Noite de 29 para 30 de Abril de 1999
Subo as escadas estreitas da oficina. São umas escadas que cortam o tecto, em traves de madeira, e entro para uma espécie de sótão, bem amplo e muito iluminado pela luz do dia. É uma oficina. Naquela oficina trabalham crianças. É uma oficina de trabalho infantil. Um dos rapazes com quem falo tem 12 anos. A pele dele é clara. Tem manchas na pele.
Sei que me deixaram entrar ali porque estou com Otto, e ele tem negócios com o dono daquele sítio. Porém ele não sabe que ali trabalham crianças.
Espalhados pelo chão estão artefactos de madeira, coisas semi-esculpidas. Não é escultura. Talvez artesanato, num sentido mais tradicional. Acho que algumas peças são experiências. Acho que aqueles miúdos gostam de estar ali. É um sítio alegre. Penso: «é melhor do que andarem na rua, sem saber o que fazer, ou a drogarem-se.»
Porque aquelas crianças encontram ali um destino e um caminho, é isso que eu acho. Acho também que ninguém sonha quem eu sou. Se soubessem a minha profissão nem me teriam deixado entrar. E muito menos andar tão à vontade por todo o lado.
Depois nós vamos viajar, mas eu tenho de ir à casa de banho. Estamos no aeroporto mas é uma construção estranha. Vou à casa de banho, empurro a porta e é a parte dos homens e tem um homem lá dentro. Saio e vejo a porta da casa de banho das mulheres. Empurro a porta e vejo uma rampa incrivelmente inclinada. Como estou de saltos altos, digo:
«Porque é que para as mulheres é tudo tão mais difícil, sempre?»
Desço a rampa com muito cuidado e penso: «depois vai ser ainda mais difícil de subir de volta aquela rampa tão íngreme». E penso também que para mulheres com filhos pequenos ainda será mais difícil.
Saio e olho para o relógio. São dez e meia. O avião era ás 10 horas, mas não ouvi a chamada de embarque. O Otto já foi, e não sei como encontrá-lo. Porém tenho alguma esperança que o avião se tenha atrasado, mas acho que isso é ser demasiado optimista. Meia hora é muito tempo para um avião se atrasar. Penso:
«Se telefonar a dizer que há uma bomba a bordo, não deixam o avião levantar voo.»
Mas penso também: «se fizer isto nunca mais na minha vida posso ligar para a TAP, porque vão ficar com o registo da minha voz e mais tarde ou mais cedo apanham-me.»
Depois penso que deve ser para apanhar os aviões que as pessoas atrasadas telefonam a dizer que há bombas.
Agora estou na pista do aeroporto, dentro de um carrinho com bagagens, e vejo, ao longe, a carrinha de bagagens onde estão Otto e little James, mas acho que já não vou conseguir apanhá-los, nem eles me conseguem ouvir. Mas por uma manobra incrível, em semi-círculo, o meu condutor acaba por me colocar exactamente atrás deles, o nosso carro colado ao carro deles, e eu passo para a li, e abraço-me ao Otto e digo:
«Olha, nunca pensei que conseguia.»
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