos viajar, mas eu tenho de ir à casa de banho. Estamos no aeroporto mas é uma construção estranha. Vou à casa de banho, empurro a porta e é a parte dos homens e tem um homem lá dentro. Saio e vejo a porta da casa de banho das mulheres. Empurro a porta e vejo uma rampa incrivelmente inclinada. Como estou de saltos altos, digo:
«Porque é que para as mulheres é tudo tão mais difícil, sempre?»
Desço a rampa com muito cuidado e penso: «depois vai ser ainda mais difícil de subir de volta aquela rampa tão íngreme». E penso também que para mulheres com filhos pequenos ainda será mais difícil.
Saio e olho para o relógio. São dez e meia. O avião era ás 10 horas, mas não ouvi a chamada de embarque. O Otto já foi, e não sei como encontrá-lo. Porém tenho alguma esperança que o avião se tenha atrasado, mas acho que isso é ser demasiado optimista. Meia hora é muito tempo para um avião se atrasar. Penso:
«Se telefonar a dizer que há uma bomba a bordo, não deixam o avião levantar voo.»
Mas penso também: «se fizer isto nunca mais na minha vida posso ligar para a TAP, porque vão ficar com o registo da minha voz e mais tarde ou mais cedo apanham-me.»
Depois penso que deve ser para apanhar os aviões que as pessoas atrasadas telefonam a dizer que há bombas.
Agora estou na pista do aeroporto, dentro de um carrinho com bagagens, e vejo, ao longe, a carrinha de bagagens onde estão Otto e little James, mas acho que já não vou conseguir apanhá-los, nem eles me conseguem ouvir. Mas por uma manobra incrível, em semi-círculo, o meu condutor acaba por me colocar exactamente atrás deles, o nosso carro colado ao carro deles, e eu passo para a li, e abraço-me ao Otto e digo:
«Olha, nunca pensei que conseguia.»
Foi só sexo
Noite de 17 para 18 de Abril de 1999
Quero ir a uma casa de banho. Na rua há uma placa, no primeiro andar, de um restaurante. Tem um letreiro a dizer: “aqui há tubarão”. Digo ao Otto: “vou ao restaurante para ir à casa de banho.” Subo as escadas Lá em cima os empregados estão a acabar de arrumar as salas. Não há ainda nenhuns clientes. Peço a um dos empregados que me mostre a lista ou que me dê uma cópia para eu “levar ao meu marido”. Eles mostram-me uma ementa encadernada, mas eu insisto que é para levar, basta-me uma cópia. Na verdade é uma desculpa, para não entrar directamente para a casa de banho.
Dois empregados precipitam-se ao mesmo tempo para uma mesa e copiam os dois, num caderno, a ementa. Eu digo:
“Não é preciso a ementa toda, basta alguns dos pratos principais”.
Avanço para a casa de banho, entro e percebo que as portas são apenas cortinados, e que há homens lá dentro a acabar as arrumações. Fico frustrada e saio. Vejo outra porta. É outra casa de banho. Lá dentro, sentado a uma mesa baixa e virado para a entrada, está um homem com um ar cansado, aborrecido. É um homem de 60 aos. Ele cobra a entrada para a casa de banho. Eu penso:
“Que tolice. Perdi tempo, quando afinal aqui, por uma moeda, nem precisava de fazer conversa.”
Dou uma moeda ao homem, que me dá a minha ficha, entro por uma porta e percebo que, afinal, acabei por sair e estou na rua.
Digo ao Otto:
“Que maçada. Nem trouxe a ementa, nem fiz chichi.”
E depois estamos numa ponte, e sobre a ponte há muita gente, em grupos. Há um grupo de raparigas novas que eu não conhecia, mas com quem estabelecemos logo uma certa cumplicidade. No meio de nós há uma fogueira. O Otto brinca com todas elas, e mete-se especialmente com uma, que nem sequer é a mais bonita, mas que lhe dá imenso troco. Ele diz:
“Vamos até ali atrás das muralhas”
E ela diz:
“Já.”
Saem os dois abraços, e eu e as outras raparigas continuamos a conversar e a rir. Uma delas pergunta:
“Não te fazer impressão ele sair, à tua frente, com outra? Essas coisas não te afectam?”
E respondo:
“Oh, não! Tenho absoluta confiança nele. Foram só dar uma volta.”
Eu estou tranquila, e quando eles chegam pergunto:
“Então? O que foram fazer?”
E ele responde:
“Foi só sexo.”
Fico tão espantada que julgo que ele está a brincar. Insisto e ele volta a dar a mesma resposta. Eu digo:
“Assim temos que acabar imediatamente esta história. É impensável uma relação nestes termos.”
Estou atordoada. Ele olha-me, incrédulo:
“Não percebes? Foi só sexo. É uma estupidez acabar uma relação por causa de uma coisa dessas.”
Imagem: dezeen [http://www.dezeen.com/2008/11/27/inamo-restaurant-by-blacksheep/]
Quero ir a uma casa de banho. Na rua há uma placa, no primeiro andar, de um restaurante. Tem um letreiro a dizer: “aqui há tubarão”. Digo ao Otto: “vou ao restaurante para ir à casa de banho.” Subo as escadas Lá em cima os empregados estão a acabar de arrumar as salas. Não há ainda nenhuns clientes. Peço a um dos empregados que me mostre a lista ou que me dê uma cópia para eu “levar ao meu marido”. Eles mostram-me uma ementa encadernada, mas eu insisto que é para levar, basta-me uma cópia. Na verdade é uma desculpa, para não entrar directamente para a casa de banho.
Dois empregados precipitam-se ao mesmo tempo para uma mesa e copiam os dois, num caderno, a ementa. Eu digo:
“Não é preciso a ementa toda, basta alguns dos pratos principais”.
Avanço para a casa de banho, entro e percebo que as portas são apenas cortinados, e que há homens lá dentro a acabar as arrumações. Fico frustrada e saio. Vejo outra porta. É outra casa de banho. Lá dentro, sentado a uma mesa baixa e virado para a entrada, está um homem com um ar cansado, aborrecido. É um homem de 60 aos. Ele cobra a entrada para a casa de banho. Eu penso:
“Que tolice. Perdi tempo, quando afinal aqui, por uma moeda, nem precisava de fazer conversa.”
Dou uma moeda ao homem, que me dá a minha ficha, entro por uma porta e percebo que, afinal, acabei por sair e estou na rua.
Digo ao Otto:
“Que maçada. Nem trouxe a ementa, nem fiz chichi.”
E depois estamos numa ponte, e sobre a ponte há muita gente, em grupos. Há um grupo de raparigas novas que eu não conhecia, mas com quem estabelecemos logo uma certa cumplicidade. No meio de nós há uma fogueira. O Otto brinca com todas elas, e mete-se especialmente com uma, que nem sequer é a mais bonita, mas que lhe dá imenso troco. Ele diz:
“Vamos até ali atrás das muralhas”
E ela diz:
“Já.”
Saem os dois abraços, e eu e as outras raparigas continuamos a conversar e a rir. Uma delas pergunta:
“Não te fazer impressão ele sair, à tua frente, com outra? Essas coisas não te afectam?”
E respondo:
“Oh, não! Tenho absoluta confiança nele. Foram só dar uma volta.”
Eu estou tranquila, e quando eles chegam pergunto:
“Então? O que foram fazer?”
E ele responde:
“Foi só sexo.”
Fico tão espantada que julgo que ele está a brincar. Insisto e ele volta a dar a mesma resposta. Eu digo:
“Assim temos que acabar imediatamente esta história. É impensável uma relação nestes termos.”
Estou atordoada. Ele olha-me, incrédulo:
“Não percebes? Foi só sexo. É uma estupidez acabar uma relação por causa de uma coisa dessas.”
Imagem: dezeen [http://www.dezeen.com/2008/11/27/inamo-restaurant-by-blacksheep/]
As pessoas alegres saem da missa do Galo mas o bebé está sózinho
Noite de 6 para 7 de Abril de 1999 Cruzo-me com todas aquelas pessoas que vêm da direcção para onde eu caminho agora. Elas acabam de sair da Missa do Galo. Fico contente porque enchem, inesperadamente, a noite, tornando-a absolutamente segura. Penso:
“Se não fosse assim, as ruas estariam desertas e eu ia por aqui sozinha”.
As pessoas vão em grupos animados. Algumas estão bem vestidas. Riem e conversam. Abro caminho através delas porque vou para casa do meu pai. Atravesso o jardim, e vejo, através do vidro da porta, a minha mãe. Ela faz-me sinal com as mãos, o rosto fechado e duro, e diz, dessa forma inequívoca:
“Vai-te embora, dorme na rua, fica onde quiseres, aqui não voltas.”
Mas eu preciso de entrar. E sei que para entrar tenho que inventar uma mentira, e dizer o que não penso.
Então digo que vim da Missa do Galo e que só preciso de ir buscar algumas coisas, embora saiba que não tenho coisas nenhumas para trazer daquela casa.
Finalmente é assim que venço a sua resistência. Ela abre a porta e eu entro para o hall. A certa altura estou a fazer-lhe perguntas sobre a minha infância. Eu quero saber o que aconteceu. Ela diz que não aconteceu nada. Falo de um sonho que tive há uns anos, com um berço onde está um bebé. Esse bebé está horrivelmente sozinho. Sei que esse bebé sou eu acordei com avassaladora vontade de chorar. Ela está nervosa. Diz que isso não é possível. Pergunto-lhe:
“Vocês fizeram-me o quê?”
Porque apesar de ela dizer que nós éramos felizes e muito bem tratados, eu sei que isso não é verdade, porque aquele bebé do meu outro sonho está abandonado num quarto enorme.
“Se não fosse assim, as ruas estariam desertas e eu ia por aqui sozinha”.
As pessoas vão em grupos animados. Algumas estão bem vestidas. Riem e conversam. Abro caminho através delas porque vou para casa do meu pai. Atravesso o jardim, e vejo, através do vidro da porta, a minha mãe. Ela faz-me sinal com as mãos, o rosto fechado e duro, e diz, dessa forma inequívoca:
“Vai-te embora, dorme na rua, fica onde quiseres, aqui não voltas.”
Mas eu preciso de entrar. E sei que para entrar tenho que inventar uma mentira, e dizer o que não penso.
Então digo que vim da Missa do Galo e que só preciso de ir buscar algumas coisas, embora saiba que não tenho coisas nenhumas para trazer daquela casa.
Finalmente é assim que venço a sua resistência. Ela abre a porta e eu entro para o hall. A certa altura estou a fazer-lhe perguntas sobre a minha infância. Eu quero saber o que aconteceu. Ela diz que não aconteceu nada. Falo de um sonho que tive há uns anos, com um berço onde está um bebé. Esse bebé está horrivelmente sozinho. Sei que esse bebé sou eu acordei com avassaladora vontade de chorar. Ela está nervosa. Diz que isso não é possível. Pergunto-lhe:
“Vocês fizeram-me o quê?”
Porque apesar de ela dizer que nós éramos felizes e muito bem tratados, eu sei que isso não é verdade, porque aquele bebé do meu outro sonho está abandonado num quarto enorme.
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