quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Ele é a nave. Nós somos a nave.

NOITE DE 17 PARA 18 DE MARÇO DE 1998
Um barco. Um amigo dos meus pais que não vejo há muito tempo. Ele  é quase cego por causa de um acidente de guerra, em África, há muitos anos.
Eu tenho de deixar aquele barco. Tenho de fazer a mala, mas o armário onde estão guardadas as minhas coisas está às escuras, e não consigo ver se estou a guardar tudo.
Alguém, finalmente, ilumina aquele cenário.

E depois eu e o homem que está comigo voamos muito alto, numa nave que parece uma bolha de ar. Voamos muito depressa. Porém, quando aparecem crianças, ficamos ao nível do chão. São crianças sózinhas, naquele mundo, porque os pais delas não têm tempo nem foram educados para dar carinho aos filhos. Abraço vários meninos. Sei que é só um abraço, mas digo ao homem que está comigo:
«Assim, eles vão lembrar-se, quando crescerem, o que é ser-se abraçado».
Depois, passamos ao lado de um combóio que anda com muita velocidade.
O engraçado na forma como a nossa nave voa é a ausência de painel de comandos. Mas, em vez de aparecerem campos lindíssimos, como nos filmes, à medida que avançamos chegamos aos subúrbios daquela civilização. Aí as construções modernas, e as avenidas largas, dão lugar a edifícios degradados. Há muita gente debaixo da arcada de um deles. São pessoas com fome. São homens e mulheres de rostos duros. São pessoas capazes de lutar. Nós misturamo-nos na pequena multidão, e eu penso que é uma sorte ter uma nave à minha espera para poder sair dali quando quiser.
O homem que está comigo quer tirar-me dali rapidamente. Andamos ao contrário da multidão, e eu abro caminho, sem medo, através daqueles corpos quase perigosos, afastando gente zangada. São pessoas cheias de desencanto.
Contudo, há ali um hotel onde reservámos um quarto. É um edifício decadente, mas bonito. Sobem-se umas escadas largas de três degraus em pedra até uma porta em vidro fosco, onde está gravado o nome do hotel.

Mas agora, eu e o homem vamos voar de novo. Não vejo a nave. Depois percebo tudo: ele é a nave. Ele diz que me há-de ensinar aquela tecnologia, que é muito mais simples do que parece. Subimos e começo a rir, porque percebo que nós é que somos a nave. Ele confirma. Só que ele domina a técnica melhor do que eu. No entanto nunca nos afastamos daqueles sítios.
E depois estamos no hotel, e dormimos juntos.

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