quarta-feira, 31 de janeiro de 2007

A Verdade da Mentira parte II

1996, Julho, s/dia
Alguém cometeu um crime. Eu estava lá. Não vi, mas soube, de algum modo, que estava lá. Fugi, mas deixei naquele local a minha carteira. Uma carteira que uso muito poucas vezes. A presença da minha carteira no local do crime, contudo, é um indicador muito forte da minha culpabilidade. Depois, estou a procurar activamente o meu passaporte. Esvazio gavetas sem o encontrar. E no entanto preciso muitíssimo dele porque tenho uma viagem de trabalho fora da Europa, e preciso de tratar de vistos, etc. Então dizem-me insistentemente para ir buscar a minha carteira para apagar os vestígios da presença no local do crime. Mas quando volto há um cordão em volta do cenário do crime. Passa-se por uma espécie de corredor traçado por cordões, numa sala muito grande. As pessoas desfilam e identificam os objectos expostos como se fosse uma espécie de museu. E atribuem ou tentam atribuir-lhes a procedência. Não tenho qualquer hipótese de recuperar a minha carteira, e fico muito aliviada porque a uso tão pouco que ninguém se lembra de a relacionar comigo.
Depois afasto-me deste cenário, e vou a um local fora do Tempo e do Espaço, onde me encontro com o Victor. É um encontro só de pensamento. Não há lá nada, nem mesmo nós como costumamos ser nós. Só o nosso pensamento. Digo-lhe: "É uma situação como esta a que te referias, quando estavamos descodificar os meus sonhos anteriores com o Inquisidor? Este sonho é uma espécie de aula prática? "
Ele confirma.
Volto ao sonho, mas agora já sem medo. Tudo perdeu a importância, porque sei como proceder nestas circunstâncias. Depois há um aeroporto. Mas a partir daqui é confuso.

Sonho do metropolitano

Julho 1996 s/dia
Há uma estação de metropolitano que vai ser inaugurada, e eu tenho alguma coisa a ver com isso, pelo menos estou lá em baixo, no meio de tuneis estreados e por estrear. Avanço por um deles, recém terminado, mas ainda em fase de acabamento nos retoques. Há muita humidade no chão e nas paredes. Algumas têm rachas. Fico preocupada, porque este túnel está construído sob o mar. Penso: terá estrutura para aguentar? Depois reparo que as rachas são mais de mau acabamento em paredes secundárias. As vigas, as traves mestras, o tecto, parecem sólidos. O chão está empoeirado, como quando as obras ainda não acabaram de vez e pisamos pedaços de areia com cimento. Avanço. Tenho algum receio. O tunel é muito grande e eu tenho medo de ter medo de estar ali. Então vejo a luz do dia coada numa cortina de luz em diagonal, e nessa luminosidade baça que atravessou vidros ainda sujos para vir bater neste ar e neste chão, dançam miríades de insectos minusculos à mistura com grãos microscópicos de poeira. Avanço, feliz, para a luz do dia, e vejo que está no que vai ser, brevemente, uma nova paragem do metropolitano. E fica ali nas ruínas do Carmo, e é uma paragem meramente turística, embora também possa servir as pessoas que trabalham.

terça-feira, 30 de janeiro de 2007

A Verdade da Mentira parte I

Julho de 1996 (s/dia)
É um sonho com um filho, penso que o Lula. A história consiste nisto: ele, ao dizer a verdade não sei a propósito de quê, condena-me à morte. Tudo se passa num ambiente extremamente tranquilo, como se fosse absolutamente normal este tipo de procedimentos. É como se estivessemos a viver agora, e simultâneamente noutro tempo anterior, quando havia Inquisição.
Toda a gente pressiona o Lula a mentir, para me salvar. Ele recusa-se. Eu não tenho coragem de lhe pedir isso. Penso. Tantas vezes lhe chamei a atenção sobre o erro da mentira, não vou agora convê-lo a mentir só porque agora me convém. O surreal é que o castigo é totalmente desproporcionado em relação ao acto, que é tão irrelevante que nem me recordo do conteúdo. O Inquisidor é meu amigo. Não pode abertamente incitar-me à mentira, mas convida-me a ir, de novo, com ele, confirmar as declarações do meu filho, antes que o processo siga os trâmites irrevogáveis dos tribunais.
O Lula está no quarto com amigos a jogar cartas. O quarto tem computador, está desarrumado, alguns rapazes estão estendidos em cima de camas a ler, outros no chão a jogar.
O Lula fica contrariadíssimo. Os amigos ainda vão dizer qualquer coisa, mas eu interrompo-os e peço-lhes que saiam. Ele fica mais tranquilo. Ficamos só os três, eu, ele e o Inquisidor. Sento-me ao pé dele, e ele encosta-se a mim como quando era pequeno. Deita a cabeça no meu colo e pergunta: e agora o que faço? Respondo-lhe, ao ouvido: podes mentir ou podes continuar a dizer a verdade. Se mentires eu salvo-me. Mas é contigo.
O Inquisidor faz de conta que não percebe o nosso diálogo que foi rapidíssimo e em voz baixa.

sábado, 27 de janeiro de 2007

Sonho do Avião

Julho de 1996 (s/dia)
Estou numa rua larga, com prédios altos. Olho para o céu e vejo um avião a passar. Está uma pessoa comigo, uma amiga, creio. O avião é lindíssimo, ou pelo menos é assim que me chamam a atenção sobre ele, dizendo que aquele é o modelo de avião que sempre preferi sobre todos os outros. Sei que é um avião francês, mas não é o Concorde. No momento seguinte as asas do avião soltam-se e caiem quase sobre nós. As asas caiem no chão, a poucos metros de nós, com um ruído metálico que fere os ouvidos, mas não fere mais nada. Ninguém é atingido.
No momento a seguir olhamos para o céu. O avião, é evidente, vai cair.
Mesmo em cima do prédio em frente de nós.
Não há tempo para fugir, e também fugir para onde? O impacto do choque vai atingir toda a gente que ali se encontra próximo. Ainda penso abrigar-me dentro do próprio prédio. Mas a sequência do acidente é muito rápida.
No momento seguinte o avião cai em cima do prédio.
Depois há vozes a dizer, que sorte, ninguém morreu, e os pilotos (ou o piloto?) conseguiu saltar a tempo.
Os bombeiros chegam mas não é preciso. No alto do prédio nem sequer há labaredas. Uns rolos de fumo saiem do telhado, mas é um fumo de nada. O telhado do prédio sofreu um impacto tremendo, mas não ficou danificado por isso.
Sinto um alívio enorme.

SONHO DAS MEDUSAS

Julho de 1996. Não anotei o dia. Recordei-o ao folhear um Science et Vie dedicado aos oceanos.
Uma praia ao pôr do sol. Um mar coalhado de medusas. Lindíssimas, enormes, opalescentes. Há cada vez mais e eu estou a tomar banho e tenho medo que me toquem, porque são venenosas. É estranho ver tantas neste mar português, porque me lembro de só ver tantas assim no Índico, que é, por vezes, um mar escuro, quase barrento.
De qualquer maneira entro e saio da água sem ser atingida. Depois, com um pedaço de bambu ou de madeira agarro numa que estava quase na areia e transporto-a assim, de braço estendido, até uma cova grande onde está aninhado um organismo qualquer. É um animal muitíssimo primitivo, se calhar tão primitivo como a medusa, e atiro-a para o buraco. A criatura que lá se aninha é carnívora. Devora a medusa num ápice.
Quase sinto remorsos.

Passo por uma esplanada de carro

NOITE DE 30 PARA 1 DE JUNHO DE 1996
Vou num carro descapotável, com alguém a conduzir e passamos por uma esplanada. Vejo uma mesa com várias pessoas sentadas, a estudar. O Paulo AB é uma delas. O meu coração dispara.Não tanto pelo facto de o encontrar, mas pela contrariedade de ele me encontrar a mim. Não quero que ele me veja. Peço para acelararam o carro, e seguro o cabelo, que, com o vento, me começou a bater na cara. Apercebo-me, ao passar, que ele está a conversar com um amigo. Há mais duas mulheres na mesa, mas muito diluídas, uma de costas, outra de frente.

O maravilhoso jardim botânico está a morrer

NOITE DE 1 PARA 2 DE JULHO DE 1996
Estou à janela de uma casa, é a casa do Zé , só que tudo encolheu de uma maneira atroz. A terra está seca, esfolada, e ressequida, e o maravilhoso jardim botânico deu lugar àquele espaço árido, onde arbustos amarelecidos lutam contra a morte. Havia um jardim de catos, vê-se pelo chão coberto de pedrinhas negras, mas os próprios cactos estão desmaiados. A parede da casa está semi coberta por uma trepadeira de malvas ou sardinheiras. Só que ninguém parece perceber o estado a que chegou aquele jardim. O Zé fala como se tudo estivesse na mesma. E eu penso, que horror, as pessoas não se dão conta das transformações, a não ser quando se afastam? Porque ele diz que realmente está tudo um pouco mais seco, porque há problemas de água, mas é um problema já resolvido.
Penso: e agora o que vem aqui fazer, nesta desolação, um estagiário de botânica?
A paisagem em redor é também ela semi-desértica, e avança como se preparasse para engolir as poucas árvores que teimam em viver.

domingo, 21 de janeiro de 2007

A abelha cura a minha ferida


NOITE DE 17 PARA 18 DE FEVEREIRO DE 1996
Vou por uma estrada fora, sentada na capota de um automóvel, e a certa altura o carro cruza uma estrada cheia de abelhas. Vejo-as pousar nas minhas pernas estendidas e fico assustada. Tento não me mexer para não ser picada. Com gestos suaves, exoto-as, e o vento da deslocação ajuda a afastá-las. A minha perna esquerda, reparo de repente, tem uma ferida. Uma bolha de pus. Uma abelha enorme voa na minha direcção e eu tremo só de pensar que me pode picar na ferida. Ela pousa exactamente ali. Espero, em agonia. Ela agita as asas, e docemente pica-me na ferida. Espantada reparo que não me doeu. Vejo o pus a sair, e a abelha drena-me a ferida, com uma atenção cirúrgica. Tem um ferrão na boca, como se fosse um êmbolo, que aspira o resto das impurezas. Com um ligeiro frémito de asas limpa-me a perna. Depois, no local onde estava a ferida injecta-me um soro, um liquido translúcido que forma uma bolha sob a pele, e que eu sinto entrar directamente nos vasos capilares para me secar, curar e desinfectar a ferida. Sinto um imenso alívio. E uma gratidão profunda.
Imagem: http://www.answers.com/topic/bees-wings-web-jpg
O PAULO SONHOU connosco: o sonho da raspadinha, o sonho do labirinto e do homem invisível e o sonho do fantasma da avó.

sábado, 20 de janeiro de 2007

Carícias de Amantes criam Novos Mundos

NOITE DE 16 PARA 17 FEVEREIRO DE 1996
o Paulo B. teve um sonho lindíssimo, connosco, e é esse que vou escrever:
“Avançamos por uma vastidão, um deserto imenso, e uma terceira pessoa acompanha-nos. Não me lembro se é homem ou mulher. E à medida que andamos vamos fazendo jogos eróticos, e desses jogos de carícias e sedução, nascem, sob nossos passos, como se fossem cogumelos, povoações e vilas, cheias de pessoas, a fervilhar de vida”.

Três mulheres e um rato


NOITE DE 8 PARA 9 DE FEVEREIRO DE 1996
Duas ou três mulheres perseguem um rato, gritando. Estamos em casa do Zé M.N., onde voltei para buscar um guião do programa. Eu estou com pressa e quero demorar pouco tempo. Depois o telefone toca e acontem muitas coisas, e vou ficando. Estamos na cozinha a ouvir os gritos das mulheres pela casa toda. Vemo-las passar, na sua correria, de um modo quase subliminar. O rato, que já tinha saído, volta a entrar em casa. Elas perseguem-no com a vassoura, mas falham os golpes. Estou enojada.
De uma das vezes que o rato passa por mim, a correr. Levanto as pernas, para ele não se enredar nos meus pés, e deixo-o passar, sem entender o histerismo provocado pelo sua presença. Nessa altura olho para o rato que está num canto da cozinha, à entrada de um buraco salvador, sem contudo se enfiar dentro dele. Ele volta-se para mim, para nós, porque entretanto a cozinha encheu-se de gente, e grita, guincha, pondo as patas acima da cabeça, numa mímica quase humana, de desespero e de raiva, como quem diz, estou exausto e cheio de raiva e não vou fugir mais.
Pergunto: “porque querem matar o rato? Fazer uma desinfestação à casa ou ao quarteirão, tudo bem, mas perseguir um animal sózinho, numa caçada tão desigual é desumano, é errado.”
Depois vejo, como se fosse num filme, os planos dos olhos das pessoas a olhar na direção do rato, e todos, em silêncio, deixam o animal partir, e afinal é uma fémea, muito digna, com umas orelhas espetadas como se fosse um gato (?), com uma cria agarrada às suas costas, e estamos todos muito espantados, e ela mete-se, finalmente, no seu buraco próprio.
Dados possíveis de levar em conta. Entramos no Ano do Rato.

quarta-feira, 17 de janeiro de 2007

Gente Portuguesa dos Painéis

16 PARA 17 DE NOVEMBRO DE 1995
Ando num quintal de uma quinta, meio às escuras, a limpar, com pedaços de algodão, manchas de sangue menstrual no empedrado do terraço, mas já não vejo bem onde estão todas. Depois vou a um encontro com Portugueses. São muitos, rostos anónimos que me recordam as figuras dos Painéis. Comparo estes portugueses, baixos, entroncados, fortes, de olhar franco, nobre e leal, rude mas sensível, com outros arquétipos, e percebo que este é mesmo o meu povo. De algum modo é um povo exilado. Só vejo homens e rapazes.
Depois há uns quartos, umas dispensas, onde as pessoas vão dormir, enroladas como se fossem crisálidas. Põem-nas numas prateleiras, umas por cima das outras, e faz-me impressão. Mas a mulher que toma conta da dispensa explica-me que aquele processo é bom, e as pessoas não se incomodam, porque entre umas e outras prateleiras há mesas iluminadas por candeeiros pequenos, com espaço e luz suficiente para as pessoas se sentarem a escrever.
Depois fecho-me na mesma dispensa, mas sozinha. Com uma mesa onde se escreve. Faço isso sozinha. Depois vou com a Tita omprar umas botas. Só que não há, à vista, para o meu tamanho, e estou cheia de pressa. Mexo nas botas e nos sapatos expostos, mas não gosto de nada. A empregada está ocupada a atender outras pessoas.

O corno do unicórnio brilha na escuridão do sangue

NOITE DE 15 PARA 16 DE NOVEMBRO DE 1995
Estou com a Su e o V. morreu. Sentimos uma grande alegria porque comentamos uma com a outra que agora, e finalmente, o V. pode voltar a ser, inteiramente, o que era, e é muito forte aquela noção de que, de algum modo, ele recuperou o ser que era antes da doença, embora num estádio superior de desenvolvimento. Mas, e ao mesmo tempo, há uma saudade muito grande: “Tu ouves-nos e vês-nos, dá-nos um sinal da tua presença” – pedimos, mas só sentimos aquele calor invisível da sua energia radiante. É um sonho muito mais vasto de que já não recordo os pormenores.
[Nesta altura a Su teve, também, um sonho muito estranho com o V. Estava com ele num quarto e as vísceras escorriam-lhe do ventre dele, e ela tentava organizar aquele caos de entranhas e sangue, muitíssimo calma e decidida no meio do caos. Ali, ela sabia, houvera um crime medonho. E no meio deste caos, da sujeira, e do corpo morto, da cabeça dele, saía como que um corno de unicórnio, inconcebivelmente luminoso e iridiscente.)

O mapa das estrelas

NOITE DE 12 PARA 13 DE NOVEMBRO DE 1995
Sonhei com o meu irmão Paulo, com o mapa das estrelas, com uma fuga e já não me lembro do resto. Com o Paulo encontrávamo-nos numa carruagem de comboio, parece que alguém ia a fugir de alguém. Depois havia uma discoteca e eu dizia-lhe para irmos até lá conversar. O mapa das estrelas era um livro, porque as páginas do mapa eram tantas que se tornava difícil ou impossível fazer apenas um desdobrável. De modo que víamos o céu página a página, em sequência, com as estrelas, as constelações, as nebulosas, os espaços intergaláticos e os buracos negros, e, atravessando tudo isso, as linhas a branco das rotas interestelares.
E o Luís A.R. tinha vindo de Vega, em Orion [confirmar se é assim: Vega é na Constelação Lira], e eu dizia aos meus filhos para verem, no livro que eu desfolhava, o percurso dele traçado na rota assinalada. Mas havia muito mais rotas no vastíssimo mapa tridimensional das estrelas, e cada um de nós tinha a influência dominante de uma constelação de onde tinha vindo.
E eu estava cá fora, sob o céu, de mão abertas e palmas para cima, a reproduzir, como se os recordasse, gestos de uma sacralidade esquecida, através dos quais captava as energias do Universo, de todas as constelações para onde apontava os meus dedos, incluindo aquela que me pertencia, a matriz do meu ser.
E então via, a negro translúcido sobrepondo-se ao azul escuríssimo da noite iluminada, a minha mão no céu, grande, muito grande, e eu sabia que era a minha mão, embora não estivesse ligada ao meu corpo real.
imagem: http://www.anzwers.org/free/universe/virgo.html

Um anjo de procissão

NOITE DE 6 PARA 7 DE NOVEMBRO DE 1995
A menina tem três anos, está vestida de anjo de procissão, com asas meio caídas e um fatinho de cetim amachucado. Foi o presidente da Câmara da cidade que mandou organizar a procissão. Ele pede para levaram, após a procissão, a menina a sua casa. Sou eu que levo a menina. (...)
Sinto uma enorme tristeza.
Depois sonhei com um barco e o director/comandante do barco convidava-me para a sua mesa. E havia um cinema na cave.