NOITE DE 23 PARA 24 DE ABRIL
Muitos animais selvagens. São domesticados. Vivem numa fazenda, em África. Vejo passar um burro, e, ao longe, em linha recta em relacção ao meu olhar, um leopardo e um chacal. São dois felinos. Há mais animais. Esses animais passeiam. E há pessoas. Essas pessoas têm jipes. Mudaram-se para ali, e agora não querem viver em mais lado nenhum. Habituaram-se aos animais e habituaram os animais à sua companhia e á companhia uns dos outros. Alimentam-nos muito bem e a horas, para não entrarem em conflito. Percebo que preciso de ficar ali mais algum tempo. Aviso para casa? Ou para trabalho? Que vou estar alguns dias naquele local.
Mas então recordo-me que não trouxe pensos, e agora estou com o período. E não trouxe roupa interior para mudar. Sinto-me confortada por haver mulheres ali. A dona da casa leva-me ao seu quarto e procura aquilo que eu preciso. E pergunta-me se tenho alguma problema com roupa interior fabricada na União Soviética. Diz:
«Não é muito bonita mas é resistente».
E depois preciso de levar um animal ao Vale de Morte.
Mas não é um animal: no meu colo levo uma criança. E eu estou a amamentar essa criança. O vale é uma espécie de vala, uma lixeira sem lixo. Uma cova desolada e irregular. Ando, por ali sem destino e vejo descer ao meu encontro, a Morte. É uma mulher, tem o rosto coberto, e o vestido cai-lhe em pregas largas até aos pés. A mulher aproxima-se de mim. Não sinto medo. Não sinto nada. A não ser uma recusa cada vez maior em dar-lhe a criança que levo no colo. Dizem-me que é assim que devo fazer. E que não devo olhar para traz, porque é a lei da vida. Agora a Morte está muito próxima de mim, nas minhas costas, e eu sinto que toda a energia que habitava o corpo que trago no colo o abandonou. Percebo que é assim que se morre. No entanto não aceito: estava a amamentar a criança com o peito direito agora mudo-a para o esquerdo. E ela mexe-se. Já não quer mais leite, porque está satisfeita. Respira de satisfação, e está, de novo, viva nos meus braços.
Atrás de mim, a Morte recua.
E depois passo junto à Câmara e, no passeio, está um corvo. É um corvo muito negro. Levanta voo, e eu vejo a sua plumagem azul, porque é um corvo negro azulado. Digo para a pessoa que vai ao meu lado:
- Não sabia que no Porto havia corvos tão bonitos. Afinal é uma ave da heráldica de Lisboa.
Fico contente por ter visto um corvo tão belo.
Créditos imagem:
http://10000birds.com/fish-crow-at-jamaica-bay.htm
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