quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Fora do avião, a cair do céu, vêm duas meninas

NOITE DE 21 PARA 22 DE ABRIL DE 1998
Estou num avião muito grande e muito pesado. Espreito pela janela e vejo um céu escuro, um céu escuro da cor de chumbo. É um céu de tempestade. Sinto uma opressão indizível. A mãe da Alexandra espreita pela janela. Diz:

- Quando o céu está assim, pode ficar semanas.
A sensação de angústia cresce. Penso: «não vou conseguir aguentar esta escuridão». Mas está a acontecer alguma coisa no céu. A mãe da Alexandra continua a falar, mas eu peço que todos se calem para me concentrar. Há um vento, fora do avião, que está a varrer as nuvens. A princípio mal se nota. Depois é visível para toda a gente que o céu fica azul, azul brilhante e sem nuvens.

Fora do avião, a cair do céu, vêm duas meninas. Têm seis anos e são gémeas. A roupa delas vem a seguir. Uma das meninas estende os braços para cima e diz à roupa:
- Se não te despachares entro sem ti.
As saias, iguais, caiem sobre as meninas como corolas de flor. Os chapéus poisam-lhes na cabeça. São chapéus de palha. A porta do avião está aberta para elas entrarem, e as pessoas seguram a porta com força por causa do vento. As meninas riem.

Então, quando o avião vai aterrar há um vagabundo que me diz:
- Como viajo sem bilhete, tenho que ficar no chão quando o avião poisa. Podias fazer-me companhia.
Eu fico com ele porque tenho pena. Agora estamos os dois na pista negra de alcatrão enquanto a sombra enorme do avião paira sobre nós. O vagabundo diz:
- Não há perigo. O único perigo são os gases da combustão. Mas só por uma vez não faz mal. Eu já estou acostumado.

Há mais pessoas na pista. São as pessoas que viajam desta forma. Nem todas são pobres ou vagabundos. Nem todas. Perto vejo o Z.M., mas não vem para o nosso lado. Agora o avião já poisou, e as pessoas dirigem-se todas para a alfândega. Eu já tenho o passaporte e o bilhete na mão. Levo-os bem estendidos. Enquanto não chega a minha vez, e debaixo das asas do avião, vejo duas raparigas dançar ao som de uma música muito moderna. Sorrio, porque gosto de as ver dançar.

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