segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

«o amor é olhar alguém de frente, e não é fugir de ninguém”

Noite de 17 para 18 de Março de 99
Num campo aberto muitas pessoas estão a ver outras a fazer desportos radicais – o salto de elástico. Um dos homens que agora se lança no espaço é amigo do Zé. Deve ter à volta de 50 anos, usa o cabelo curto. O cabelo é branco metálico. O homem está em excelente forma física. Salta e chega quase ao chão, volta para cima e prolonga o salto por uma série de sequências. Numa das vezes é assustador, porque praticamente toca no chão. O chão é de terra batida. Mas, voltando para cima, ensaia e executa uma nova forma, agora preso apenas por um dos pés.
Ouve-se um frémito a percorrer a pequena multidão que assiste ao espectáculo. O recinto, ao ar livre, lembra um parque de diversões. As pessoas estão paradas a olhar para o homem que não para de subir e de descer, e de executar figuras cada vez mais complexas e geométricas.

O homem sabe que estamos ali. E eu penso:
“Será que ele se daria aquele trabalho todo se nós não estivéssemos aqui a olhar?”
E depois tenho que escrever sobre uma actriz conhecida em Portugal, que foi nomeada para os Óscares. Ficaram de me enviar o cartaz do filme, que é o único documento onde se pode obter uma fotografia dela. Estou numa espécie de enfermaria, que é um espaço multiusos. Ao fundo destas várias salas que comunicam, há um antigo soldado numa cama.
Eu quero falar com ele. Levo-lhe uma chávena de chá, aproximo-me da sua cama, sento-me ao lado dele e pergunto:
“Quer tomar chá comigo?”
E ele diz:
“Não”.
E eu fico aflita. E como não sou capaz de lhe responder, nem consigo dizer mais nada, pego na chávena e venho-me embora. Chego à minha secretária e em cima da minha secretária há um envelope enorme. Abro-o. Lá dentro está o cartaz com a fotografia da actriz.
E a Alexandra diz:
“Quando é que vais aprender que o amor é olhar alguém de frente, e não é fugir de ninguém?”
E eu não respondo porque estou a olhar para o poster, enorme, desconfortavelmente grande, e acondicionado como se fosse um documento muito importante: não posso dobrá-lo, nem danificá-lo porque é único. Contudo, não consigo descortinar ali a cara da actriz.
E estou perplexa, sem saber como resolver aquilo. Depois digo ao Zé:
“Não podes dobrar o cartaz”
Mas ele já o tinha guardado dentro da carteira dos documentos.
E depois, eu e o Zé passeamos juntos por uma cidade. Vamos de viagem para o Sul passando pelo Norte. É uma viagem rápida.
[...]

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