Noite de 5 para 6 de Abril de 1999
Uma casa no campo. É uma casa muito grande, com muitas salas e muitos quartos. É a casa do padre da aldeia, mas também é a minha casa. Pelo menos temporariamente, vou ficar ali a viver. O padre vai à frente, para mostrar tudo. Na sua configuração a casa recorda-me um pouco casas na América Latina ou na Andaluzia, fechadas sobre a rua e abertas, por dentro, para pátios amplos, com jardins, como claustros. Assim as janelas dos quartos que dão para a rua estão no alto das paredes, e são pequenas e estreitas, enquanto que, e para o grande pátio interior, as portas rasgam-se de uma maneira ampla.
Por outro lado aquela construção também me recorda uma antiga escola primária.
A mobília é antiga e modesta, como nas casas de quintas. No entanto, parece-me ver, aqui e além, coisas de valor, ou pelos menos objectos a que eu ficaria facilmente ligada. Há também crucifixos, na parede. Um deles parece-me muito bonito.
O padre é meu amigo. É um rapaz novo. Vou andando com ele pela casa, e connosco vai outro homem, também novo. Às vezes, eu o padre ficamos de mãos agarradas e não nos queremos largar. Há uma cumplicidade amorosa entre nós. O padre entretanto diz que temos que nos despachar porque só podemos ver a casa com a luz do dia, uma vez que não há electricidade. Ou se havia, o gerador foi desligado. E agora as sombras vão caindo e eu não tenho a certeza de que vamos conseguir ver a casa toda.
Não me lembro porque estou ali.
Chegamos a um quarto pequeno, com uma cama de solteiro baixa, em madeira. Parece que vai ser ali o quarto da minha mãe, porque foi aquele que ela escolheu. Voltamos para trás pelo mesmo caminho, só que é outro. Passamos por um quarto e eu olho lá para dentro e vejo, sobre uma cama encostada à parede, um diabo em tamanho natural. É um boneco, claro, de cara muito pintada, com um fato preto até aos pés, e corninhos de diabo, e nariz curvado de diabo. Penso que é utilizado nas procissões. Perto há uma cara sobressalente. O diabo/boneco tem um ar triste. Continuamos a andar, mas eu fico perturbada. E penso:
“Mas que ideia, um boneco destes na casa de um padre”.
Mesmo como adereço religioso (para as procissões ou teatros) faz-me impressão que ele ali estivesse. E deu-me algum medo, quando olhei para dentro do quarto e o vi. O quarto estava iluminado com luz eléctrica.
O padre e eu temos um caso, ou estamos na iminência de isso acontecer. E penso que com o amigo dele também (embora neste momento e a recordar-me, parece-me que eram os dois a mesma pessoa).
Agora estou a passar por um corredor estreito, que está completamente cheio de pessoas. As pessoas estão numa festa. Há música e há pares a dançarem, no apertado corredor. Empurro-os para sair.
Eu vou sair para um espaço mais amplo.
Diário dos meus sonhos. My colourful dream diary. Le journal de ma vie ensommeillée.
segunda-feira, 11 de janeiro de 2010
Hare krishna people
Noite de 30 para 21 de Março de 1999
Estamos todos a entrar para um carro. É um volkswagen. Somos muitos. Estamos em Lisboa, no Príncipe Real. Uma das pessoas traz um bebé muito pequeno. Pergunto-lhe se o bebé tem dois meses. Ela responde:
“Tem um ano”.
Fico envergonhada porque ter dito que o filho dela é tão pequeno. Finalmente, e depois de muitas mudanças de planos, fica resolvido que vou eu a guiar.
O carro tem quatro portas.
Entro para o meu lugar, mas não é tão fácil como parecia pô-lo a trabalhar e depois em marcha. Finalmente consigo levá-lo até ao Príncipe Real. Curiosamente, o percurso que fazemos foi quase para o mesmo sítio, só que ligeiramente mais à frente. Entretanto chegamos diante do antigo palácio dos amigos nossos, e eu tento parar o carro. Mas o carro não pára. Eu simplesmente não consigo pôr o pé no travão. Não é possível. Felizmente vamos muito devagar, e então meto o carro na garagem do palácio.
É muito ampla e tem lá alguns carros guardados. Carros muito bons. Saio do wolkswagen mas tenho de lhe pôr uns calços para ele parar. Só que agora já não é um carro, assim como os outros todos, porque perdeu a sua estrutura de carro.
Actualmente, como verificamos, o palácio ainda pertence a alguns remotos amigos de amigos nossos, que pertencem, por sua vez, a uma seita oriental, tipo Hare Krishna. As pessoas usam túnicas, compridas, de cores, e os rapazes têm a cabeça rapada e pinturas no rosto. E eu digo:
“Agora já percebo de onde eles saem” porque me recordo de pensar ao vê-los na rua a distribuir folhetos, quando estou acordada:
“Onde é que eles viverão?”
Mas estas pessoas são incrivelmente snobs. Uma rapariga passa por nós, com rolos de tecido nos braços para colocá-los sobre uma mesa, à entrada, e mal responde a uma pergunta nossa. Os tecidos são maravilhosos. E eu digo a uma amiga minha que esteve ligada a um desses cultos:
“Parece-me que com estas atitudes, estas pessoas não deixam a energia fluir e não se libertam. Assim, tudo isto é tão inútil”.
E ela responde:
“Pois é" e utiliza uma expressão em sânscrito, (no sonho eu sei que é sânscrito) e que quer dizer “o fluir de Bramhan”.
Entretanto começa a chegar muita gente que enche o átrio onde estamos. Todas as pessoas pertencem àquela irmandade, menos nós. Vai celebrar-se um casamento. Vemos sair, por uma porta interior, os noivos e o sacerdote.
Reconheço os noivos: tinham passado por nós, muito depressa, no carro deles, quando estávamos na estrada. Não são novos, mas também não são velhos. Têm 40 e tal anos e são um pouco gordos. Estão profundamente felizes os dois.
Curiosamente, a sua maquilhagem - estão ambos pintados - é feita de cobertura de açúcar, como nos bolos. Quer dizer, eles estão pintados com os mesmo produtos que se utilizam na culinária. Uma pasta de açúcar, muito branca, com cores de bolo de anos cobre-lhes a cara. Espalha-se na boca, nas maçãs do rosto e nas pálpebras.O sacerdote que os vai casar também está assim, só que as cores dele são sobre o escuro. No nariz tem um adorno que é uma espécie de bico.
É muito estranho.
Entretanto há muitos doces, que vão ser distribuídos pelas pessoas. Percebo que o sacerdote diz qualquer coisa em voz baixa enquanto olha na nossa direcção. E eu digo à minha amiga:
“Uma vez que não pertencemos a esta seita, nem fomos convidados para o casamento, não podemos aceitar nenhum bolo, porque seria indelicado.”
E todos concordaram comigo.
Um rapaz muito alto, de túnica cor de açafrão, chega junto de nós com uma bandeja cheia de bolos, de uma cor deliciosamente amarela. A minha amiga diz que não pode aceitar. Não me recordo das palavras, mas fá-lo de uma forma muito rude, mesmo ofensiva. O rapaz fica perplexo. Eu digo-lhe:
«Quer ouvir a verdadeira razão?”
Ele já se vai embora, ofendido, mas pára. Explico-lhe e ele sorri:
“Esse é um motivo válido, e se posso exprimir-me assim, elegante. A sua amiga põe as coisas de uma forma muito grosseira.
E agora estamos todos na cozinha da minha casa a lavar a loiça da festa. É tanta. Quando chego, no entanto, já está quase toda lavada. Penso:
“O problema seguinte é o tempo que vai demorar a arrumar toda esta loiça”.
Mas o chefe das operações diz:
“Esteja à vontade. Se quiser ser você agora a lavar, dou-lhe a vez”.
E eu digo que não. Começo a juntar mais coisas, espalhadas, e reparo que ainda há muito para lavar. Peças soltas. Mas quando volto a olhar o lava-loiça está vazio, e tudo já foi arrumado.
Estamos todos a entrar para um carro. É um volkswagen. Somos muitos. Estamos em Lisboa, no Príncipe Real. Uma das pessoas traz um bebé muito pequeno. Pergunto-lhe se o bebé tem dois meses. Ela responde:
“Tem um ano”.
Fico envergonhada porque ter dito que o filho dela é tão pequeno. Finalmente, e depois de muitas mudanças de planos, fica resolvido que vou eu a guiar.
O carro tem quatro portas.
Entro para o meu lugar, mas não é tão fácil como parecia pô-lo a trabalhar e depois em marcha. Finalmente consigo levá-lo até ao Príncipe Real. Curiosamente, o percurso que fazemos foi quase para o mesmo sítio, só que ligeiramente mais à frente. Entretanto chegamos diante do antigo palácio dos amigos nossos, e eu tento parar o carro. Mas o carro não pára. Eu simplesmente não consigo pôr o pé no travão. Não é possível. Felizmente vamos muito devagar, e então meto o carro na garagem do palácio.
É muito ampla e tem lá alguns carros guardados. Carros muito bons. Saio do wolkswagen mas tenho de lhe pôr uns calços para ele parar. Só que agora já não é um carro, assim como os outros todos, porque perdeu a sua estrutura de carro.
Actualmente, como verificamos, o palácio ainda pertence a alguns remotos amigos de amigos nossos, que pertencem, por sua vez, a uma seita oriental, tipo Hare Krishna. As pessoas usam túnicas, compridas, de cores, e os rapazes têm a cabeça rapada e pinturas no rosto. E eu digo:
“Agora já percebo de onde eles saem” porque me recordo de pensar ao vê-los na rua a distribuir folhetos, quando estou acordada:
“Onde é que eles viverão?”
Mas estas pessoas são incrivelmente snobs. Uma rapariga passa por nós, com rolos de tecido nos braços para colocá-los sobre uma mesa, à entrada, e mal responde a uma pergunta nossa. Os tecidos são maravilhosos. E eu digo a uma amiga minha que esteve ligada a um desses cultos:
“Parece-me que com estas atitudes, estas pessoas não deixam a energia fluir e não se libertam. Assim, tudo isto é tão inútil”.
E ela responde:
“Pois é" e utiliza uma expressão em sânscrito, (no sonho eu sei que é sânscrito) e que quer dizer “o fluir de Bramhan”.
Entretanto começa a chegar muita gente que enche o átrio onde estamos. Todas as pessoas pertencem àquela irmandade, menos nós. Vai celebrar-se um casamento. Vemos sair, por uma porta interior, os noivos e o sacerdote.
Reconheço os noivos: tinham passado por nós, muito depressa, no carro deles, quando estávamos na estrada. Não são novos, mas também não são velhos. Têm 40 e tal anos e são um pouco gordos. Estão profundamente felizes os dois.
Curiosamente, a sua maquilhagem - estão ambos pintados - é feita de cobertura de açúcar, como nos bolos. Quer dizer, eles estão pintados com os mesmo produtos que se utilizam na culinária. Uma pasta de açúcar, muito branca, com cores de bolo de anos cobre-lhes a cara. Espalha-se na boca, nas maçãs do rosto e nas pálpebras.O sacerdote que os vai casar também está assim, só que as cores dele são sobre o escuro. No nariz tem um adorno que é uma espécie de bico.
É muito estranho.
Entretanto há muitos doces, que vão ser distribuídos pelas pessoas. Percebo que o sacerdote diz qualquer coisa em voz baixa enquanto olha na nossa direcção. E eu digo à minha amiga:
“Uma vez que não pertencemos a esta seita, nem fomos convidados para o casamento, não podemos aceitar nenhum bolo, porque seria indelicado.”
E todos concordaram comigo.
Um rapaz muito alto, de túnica cor de açafrão, chega junto de nós com uma bandeja cheia de bolos, de uma cor deliciosamente amarela. A minha amiga diz que não pode aceitar. Não me recordo das palavras, mas fá-lo de uma forma muito rude, mesmo ofensiva. O rapaz fica perplexo. Eu digo-lhe:
«Quer ouvir a verdadeira razão?”
Ele já se vai embora, ofendido, mas pára. Explico-lhe e ele sorri:
“Esse é um motivo válido, e se posso exprimir-me assim, elegante. A sua amiga põe as coisas de uma forma muito grosseira.
E agora estamos todos na cozinha da minha casa a lavar a loiça da festa. É tanta. Quando chego, no entanto, já está quase toda lavada. Penso:
“O problema seguinte é o tempo que vai demorar a arrumar toda esta loiça”.
Mas o chefe das operações diz:
“Esteja à vontade. Se quiser ser você agora a lavar, dou-lhe a vez”.
E eu digo que não. Começo a juntar mais coisas, espalhadas, e reparo que ainda há muito para lavar. Peças soltas. Mas quando volto a olhar o lava-loiça está vazio, e tudo já foi arrumado.
«Deixe-me ver a etiqueta do seu vestido.”
Noite de 27 para 28 de Março de 1999
O Luís vai dar uma aula. É uma aula ao ar livre e não é para médicos. Julgo que é uma aula para estudantes, ou candidatos a cursos de medicina. Parecem um grupo de excursionistas a passear por uma feira de cultura. Eu vou à frente do grupo e quero distanciar-me, mas não consigo, porque há muita gente atrás de mim e ao meu lado. Assim, a forma mais segura de caminhar é à frente do grupo, ligeiramente ao lado do Luís. E eu penso:
“Mas ele tem os pés tão pequenos”
E de repente ele fica tão bem disposto, mas tão bem disposto, que tudo aquilo se transforma numa brincadeira. [...]
Afasto-me.
E agora estou numa sala e para sair dessa sala é preciso passar por uma mulher que ocupa todo o espaço da passagem, porque está metida dentro de uma estrutura de carrinho de choque de feira popular. Está comigo uma amiga minha que conseguiu passar através das oscilações daquele carrinho com a mulher lá dentro. Eu já não consigo. Então fico na plataforma de borracha, a oscilar também de um lado para o outro, nas costas da mulher, até que ela me diz:
“Estou a ficar farta de tantas pessoas a tentarem passar-me à frente.”
E eu digo:
“Mas eu não tenho outra forma de sair daqui”.
E rio-me. E ela sabe que eu não me vou zangar, mas também não vou voltar as costas. Então diz:
“Está bem. Passe lá. Mas antes deixe-me ver a etiqueta do seu vestido.”
E eu tenho um vestido comprido, lindíssimo, preto, decotado nas costas, Max Mara. A mulher deixa-me passar por ela e depois agarra-me na etiqueta que estava nas costas do meu vestido, e lê, em voz alta e muito snob:
“Ah! Sthephen Kelian, logo vi. Só podia ser, é lindíssimo”.
E eu não digo nada, porque tanto faz, mas a etiqueta que ela refere é de sapatos italianos e não do meu vestido. A verdade é que o que eu quero mesmo é passar.
O Luís vai dar uma aula. É uma aula ao ar livre e não é para médicos. Julgo que é uma aula para estudantes, ou candidatos a cursos de medicina. Parecem um grupo de excursionistas a passear por uma feira de cultura. Eu vou à frente do grupo e quero distanciar-me, mas não consigo, porque há muita gente atrás de mim e ao meu lado. Assim, a forma mais segura de caminhar é à frente do grupo, ligeiramente ao lado do Luís. E eu penso:
“Mas ele tem os pés tão pequenos”
E de repente ele fica tão bem disposto, mas tão bem disposto, que tudo aquilo se transforma numa brincadeira. [...]
Afasto-me.
E agora estou numa sala e para sair dessa sala é preciso passar por uma mulher que ocupa todo o espaço da passagem, porque está metida dentro de uma estrutura de carrinho de choque de feira popular. Está comigo uma amiga minha que conseguiu passar através das oscilações daquele carrinho com a mulher lá dentro. Eu já não consigo. Então fico na plataforma de borracha, a oscilar também de um lado para o outro, nas costas da mulher, até que ela me diz:
“Estou a ficar farta de tantas pessoas a tentarem passar-me à frente.”
E eu digo:
“Mas eu não tenho outra forma de sair daqui”.
E rio-me. E ela sabe que eu não me vou zangar, mas também não vou voltar as costas. Então diz:
“Está bem. Passe lá. Mas antes deixe-me ver a etiqueta do seu vestido.”
E eu tenho um vestido comprido, lindíssimo, preto, decotado nas costas, Max Mara. A mulher deixa-me passar por ela e depois agarra-me na etiqueta que estava nas costas do meu vestido, e lê, em voz alta e muito snob:
“Ah! Sthephen Kelian, logo vi. Só podia ser, é lindíssimo”.
E eu não digo nada, porque tanto faz, mas a etiqueta que ela refere é de sapatos italianos e não do meu vestido. A verdade é que o que eu quero mesmo é passar.
segunda-feira, 4 de janeiro de 2010
«o amor é olhar alguém de frente, e não é fugir de ninguém”
Noite de 17 para 18 de Março de 99
Num campo aberto muitas pessoas estão a ver outras a fazer desportos radicais – o salto de elástico. Um dos homens que agora se lança no espaço é amigo do Zé. Deve ter à volta de 50 anos, usa o cabelo curto. O cabelo é branco metálico. O homem está em excelente forma física. Salta e chega quase ao chão, volta para cima e prolonga o salto por uma série de sequências. Numa das vezes é assustador, porque praticamente toca no chão. O chão é de terra batida. Mas, voltando para cima, ensaia e executa uma nova forma, agora preso apenas por um dos pés.
Ouve-se um frémito a percorrer a pequena multidão que assiste ao espectáculo. O recinto, ao ar livre, lembra um parque de diversões. As pessoas estão paradas a olhar para o homem que não para de subir e de descer, e de executar figuras cada vez mais complexas e geométricas.
O homem sabe que estamos ali. E eu penso:
“Será que ele se daria aquele trabalho todo se nós não estivéssemos aqui a olhar?”
E depois tenho que escrever sobre uma actriz conhecida em Portugal, que foi nomeada para os Óscares. Ficaram de me enviar o cartaz do filme, que é o único documento onde se pode obter uma fotografia dela. Estou numa espécie de enfermaria, que é um espaço multiusos. Ao fundo destas várias salas que comunicam, há um antigo soldado numa cama.
Eu quero falar com ele. Levo-lhe uma chávena de chá, aproximo-me da sua cama, sento-me ao lado dele e pergunto:
“Quer tomar chá comigo?”
E ele diz:
“Não”.
E eu fico aflita. E como não sou capaz de lhe responder, nem consigo dizer mais nada, pego na chávena e venho-me embora. Chego à minha secretária e em cima da minha secretária há um envelope enorme. Abro-o. Lá dentro está o cartaz com a fotografia da actriz.
E a Alexandra diz:
“Quando é que vais aprender que o amor é olhar alguém de frente, e não é fugir de ninguém?”
E eu não respondo porque estou a olhar para o poster, enorme, desconfortavelmente grande, e acondicionado como se fosse um documento muito importante: não posso dobrá-lo, nem danificá-lo porque é único. Contudo, não consigo descortinar ali a cara da actriz.
E estou perplexa, sem saber como resolver aquilo. Depois digo ao Zé:
“Não podes dobrar o cartaz”
Mas ele já o tinha guardado dentro da carteira dos documentos.
E depois, eu e o Zé passeamos juntos por uma cidade. Vamos de viagem para o Sul passando pelo Norte. É uma viagem rápida.
[...]
Num campo aberto muitas pessoas estão a ver outras a fazer desportos radicais – o salto de elástico. Um dos homens que agora se lança no espaço é amigo do Zé. Deve ter à volta de 50 anos, usa o cabelo curto. O cabelo é branco metálico. O homem está em excelente forma física. Salta e chega quase ao chão, volta para cima e prolonga o salto por uma série de sequências. Numa das vezes é assustador, porque praticamente toca no chão. O chão é de terra batida. Mas, voltando para cima, ensaia e executa uma nova forma, agora preso apenas por um dos pés.
Ouve-se um frémito a percorrer a pequena multidão que assiste ao espectáculo. O recinto, ao ar livre, lembra um parque de diversões. As pessoas estão paradas a olhar para o homem que não para de subir e de descer, e de executar figuras cada vez mais complexas e geométricas.
O homem sabe que estamos ali. E eu penso:
“Será que ele se daria aquele trabalho todo se nós não estivéssemos aqui a olhar?”
E depois tenho que escrever sobre uma actriz conhecida em Portugal, que foi nomeada para os Óscares. Ficaram de me enviar o cartaz do filme, que é o único documento onde se pode obter uma fotografia dela. Estou numa espécie de enfermaria, que é um espaço multiusos. Ao fundo destas várias salas que comunicam, há um antigo soldado numa cama.
Eu quero falar com ele. Levo-lhe uma chávena de chá, aproximo-me da sua cama, sento-me ao lado dele e pergunto:
“Quer tomar chá comigo?”
E ele diz:
“Não”.
E eu fico aflita. E como não sou capaz de lhe responder, nem consigo dizer mais nada, pego na chávena e venho-me embora. Chego à minha secretária e em cima da minha secretária há um envelope enorme. Abro-o. Lá dentro está o cartaz com a fotografia da actriz.
E a Alexandra diz:
“Quando é que vais aprender que o amor é olhar alguém de frente, e não é fugir de ninguém?”
E eu não respondo porque estou a olhar para o poster, enorme, desconfortavelmente grande, e acondicionado como se fosse um documento muito importante: não posso dobrá-lo, nem danificá-lo porque é único. Contudo, não consigo descortinar ali a cara da actriz.
E estou perplexa, sem saber como resolver aquilo. Depois digo ao Zé:
“Não podes dobrar o cartaz”
Mas ele já o tinha guardado dentro da carteira dos documentos.
E depois, eu e o Zé passeamos juntos por uma cidade. Vamos de viagem para o Sul passando pelo Norte. É uma viagem rápida.
[...]
Ouro, muito ouro escondido por ali
Noite de 26 para 27 de Fevereiro de 1999
No campo, espalhados entre as árvores, estão os lobos e também um urso. Uma rapariga chinesa tenta montar um avião. As asas do avião são de plástico e encaixam-se, peça a peça. Por isso e à medida que a rapariga as monta, vão-se aqui e ali, desenfiando nos seus componentes. E ela com aquela paciência chinesa de rapariga chinesa, volta a pôr as patilhas no lugar das ranhuras, e o trabalho prossegue.
E o homem diz:
“Detesto dizer isto, mas para levantares voo temos de ir já embora, ao encontro do Inverno, por causa dos ventos. É preciso apanhar ventos fortes para levantares voo.”
E então entramos todos para o carro. O carro é uma plataforma de madeira aberta, como alguns vagões de carga de algumas composições de comboio. Os cães saltam lá para dentro, menos um que fica ao pé de uma árvore. Esse não se quer ir embora e está ofendido. O urso salta para cima do estrado, e depois salta outra vez para o chão, para o outro lado do caminho e sobe a uma colina.
E eu penso “por este andar nunca mais daqui saímos”.
E o homem diz:
“Vamos mesmo ter de partir”.
O urso volta para dentro do estrado e o outro cão fica para trás. Agora o carro vai muito depressa. E entramos numa cidade, e essa cidade é da minha infância, embora diferente como acontece nos sonhos. E enquanto andamos, muito depressa, mas não tão depressa que seja perigoso, vejo pessoas a passearem os seus cães pelas trelas. Algumas levam vários cães ao mesmo tempo. Vejo dois cães a correrem, ao longe, atrás de nós, e penso:
“Um deles será o lobo que ficou para trás?”
Mas depois percebo que não, porque é muito mais pequeno e está com outro cão. Mas sei que ele não se perde de nós, esteja onde estiver, porque a cidade está mais próximo do que parecia.
[...]
E agora estou a subir a Rua da Misericórdia, já depois do Solar do Vinho do Porto. Um homem alto mete-se comigo. É quase noite. Acho-lhe graça, e estou com muita curiosidade de saber para onde é que ele me leva. Entramos para um pátio grande e nesse pátio há um edifício bastante velho. Agora quero-me vir embora, mas o homem é alto e muito mais forte do que eu. Quando estavamos dentro do quarto eu digo:
“Quero doces”
E ele sai para ir buscar-me doces, e eu vou à janela que dá para uma varanda, e penso:
“Vou saltar”
E salto. Mas é mais alto do que eu pensava, porque não é o primeiro andar, é o segundo. Tenho de passar pela varanda do andar debaixo e agarrar-me aos ferros, mas não me importo. Salto para o chão, começo a correr e a contornar o edifício para fugir dali. Mas acabo por cair, praticamente, nos braços do homem, maso homem não me agarra porque tem os braços cheios de doces. E eu rio-me de nervos, porque ele tapa-me a saída, e começo a olhar a toda a volta para ver por onde posso fugir. Eu quero fugir dele.
Mas agora há muito mais gente naquele lugar. E alguém pôs a mesa, é uma mesa comprida onde se sentam várias pessoas. E é uma mesa quadrangular. Há uma rainha, sentada à cabeceira da mesa, do meu lado esquerdo. Eu estou a comer o doce que o homem me deu, e é um doce muito bom. À minha frente alguém come o mesmo género de doce. Comemos lentamente, a saborear, por prazer e sem fome. Algumas pessoas porém, comem vorazmente. Algumas comem com as mãos. A mesa está repleta de iguarias. A rainha come bem, mas sem pressa, e prova mesmo mais coisas do que nós. Mas o meu doce é grande, e quando chega ao fim eu não quero mais nada daquela mesa. Então levanto-me e vou-me embora.
Contorno o edifício, mas agora no sentido oposto ao que tinha feito para fugir do homem. O edifício é rectangular, e na parte de trás há campo à nossa volta. Alguém diz que já pode revelar onde está escondido o ouro. Porque há muito ouro escondido ali. Por isso eu nunca me quis desfazer daquele prédio. E então, alguém que já morrera, ou estava a morrer, tinha transmitido o segredo à velha criada da família: o ouro estava todo no sótão.
E eu fico muito espantada porque o ouro esconde-se sempre no chão, sob a terra, em covas grandes e fundas. Então vamos ao sótão e levantamos as tábuas mas não encontramos lá ouro nenhum. E o forro do sótão é tão fino que eu penso:
“Aqui não é possível esconder ouro”,
E volto para a rua. Há cozinhas ao ar livre e está a chover. É uma chuvinha muito leve. E as cozinhas ao ar livre parecem cozinhas de acampamento, com o fogo dentro de pequenos muros de pedra, e as panelas tapadas, e uma delas ao lume, para a chuva não entrar dentro dos alimentos. As panelas são muito antigas e estão enegrecidas pelas chamas. E à minha direita, e à direita dessa cozinha, há um poço. E a criada velha está cozinhar. Eu acho que as cozinhas são fora de casa porque os edifícios são antigos e é preciso evitar o perigo do fogo. E pergunto à mulher idosa se a informação sobre o ouro está certa, ou se tinha sido correctamente transmitida, porque no sótão não há lá nada. E ela diz:
“O ouro deve estar sob a pia da água. É uma bacia em pedra.”
E eu digo:
“Não está lá nenhuma pia de água em pedra”.
E ela diz:
“Pois não, porque eu trouxe-a cá para fora, que fica muito melhor.”
E mostra-ma, e é uma estrutura antiga, parece retirada de uma igreja muito primitiva. Está escavada num bloco único de mármore. E eu digo:
“É muito bonita.”
E também gosto das panelas muito antigas e enegrecidas. Acho-as lindas. E a criada de família diz:
“Pois é, e a comida fica deliciosa feita assim.”
No campo, espalhados entre as árvores, estão os lobos e também um urso. Uma rapariga chinesa tenta montar um avião. As asas do avião são de plástico e encaixam-se, peça a peça. Por isso e à medida que a rapariga as monta, vão-se aqui e ali, desenfiando nos seus componentes. E ela com aquela paciência chinesa de rapariga chinesa, volta a pôr as patilhas no lugar das ranhuras, e o trabalho prossegue.
E o homem diz:
“Detesto dizer isto, mas para levantares voo temos de ir já embora, ao encontro do Inverno, por causa dos ventos. É preciso apanhar ventos fortes para levantares voo.”
E então entramos todos para o carro. O carro é uma plataforma de madeira aberta, como alguns vagões de carga de algumas composições de comboio. Os cães saltam lá para dentro, menos um que fica ao pé de uma árvore. Esse não se quer ir embora e está ofendido. O urso salta para cima do estrado, e depois salta outra vez para o chão, para o outro lado do caminho e sobe a uma colina.
E eu penso “por este andar nunca mais daqui saímos”.
E o homem diz:
“Vamos mesmo ter de partir”.
O urso volta para dentro do estrado e o outro cão fica para trás. Agora o carro vai muito depressa. E entramos numa cidade, e essa cidade é da minha infância, embora diferente como acontece nos sonhos. E enquanto andamos, muito depressa, mas não tão depressa que seja perigoso, vejo pessoas a passearem os seus cães pelas trelas. Algumas levam vários cães ao mesmo tempo. Vejo dois cães a correrem, ao longe, atrás de nós, e penso:
“Um deles será o lobo que ficou para trás?”
Mas depois percebo que não, porque é muito mais pequeno e está com outro cão. Mas sei que ele não se perde de nós, esteja onde estiver, porque a cidade está mais próximo do que parecia.
[...]
E agora estou a subir a Rua da Misericórdia, já depois do Solar do Vinho do Porto. Um homem alto mete-se comigo. É quase noite. Acho-lhe graça, e estou com muita curiosidade de saber para onde é que ele me leva. Entramos para um pátio grande e nesse pátio há um edifício bastante velho. Agora quero-me vir embora, mas o homem é alto e muito mais forte do que eu. Quando estavamos dentro do quarto eu digo:
“Quero doces”
E ele sai para ir buscar-me doces, e eu vou à janela que dá para uma varanda, e penso:
“Vou saltar”
E salto. Mas é mais alto do que eu pensava, porque não é o primeiro andar, é o segundo. Tenho de passar pela varanda do andar debaixo e agarrar-me aos ferros, mas não me importo. Salto para o chão, começo a correr e a contornar o edifício para fugir dali. Mas acabo por cair, praticamente, nos braços do homem, maso homem não me agarra porque tem os braços cheios de doces. E eu rio-me de nervos, porque ele tapa-me a saída, e começo a olhar a toda a volta para ver por onde posso fugir. Eu quero fugir dele.
Mas agora há muito mais gente naquele lugar. E alguém pôs a mesa, é uma mesa comprida onde se sentam várias pessoas. E é uma mesa quadrangular. Há uma rainha, sentada à cabeceira da mesa, do meu lado esquerdo. Eu estou a comer o doce que o homem me deu, e é um doce muito bom. À minha frente alguém come o mesmo género de doce. Comemos lentamente, a saborear, por prazer e sem fome. Algumas pessoas porém, comem vorazmente. Algumas comem com as mãos. A mesa está repleta de iguarias. A rainha come bem, mas sem pressa, e prova mesmo mais coisas do que nós. Mas o meu doce é grande, e quando chega ao fim eu não quero mais nada daquela mesa. Então levanto-me e vou-me embora.
Contorno o edifício, mas agora no sentido oposto ao que tinha feito para fugir do homem. O edifício é rectangular, e na parte de trás há campo à nossa volta. Alguém diz que já pode revelar onde está escondido o ouro. Porque há muito ouro escondido ali. Por isso eu nunca me quis desfazer daquele prédio. E então, alguém que já morrera, ou estava a morrer, tinha transmitido o segredo à velha criada da família: o ouro estava todo no sótão.
E eu fico muito espantada porque o ouro esconde-se sempre no chão, sob a terra, em covas grandes e fundas. Então vamos ao sótão e levantamos as tábuas mas não encontramos lá ouro nenhum. E o forro do sótão é tão fino que eu penso:
“Aqui não é possível esconder ouro”,
E volto para a rua. Há cozinhas ao ar livre e está a chover. É uma chuvinha muito leve. E as cozinhas ao ar livre parecem cozinhas de acampamento, com o fogo dentro de pequenos muros de pedra, e as panelas tapadas, e uma delas ao lume, para a chuva não entrar dentro dos alimentos. As panelas são muito antigas e estão enegrecidas pelas chamas. E à minha direita, e à direita dessa cozinha, há um poço. E a criada velha está cozinhar. Eu acho que as cozinhas são fora de casa porque os edifícios são antigos e é preciso evitar o perigo do fogo. E pergunto à mulher idosa se a informação sobre o ouro está certa, ou se tinha sido correctamente transmitida, porque no sótão não há lá nada. E ela diz:
“O ouro deve estar sob a pia da água. É uma bacia em pedra.”
E eu digo:
“Não está lá nenhuma pia de água em pedra”.
E ela diz:
“Pois não, porque eu trouxe-a cá para fora, que fica muito melhor.”
E mostra-ma, e é uma estrutura antiga, parece retirada de uma igreja muito primitiva. Está escavada num bloco único de mármore. E eu digo:
“É muito bonita.”
E também gosto das panelas muito antigas e enegrecidas. Acho-as lindas. E a criada de família diz:
“Pois é, e a comida fica deliciosa feita assim.”
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