Diário dos meus sonhos. My colourful dream diary. Le journal de ma vie ensommeillée.
sábado, 30 de setembro de 2006
Família em trânsito
NOITE DE 29 PARA 30 DE JULHO 1994
Há uma família que vai sair da casa onde vive porque vai para outra terra, e então, no meio da sala, dos quartos, do corredor, há caixas, caixotes, objectos empilhados. No entanto, e por algum motivo, eu tenho de transitar por ali, e a certa altura vou de carro. O carro avança com dificuldade e detém-se no meio de uma sala por causa das malas e dos pertences dessa família, e de toda aquela confusão que é preciso afastar para conseguir passar. As pessoas são simpáticas, calorosas mesmo, mas andar de carro, no meio de uma casa em mudanças, fica tão complicado.
Depois alguém traz fotografias que todos fizeram, antes das mudanças. Há uma em que, espantosamente, se conseguiu reunir toda a gente. É incrível, não só por estarem todos lá, ao mesmo tempo, como também pelo equilíbrio geométrico da foto, porque normalmente fotos de grupo são confusas ou pouco estéticas.
No rectângulo de papel, e ao longo de uma invisível linha oblíqua, colocam-se os rostos, e todos, do primeiro ao último, estão nítidos. É uma foto de família e de amigos. Eu estou lá. A dançar.
sexta-feira, 29 de setembro de 2006
Sorte ao jogo e... o telefonema de Joshua
NOITE DE 4 PARA 5 DE JULHO DE 1994
Há um jogo grande, num jardim. É um daqueles flipers com bolas, que controlamos por botões, só que neste caso o flipper ocupa quase uma espécie de canteiro. Tento uma vez, e a bola é engolida mal o jogo começa. Mas a jogada não vale e é-me dada uma segunda oportunidade. Há outra pessoa para jogar comigo, ou contra mim. Começo. Dou um único impacto à bola que salta, imediatamente, para a casa três, uma casa de sorte, onde o campo magnético faz ouvir o tilintar de sininhos e a bola salta para outras casas mais à frente. São de novo casas de sorte. Lembro-me de que me sinto quase envergonhada por tanta sorte, tanto mais que a pessoa que devia jogar quando eu parasse, se limita a ficar a ver e a perceber que, com um avanço daqueles, não tem hipótese de me ganhar.
A bola salta de novo, desta vez para três casas juntas o que lhe dá um impulso magnífico. Há casas de azar, armadilhas que fazem voltar para trás, mas a bola salta sempre em frente, até quase à meta.
Não me lembro se ganho, ou como ganho.
E depois estou no meu quarto e o telefone toca, e do outro lado do fio há uma voz quase inaudível que me chama, e eu percebo que é o Joshua, mas quero confirmar e pergunto "quem é?", e ele diz duas vezes o seu nome. Depois oiço-o a chamar-me, mas não consigo perceber o que me diz, porque de algum modo a ligação cai ou é cortada.
Depois há uma conversa com um médico.
Olho para uma caixa com lentes de contacto e fico muito espantada como se ali estivesse uma pista muito importante.
quarta-feira, 27 de setembro de 2006
O colégio, o bebé, a auto-estrada
NOITE DE 16 PARA 17 DE JULHO DE 1994
No meu antigo colégio. Bato à porta, estão à minha espera. Reconhecem-me, amistosamente. Está um dia ensolarado e faz calor.
Falo com uma das irmãs, mas é suposto dar a volta ao edifício para ir falar com a superiora. Há mais gente para chegar. Pergunto por uma antiga aluna e dizem-me que ela também vai voltar. É estranho, penso, porque estamos todas mais velhas e no entanto vamos voltar ao colégio, o mesmo, da nossa adolescência. Uma das freiras diz-me que a madre fica triste se eu não for falar com ela.
E depois há uma notícia na televisão que mostra um bebé que foi a gatinhar até uma auto-estrada. É um local com uma inclinação complicada, como a que se vê de um tobogan e há já muita gente mobilizada para o salvar, mas sem conseguir chegar até ele. E eu recordo-me de já ter salvo antes um bebé. E digo: porque é que os bebés têm a mania de ir para as auto-estradas? E lá vou eu pela estrada fora, a ver as pessoas a escorregarem, e há gente deitada no chão, pessoas que desistiram.
Num ecrã gigante vou vendo a reportagem sobre o assunto. O sonho muda, mas antes disso o bebé salva-se, porque nunca chegou, verdadeiramente, a ir para a auto-estrada.
Aquele bebé não chegou a sair do passeio.
No meu antigo colégio. Bato à porta, estão à minha espera. Reconhecem-me, amistosamente. Está um dia ensolarado e faz calor.
Falo com uma das irmãs, mas é suposto dar a volta ao edifício para ir falar com a superiora. Há mais gente para chegar. Pergunto por uma antiga aluna e dizem-me que ela também vai voltar. É estranho, penso, porque estamos todas mais velhas e no entanto vamos voltar ao colégio, o mesmo, da nossa adolescência. Uma das freiras diz-me que a madre fica triste se eu não for falar com ela.
E depois há uma notícia na televisão que mostra um bebé que foi a gatinhar até uma auto-estrada. É um local com uma inclinação complicada, como a que se vê de um tobogan e há já muita gente mobilizada para o salvar, mas sem conseguir chegar até ele. E eu recordo-me de já ter salvo antes um bebé. E digo: porque é que os bebés têm a mania de ir para as auto-estradas? E lá vou eu pela estrada fora, a ver as pessoas a escorregarem, e há gente deitada no chão, pessoas que desistiram.
Num ecrã gigante vou vendo a reportagem sobre o assunto. O sonho muda, mas antes disso o bebé salva-se, porque nunca chegou, verdadeiramente, a ir para a auto-estrada.
Aquele bebé não chegou a sair do passeio.
O gato cai da árvore
NOITE DE 5 PARA 6 DE JULHO 1994
Um jardim grande. Um gato, muito pequeno, brinca nas árvores e cai. É uma queda que começa na copa de uma árvores muito frondosa, e segue, através de ramos e folhas. Eu estou sentada em cima de um muro de pedra vejo tudo isto e estendo a mão para o agarrar, sem conseguir, mas quase conseguindo.
Isto repete-se ao longo de todo o sonho. Mas não me lembro de mais nada.
Um jardim grande. Um gato, muito pequeno, brinca nas árvores e cai. É uma queda que começa na copa de uma árvores muito frondosa, e segue, através de ramos e folhas. Eu estou sentada em cima de um muro de pedra vejo tudo isto e estendo a mão para o agarrar, sem conseguir, mas quase conseguindo.
Isto repete-se ao longo de todo o sonho. Mas não me lembro de mais nada.
terça-feira, 26 de setembro de 2006
Uma arca, um camarão, uma capela
11 PARA 12 DE JUNHO DE 1994
Uma casa muito grande, para limpar.Aparece uma empregada para me ajudar, com os instrumentos de limpeza correctos. Tudo avança muito rapidamente.
No meio de uma sala há uma arca. Abro-a. Tem água e um bicho que parece morto, mas está vivo. Deixo-o fugir. Depois verifico que é um camarão E que esse camarão é provavelmente domesticado porque passa o tempo todo a vir ao de cima da água e não tem medo que lhe toquem. Entretanto a empregada pergunta-me se quero mais qualquer coisa da arca, digo que não. Ela fecha a tampa. Continuo a andar pela casa, que, descubro agora, tem também uma capela privada onde não chego a entrar desta vez, embora a espreite.
Uma casa muito grande, para limpar.Aparece uma empregada para me ajudar, com os instrumentos de limpeza correctos. Tudo avança muito rapidamente.
No meio de uma sala há uma arca. Abro-a. Tem água e um bicho que parece morto, mas está vivo. Deixo-o fugir. Depois verifico que é um camarão E que esse camarão é provavelmente domesticado porque passa o tempo todo a vir ao de cima da água e não tem medo que lhe toquem. Entretanto a empregada pergunta-me se quero mais qualquer coisa da arca, digo que não. Ela fecha a tampa. Continuo a andar pela casa, que, descubro agora, tem também uma capela privada onde não chego a entrar desta vez, embora a espreite.
segunda-feira, 25 de setembro de 2006
A cantora de ópera e o namorado dela
NOITE DE 25 PARA 26 DE JUNHO DE 1994
Toco à campainha, no portão de uma grande casa, escondida por muros altos, de granitos. Estou com uma conhecida cantora de ópera, e vamos ver o namorado dela. Tenho a sensação de já lá ter estado, o que se confirma, quando a porta se abre e entramos para um atelier onde se amontoam objectos de diversas proveniências, géneros e estilos.
Esse átrio é uma espécie de galeria, com canteiros no meio, e passeios bem desenhados. Ao fundo, e sob um alpendre, há mesas e cadeiras, e adivinham-se salas e quartos ocultos por cortinas em vez de portas.
O namorado da cantora entra. Também é cantor de ópera. É alto, enorme. Moreno. Sentamo-nos a uma das mesas, e entra uma rapariga que só me cumprimenta a mim e põe-me uma chávena de café à frente. Não me atrevo a dizer-lhe que não costumo beber café aquela hora, porque penso que isso seria uma desconsideração. As outras pessoas estão espantadas: ela nem ofereceu nada ao dono do atelier, nem à sua noiva.
Eu falo com as pessoas sobre a minha sensação de já ali ter estado, e o facto de se calhar isso ser verdade, o que também explica o facto da rapariga me ter cumprimentado: “se calhar ela já me conhecia”.
Aliás, tenho mesmo uma vaga ideia dela. Ela regressa e coloca-me um prato com bolinhos secos à frente. Só para mim. Entretanto chega outra pessoa. Surge debaixo de umas escadas que ligam aquele piso do atelier ao Teatro. Ali decorre um espectáculo de Ópera, nesse mesmo dia, e a pessoa está a aproveitar o intervalo para vir ter connosco.
sábado, 23 de setembro de 2006
Ruas cheias, trânsito intenso
NOITE DE 21 PARA 22 DE MAIO DE 94
Ruas tão densas de tráfego que os carros andam por cima dos passeio.
Um deles tem os vidros fumados. Desvio-me, mas penso que, na verdade, ele não tinha intenção de me atropelar. É um carro de luxo, cheio de indianos. Continua o trânsito, intenso. Preciso de chegar à Praça de Londres e penso que se apanhasse o metropolitano era muito mais rápido. Mas tenho medo de ir de metropolitano porque pode estar muito cheio a esta hora.
Passo um autocarro ao meu lado, está vazio mas não tarda, pode encher-se. Não gosto de andar em autocarros cheios.
Tento arranjar um táxi, mas só passam por mim carros particulares. Portanto vou a pé. Desvio-me para uma rua quase sem trânsito. Ando depressa, mas a rua escura, e quase sem movimento, torna-se ligeiramente assustadora. Pergunto a mim própria onde estarei. Parece uma zona próximo das Olaias, sem todas aquelas construções. Pergunto a uma pessoa onde me encontro, e a resposta enche-me de frustração. Grito, com raiva. A pessoa, um homem, tranquiliza-me: não estou tão longe assim do meu caminho.
E explica-me o que devo fazer para voltar.
No entanto, estou tão cansada que resolvo ficar por ali, numa pensão.
Ruas tão densas de tráfego que os carros andam por cima dos passeio.
Um deles tem os vidros fumados. Desvio-me, mas penso que, na verdade, ele não tinha intenção de me atropelar. É um carro de luxo, cheio de indianos. Continua o trânsito, intenso. Preciso de chegar à Praça de Londres e penso que se apanhasse o metropolitano era muito mais rápido. Mas tenho medo de ir de metropolitano porque pode estar muito cheio a esta hora.
Passo um autocarro ao meu lado, está vazio mas não tarda, pode encher-se. Não gosto de andar em autocarros cheios.
Tento arranjar um táxi, mas só passam por mim carros particulares. Portanto vou a pé. Desvio-me para uma rua quase sem trânsito. Ando depressa, mas a rua escura, e quase sem movimento, torna-se ligeiramente assustadora. Pergunto a mim própria onde estarei. Parece uma zona próximo das Olaias, sem todas aquelas construções. Pergunto a uma pessoa onde me encontro, e a resposta enche-me de frustração. Grito, com raiva. A pessoa, um homem, tranquiliza-me: não estou tão longe assim do meu caminho.
E explica-me o que devo fazer para voltar.
No entanto, estou tão cansada que resolvo ficar por ali, numa pensão.
A cozinheira cansada e o país em guerra
NOITE DE 14 PARA 15 DE MAIO DE 1994
Estou numa cidade, num país, que não reconheço, embora me seja de algum modo familiar. Há agitação por todo o lado. É preciso fugir.
Nas ruas, multidões correm mais ou menos ao acaso. Sigo uma dessas correntes. Atrás de mim há um homem que me chama, insistentemente, de volta. Obedeço. É alguém a quem pertenço e que me pertence. Temos uma profunda intimidade e sintonia os dois, e junto dele sinto-me protegida. A terra é uma mistura de pequena cidade africana e vila portuguesa medieval. Tem ruas estreitas que desembocam em largos, casas antigas. À volta o espaço é amplo, desamparado. Africano.
Entramos num edifício grande, passamos pelas caves, aonde funcionam – e estão, estranhamente em funcionamento! – as cozinhas. Uma das cozinheiras insiste em fazer umas frituras que lhe saem muito mal. Os ajudantes de cozinha gozam com ela, que, entre resignada e indiferente, continua a sua tarefa.
O país está mesmo em guerra total. Há milhares e milhares de pessoas em fuga. No entanto, e à revelia de todo esse caos, há situações que persistem. Como aquela cozinha, com todos aqueles trabalhadores. Atravessamos o edifício, e saímos.
Cá fora é o caos. Fugimos até que encontramos um outro homem, conhecido do meu marido. Paramos a conversar, rodeados de pessoas. Cresce a sensação de perigo. Mas eles continuam a conversar, encostados a um carro, como se nada fosse. Entretanto as pessoas que nos rodeavam, quase nos esmagando, arranjaram transportes e de imediato o segundo homem deu-nos indicações para entrarmos no carro dele, onde só consegui entrar – tão mal arrumado estava! – por trás.
Há um grupo de guerrilheiros que vem a correr para a cidade, agora atacada por todos os lados. Não conseguimos fugir à primeira: ficamos encurralados na praça, encostados a um passeio, rodeados de adolescentes fardados, rapazes e raparigas, a tentarem virar-nos o carro. Estamos ao lado de uma estação de Caminhos-de-ferro.
Sinto uma terrível falta de ar, e o meu marido deixa-me respirar por uma frinchinha da porta. Entretanto surge em cena um homem mais velho que apita e dá ordem aos miúdos que corram a apanhar um comboio que acaba de entrar na estação. E eles deixam-nos finalmente em paz, porque correm para apanhar o comboio, e nós corremos para salvar a pele.
Andamos muito. Atravessamos campos africanos (savanas) aonde as casas que nos surgem são europeias, e pequenas povoações totalmente destruídas. Os únicos seres vivos que avistamos fugazmente nas ruínas são crianças.
Chegamos então a uma casa de madeira, intacta.
Recebe-nos uma mulher que julgo ser nossa amiga, porque nos diz que ali, finalmente, estamos em segurança. Ali, explica, a guerra ainda não chegou. Ou se chegou já se foi embora. Depois sou avisada pela mulher que o dinheiro perdeu o valor, porque se tornou demasiadamente valioso e deixou de existir. As pessoas têm que encontrar outro tipo de economia, formas novas ou muito antigas.
Estou numa cidade, num país, que não reconheço, embora me seja de algum modo familiar. Há agitação por todo o lado. É preciso fugir.
Nas ruas, multidões correm mais ou menos ao acaso. Sigo uma dessas correntes. Atrás de mim há um homem que me chama, insistentemente, de volta. Obedeço. É alguém a quem pertenço e que me pertence. Temos uma profunda intimidade e sintonia os dois, e junto dele sinto-me protegida. A terra é uma mistura de pequena cidade africana e vila portuguesa medieval. Tem ruas estreitas que desembocam em largos, casas antigas. À volta o espaço é amplo, desamparado. Africano.
Entramos num edifício grande, passamos pelas caves, aonde funcionam – e estão, estranhamente em funcionamento! – as cozinhas. Uma das cozinheiras insiste em fazer umas frituras que lhe saem muito mal. Os ajudantes de cozinha gozam com ela, que, entre resignada e indiferente, continua a sua tarefa.
O país está mesmo em guerra total. Há milhares e milhares de pessoas em fuga. No entanto, e à revelia de todo esse caos, há situações que persistem. Como aquela cozinha, com todos aqueles trabalhadores. Atravessamos o edifício, e saímos.
Cá fora é o caos. Fugimos até que encontramos um outro homem, conhecido do meu marido. Paramos a conversar, rodeados de pessoas. Cresce a sensação de perigo. Mas eles continuam a conversar, encostados a um carro, como se nada fosse. Entretanto as pessoas que nos rodeavam, quase nos esmagando, arranjaram transportes e de imediato o segundo homem deu-nos indicações para entrarmos no carro dele, onde só consegui entrar – tão mal arrumado estava! – por trás.
Há um grupo de guerrilheiros que vem a correr para a cidade, agora atacada por todos os lados. Não conseguimos fugir à primeira: ficamos encurralados na praça, encostados a um passeio, rodeados de adolescentes fardados, rapazes e raparigas, a tentarem virar-nos o carro. Estamos ao lado de uma estação de Caminhos-de-ferro.
Sinto uma terrível falta de ar, e o meu marido deixa-me respirar por uma frinchinha da porta. Entretanto surge em cena um homem mais velho que apita e dá ordem aos miúdos que corram a apanhar um comboio que acaba de entrar na estação. E eles deixam-nos finalmente em paz, porque correm para apanhar o comboio, e nós corremos para salvar a pele.
Andamos muito. Atravessamos campos africanos (savanas) aonde as casas que nos surgem são europeias, e pequenas povoações totalmente destruídas. Os únicos seres vivos que avistamos fugazmente nas ruínas são crianças.
Chegamos então a uma casa de madeira, intacta.
Recebe-nos uma mulher que julgo ser nossa amiga, porque nos diz que ali, finalmente, estamos em segurança. Ali, explica, a guerra ainda não chegou. Ou se chegou já se foi embora. Depois sou avisada pela mulher que o dinheiro perdeu o valor, porque se tornou demasiadamente valioso e deixou de existir. As pessoas têm que encontrar outro tipo de economia, formas novas ou muito antigas.
quinta-feira, 21 de setembro de 2006
Diamantes no fato de banho
NOITE DE 20 PARA 21 DE MAIO DE 94
Uma casa antiga, de dois pisos. Preparo-me para uma viagem de avião. Vou com a Paulette e os miúdos. Está na hora de partir e não tenho nada arranjado. Nada. Abro um saco, começo a tirar roupa de um armário e ponho-a lá dentro. Pergunto: “nunca sonhaste que estavas numa situação assim?”
Depois vou entrar numa piscina com uns amigos. É mais ou menos privada. É a piscina de um Hotel de cinco estrelas. Atravesso o átrio em fato-de-banho, e chego ao recinto, mas não posso mergulhar porque estou com o período. A Blá está comigo e diz que é um disparate, porque ela, nessas circunstâncias toma sempre banho, mas eu digo-lhe que não quero sujar a água.
As alças do meu fato-de-banho têm diamantes pequeninos. Colho flores de um canteiro junto da piscina e enfeito as alças. O gerente do Hotel vem ter comigo e quer saber onde colhi aquelas flores e de que forma as prendi no meu fato-de-banho. Mas depois os diamantes nas alças do fato-de-banho “humanizam” o homem. Quer saber a marca e quase que pergunta o preço. Respondo que é um modelo exclusivíssimo: só fizeram seis exemplares. E os diamantes vieram da África do Sul. Eu trouxe-os naquela viagem que fiz com Joshua.
Há uma praia ao pé da piscina. Coberta. Não há sol. A areia é húmida e não me apetece estar ali.
Estou numa bomba de gasolina e preciso de apanhar um táxi, ou um transporte qualquer. Encontro um. Mas peço-lhe que espere um bocado por mim, porque vou a um café ali perto, pois preciso de ir à casa-de-banho, enquanto ele mete gasolina.
Faço uma viagem com este homem. Não me lembro do objectivo. Sei que volto à noite.
Com um sentimento de profunda solidão.
No campo dos prisioneiros
NOITE DE 12 PARA 13 DE MAIO DE 1994
Perdi alguém que preciso absolutamente de encontrar.
Tenho que falar com um amigo do Joshua que não vejo há muito tempo. Depois dizem-me que ele está preso, e mesmo dizendo o seu nome não é possível encontrá-lo. Penso que a pessoa que me diz estas coisas é um oriental – não sei porquê.
Depois peço para entrar no Campo dos Prisioneiros. Digo: vou descobri-lo através dos pratos que confecciona, porque é um cozinheiro. Então levam-me para um aposento onde se encontra um armário cheio de embalagens de refeições muito coloridas e muito arrumadas. Percebo que é ele que as cozinha, todas elas. Mas mesmo assim não o encontro.
Perdi alguém que preciso absolutamente de encontrar.
Tenho que falar com um amigo do Joshua que não vejo há muito tempo. Depois dizem-me que ele está preso, e mesmo dizendo o seu nome não é possível encontrá-lo. Penso que a pessoa que me diz estas coisas é um oriental – não sei porquê.
Depois peço para entrar no Campo dos Prisioneiros. Digo: vou descobri-lo através dos pratos que confecciona, porque é um cozinheiro. Então levam-me para um aposento onde se encontra um armário cheio de embalagens de refeições muito coloridas e muito arrumadas. Percebo que é ele que as cozinha, todas elas. Mas mesmo assim não o encontro.
quinta-feira, 7 de setembro de 2006
O Jardim dos Animais Que Falam
NOITE DE 18 PARA 19 DE JUNHO 1994
Estou em casa à espera de um homem que me vem buscar, em trabalho. A Teresinha também está, a arrumar tudo. É um apartamento bonito, amplo e luminoso.
Ouço o motor de um carro e chego à janela. Vejo o homem que me vem buscar com mais três. Estão todos a descarregar uma carrinha. Dois estão fardados de militares. Não me apetece nada ir naquele carro feio, com aquela gente.
Tocam à porta e peço à Teresa que vá abrir. Estou desvairadamente à procura dos sapatos e do casaco, e não os consigo encontrar. A casa tem comunicação com outra, aonde chego através de um longo corredor, semi deserto, com armários vazios ou meio cheios. O corredor dá para uns quartos onde se vêm pessoas a ressonar, porque dormem pesadamente.
Sinto-me mais ou menos uma intrusa. As pessoas dormem e é como se não fosse muito próprio introduzir-me assim nos seus aposentos, tanto mais que aquilo que eu quero, e me pertence, não pode, de modo algum estar naquela zona.
A Teresa, entretanto, encontrou-me os sapatos, mas o casaco continua desaparecido.
Regresso à minha sala e encontro o homem que me vem buscar mais os outros, que eu cumprimento com um aperto de mão, enquanto penso que não quero ir para dentro de um carro com eles todos. Então o mais novo vem ter comigo. Diz-me que canta bem, e pergunta se o quero ouvir cantar. Canta com uma voz tão bonita, e tão baixinho, que é uma maravilha ouvi-lo. Ele é tão jovem, quase um adolescente.
Depois desço para o jardim, onde há uma grande festa. Cruzam-se pessoas de tantos lados, é bom estar ali, mas alguém diz que é preciso ter cuidado com as coisas, porque aquele miúdo que cantava tão bem é seropositivo, suponho que por ser toxicodependente, e é normal que tente roubar-nos. Lembro-me de ter deixado a minha carteira ao alcance das suas nãos, e já não sei, ou não posso, voltar atrás. Ou não quero.
Passam por nós animais em liberdade, como se aquele jardim fosse uma reserva de caça, sem caçadores.
Há uma espécie de veado, e um boi-cavalo, todo preto, que passa ao meu lado, e eu digo “muuuuu” e ele responde “muuuuu” e eu começo a rir, a rir, e digo às pessoas que estão comigo “vêm? eles respondem”. Estou sentada no chão e passa uma gazela e eu chamo-a, sem esperança que ela venha ter comigo, mas ela aproxima-se, vem ao meu encontro, e eu faço-lhe festas.
Percebo que todos os animais são pacíficos e perderam o medo de nós, e têm uma pele tão áspera, ao contrário do que parece, ao ver o seu pelo curto e brilhante, e é tão bom tocar-lhes, sentir o seu calor e a sua confiança.
Depois há um lince que está dentro de uma casa, e tem bebés e um dos bebés está a fugir para o jardim. É do tamanho de um dedo e alguém diz que enquanto são assim bebés é preciso colá-los com um adesivo à barriga das mães. Aproximo-me dele e ponho-o debaixo da mãe, que já lá tem outro, bem maior.
É uma família perfeitamente felina. Estão muito tranquilos, mas fazem-me algum medo. Um dos bebés, de repente, é muito grande, maior do que a mãe que tem só o tamanho de um gato. Peço que mo levem embora de casa. Ele pergunta: “porquê?” Digo: “porque és muito grande e fazes-me medo.” E ele pergunta: “Agora?” Eu respondo que agora não, mas depois ele vai crescer, ficar maior ainda e a sua natureza é ser fera... Ele diz "Nunca me vou virar contra ti".
E é tão estranho estar ali a falar com um gato selvagem que fala melhor do que uma pessoa, e ao mesmo tempo é como se fosse muito normal estar a fazê-lo.
Penso: é assim que as pessoas deviam conviver com os animais, como se fossemos, todos, uma grande família.
Depois há outra história com o Lula, numa outra terra, onde há um homem criminosos, e a iminência de um crime a ser cometido. Estamos nas instalações do aeroporto, mas há jardins e florestas a toda a volta, e o Lula foi sozinho para casa, e eu ando louca à sua procura, perguntando a toda a gente: "viram o meu filho?".
Finalmente ele aparece mas a hipótese do criminoso actuar continua, tanto mais que não sabemos muito bem quem ele é. Pode andar disfarçado, ou estar muito bem escondido.
E eu penso: ainda bem que estou a sonhar com estas armadilhas, para tomar conhecimento delas e anulá-las, ou desactivá-las.
Estou em casa à espera de um homem que me vem buscar, em trabalho. A Teresinha também está, a arrumar tudo. É um apartamento bonito, amplo e luminoso.
Ouço o motor de um carro e chego à janela. Vejo o homem que me vem buscar com mais três. Estão todos a descarregar uma carrinha. Dois estão fardados de militares. Não me apetece nada ir naquele carro feio, com aquela gente.
Tocam à porta e peço à Teresa que vá abrir. Estou desvairadamente à procura dos sapatos e do casaco, e não os consigo encontrar. A casa tem comunicação com outra, aonde chego através de um longo corredor, semi deserto, com armários vazios ou meio cheios. O corredor dá para uns quartos onde se vêm pessoas a ressonar, porque dormem pesadamente.
Sinto-me mais ou menos uma intrusa. As pessoas dormem e é como se não fosse muito próprio introduzir-me assim nos seus aposentos, tanto mais que aquilo que eu quero, e me pertence, não pode, de modo algum estar naquela zona.
A Teresa, entretanto, encontrou-me os sapatos, mas o casaco continua desaparecido.
Regresso à minha sala e encontro o homem que me vem buscar mais os outros, que eu cumprimento com um aperto de mão, enquanto penso que não quero ir para dentro de um carro com eles todos. Então o mais novo vem ter comigo. Diz-me que canta bem, e pergunta se o quero ouvir cantar. Canta com uma voz tão bonita, e tão baixinho, que é uma maravilha ouvi-lo. Ele é tão jovem, quase um adolescente.
Depois desço para o jardim, onde há uma grande festa. Cruzam-se pessoas de tantos lados, é bom estar ali, mas alguém diz que é preciso ter cuidado com as coisas, porque aquele miúdo que cantava tão bem é seropositivo, suponho que por ser toxicodependente, e é normal que tente roubar-nos. Lembro-me de ter deixado a minha carteira ao alcance das suas nãos, e já não sei, ou não posso, voltar atrás. Ou não quero.
Passam por nós animais em liberdade, como se aquele jardim fosse uma reserva de caça, sem caçadores.
Há uma espécie de veado, e um boi-cavalo, todo preto, que passa ao meu lado, e eu digo “muuuuu” e ele responde “muuuuu” e eu começo a rir, a rir, e digo às pessoas que estão comigo “vêm? eles respondem”. Estou sentada no chão e passa uma gazela e eu chamo-a, sem esperança que ela venha ter comigo, mas ela aproxima-se, vem ao meu encontro, e eu faço-lhe festas.
Percebo que todos os animais são pacíficos e perderam o medo de nós, e têm uma pele tão áspera, ao contrário do que parece, ao ver o seu pelo curto e brilhante, e é tão bom tocar-lhes, sentir o seu calor e a sua confiança.
Depois há um lince que está dentro de uma casa, e tem bebés e um dos bebés está a fugir para o jardim. É do tamanho de um dedo e alguém diz que enquanto são assim bebés é preciso colá-los com um adesivo à barriga das mães. Aproximo-me dele e ponho-o debaixo da mãe, que já lá tem outro, bem maior.
É uma família perfeitamente felina. Estão muito tranquilos, mas fazem-me algum medo. Um dos bebés, de repente, é muito grande, maior do que a mãe que tem só o tamanho de um gato. Peço que mo levem embora de casa. Ele pergunta: “porquê?” Digo: “porque és muito grande e fazes-me medo.” E ele pergunta: “Agora?” Eu respondo que agora não, mas depois ele vai crescer, ficar maior ainda e a sua natureza é ser fera... Ele diz "Nunca me vou virar contra ti".
E é tão estranho estar ali a falar com um gato selvagem que fala melhor do que uma pessoa, e ao mesmo tempo é como se fosse muito normal estar a fazê-lo.
Penso: é assim que as pessoas deviam conviver com os animais, como se fossemos, todos, uma grande família.
Depois há outra história com o Lula, numa outra terra, onde há um homem criminosos, e a iminência de um crime a ser cometido. Estamos nas instalações do aeroporto, mas há jardins e florestas a toda a volta, e o Lula foi sozinho para casa, e eu ando louca à sua procura, perguntando a toda a gente: "viram o meu filho?".
Finalmente ele aparece mas a hipótese do criminoso actuar continua, tanto mais que não sabemos muito bem quem ele é. Pode andar disfarçado, ou estar muito bem escondido.
E eu penso: ainda bem que estou a sonhar com estas armadilhas, para tomar conhecimento delas e anulá-las, ou desactivá-las.
segunda-feira, 4 de setembro de 2006
A mulher suicida e a festa de cabo-verdianos
NOITE DE 27 PARA 28 DE JUNHO 1994
Uma faixa de terra onde a guerra se instalou; há uma reminiscência colonial naquela zona. Uma ponte, suponho que meio estragada, de madeira. Atravesso-a. Por baixo, há campos férteis e cultivados. Encontro uma senhora que tem uma pastelaria, e vou com um amigo. Penso que é meu marido. Ela recebe-nos muito bem. Os doces cheiram excelentemente.
Gabo-lhe a energia e a limpeza irrepreensível do local, que é exíguo, e serve, simultaneamente, de pastelaria e de venda ao público. Ela suspira. Reparo que há uma parte do tecto a precisar de reparações:
“Está tudo a precisar de obras. Faço o que posso” – diz ela.
Não consigo comer o doce ali. Tento outro balcão. Ela não nos deixa pagar.
Depois tomamos um elevador para o 6º piso. O elevador está muito cheio, e cabe sempre mais um. Faz um calor incrível. O elevador nunca mais pára. Ultrapassamos o 76º andar! É assustador, mas, ao mesmo tempo, a presença do meu marido ao meu lado, junto de mim, conforta-me e afasta o medo. Os andares sucedem-se com uma frequência alucinante. Pergunto: onde é que isto vai parar? O meu marido abraça-me.
Depois vou apanhar um carro com amigos meus. É uma noite muito, muito escura. Há uma mulher que ameaça matar-se, do alto de uma janela da casa em frente ao lugar onde o carro está estacionado. Grito para tirarem dali o carro, mas é inútil. Ela já se atirou para cima do capô, estilhaçando os vidros do pára-brisas. Depois cai no colo dos dois homens, que se desfazem rapidamente do corpo, abrindo a porta do carro e atirando o corpo para o chão.
Pergunto à minha amiga se tinha a certeza de que a outra estava morta, e ela diz, “sabes, há aquele cheiro adocicado dos mortos”, e eu olho e vejo a mulher mexer-se, no chão, e começar a levantar-se. Depois dizem-me que ela se vai vingar por ter sido tratada daquela maneira.
Então metemo-nos todos no carro, e há que partir!
Começamos a descer uma ribanceira tão escura, tão escura. Grito ao condutor “é mesmo preciso irmos por ali?”, ele responde “lá no fundo é a minha casa”. Vamos passando por algumas ruas iluminadas, e ele diz “aqui uns amigos meus dão hoje uma festa.”
Continuamos a descer e eu digo, “com estes meus saltos altos não me convém ir tão longe.” De modo que ele pára, e deixa-me sair e depois diz que volta para me apanhar. Respondo que vou para a festa do amigo dele, e sinto que tenho tanto medo daquela mulher suicida, porque acho que ela se vai vingar deles, matando-os.
Sigo por aquelas ruas estreitas e escuríssimas, entro numa casa, as portas estão abertas. Saem cãezinhos lá de dentro, e eu corro as salas e os quartos e fico espantada por não estar ali ninguém. Só havia um cachorrinho a guardar aquilo tudo!
Entro numa sala com TV ligada e vejo o corpanzil de um cão. Começo a suar frio, e a subir as escadas rapidamente, porque sei que ele já sentiu o meu cheiro, e não sei se vou ter tempo de chegar à porta. Além disso o cachorrinho também perturba porque me segue a fazer barulho. Finalmente consigo sair.
Depois, na rua, pergunto onde é a festa e vou bater a uma porta. Bato, bato, nada. Empurro a porta e vejo um preto a dançar lá dentro. Lembro-me de me terem dito que era uma festa de cabo-verdianos. Entro, ninguém me liga, e pergunto quem é a dona da casa.
“Sou eu” responde uma negra, muito bonita, e eu digo que sou amiga do... e embatuco, porque não sei ou não me lembro do nome dele.
Ela pergunta-me o que quero tomar, e eu vou até ao bar e peço Coca-Cola. Há uns pratos cheios de doces que a dona da casa estava a desembrulhar com uma amiga, e no balcão está um homem a fazer uma confusão com as pedras de gelo, muda-as de copo, troca tudo. Eu estou a falar com um homem branco, sentamo-nos ao balcão, e então aparece outro que nos vem perguntar se nos pode filmar.
domingo, 3 de setembro de 2006
Eu, o gato muito esperto e a mulher horrível
NOITE DE 12 PARA 13 DE JUNHO DE 1994
A minha casa de infância.Vai haver um jantar familiar com amigos. Um deles é o Al Berto, que não vejo há muito tempo e a quem quero impressionar.Ao entrar em casa vejo, perto da entrada para o jardim, um quiosque que vende jornais, aonde está o Fernando D. que me faz uma grande festa. Convido-o para jantar em nossa casa. Estou contente por todos verem a relação que nós temos.
Há um barco. Tenho que remar, remar, para chegar não sei onde.O mar contradiz-me, o barco é pequenino, de remos, e há barcos muito maiores. Não me lembro do que devo fazer. É um sonho cansativo, frustrante.Depois estou dentro do barco, ou de uma cidade do futuro, e há uns miúdos. Um deles vai ser teleportado. Há uma história de energias, que eu não deveria ter presenciado, mas presenciei: em cima de uma mesa de sala uma pessoa desmaterializou-se. Penso que vão fazer isso aos miúdos, e corro para os proteger daquilo. Parece-me que o cozinheiro daquela casa é meu amigo.
Depois entro numa lojinha. Na montra tem bolos cortados às fatias. Peço uma. É óptimo. Mais tarde volto ali e peço mais. Estou acompanhada e encomendo o mais tostadinho. A pessoa que está comigo anda a ver montras de jornais e de revistas e quer comprar várias. Eu também, mas mudo sempre de ideias, e chego à conclusão de que não vale a pena gastar dinheiro e ir carregada.Depois estou a tentar entrar para o recinto de uma Igreja, uma catedral. Ao pé de mim está o Francisco B.. Estão a meter-se com ele.Há um enchente de pessoas que sai. Sou empurrada de tal forma que vou no sentido oposto ao que pretendo, quase de pé, de tal forma é impossível contrariar a corrente.Assim lá vou eu, e começo a falar com as pessoas que estão ao meu lado, e a conversa é circunstancial, agradável, sem história.Voltamos pelo mesmo caminho só que já não há catedral nenhuma para tentar entrar.
Agora, eu e um gato muito esperto estamos numa casa imensa e perigosa, e é preciso tentar passar, sem sermos vistos, de uma ala para a outra. Mas há uma mulher horrível que nos quer fazer mal, e é preciso escondermo-nos, embora as possibilidades de o fazermos sejam muito reduzidas, porque ela vai-nos encurralando, até uma sala, de onde não há, aparentemente, saída possível.A casa é antiga, um aproveitamento e alargamento renascentista de uma primitiva construção medieval. As paredes são grossíssimas e muito altas, as janelas quase junto ao tecto, filtram uma luz doce que risca o chão de forma geométrica. Olho a toda a volta, à procura de saída. Então é como se a visão se duplicasse, como numa filme: eu estou a ver como tudo se vai passar, de fora. E estou a agir. A eu que está de fora não toma conhecimento senão a partir de como a eu que está a viver a situação se safa. E então é assim: trepando a uma chaminé, que interiormente tem escadas, a lareira torna-se o esconderijo perfeito. Até porque o fogão está levemente ligado. E a mulher que entra na sala, de nariz no ar a farejar não nos descobre. O gato camuflou-se contra uma coluna de uma balaustrada e ela não o vê.
O talho, os transportes publicos e os textos da Xana
NOITE DE 16 PARA 17 DE JUNHO 1994
Um talho. Estou a fazer compras. O Lula entra na câmara frigorífica, e começa a brincar com as carnes penduradas por ganchos de metal suspensos de correntes muito grandes e muito fortes. O dono do talho ralha com ele porque não pode estar ali.
Vou buscá-lo. Está caído num chão de tijolo, as paredes são de tijolo, muito, muito antigo, e eu acordo-o, ou reanimo-o, e percebo que ele descobriu uma porta secreta naquela construção, e de repente lembro-me de Córdova, da Catedral.
Os tectos são altíssimos, de cúpulas, com várias sobreposições, e é como se parte deste edifício estivesse ainda oculta. É um edifício que me faz lembrar certos desenhos neogóticos de algumas B.D.
Depois estou numa paragem, mas não sei qual é o transporte, ou não me explicam bem, e quando percebo qual é, acabou de partir. Há uma fila interminável para apanhar autocarros, e uma senhora explica-me que eu posso avançar para o primeiro lugar da primeira fila, porque cheguei primeiro, e portanto é um direito que tenho.
Só que eu continuo na dúvida sobre o transporte que devo apanhar e não me lembro de mais nada.
Depois lembro-me disto: o Toninho diz-me "os textos da Xana são sempre muito melhores do que os teus e é por isso que o Jorge prefere que seja ela a escrever os guiões." Eu não sabia que o Jorge preferia que fosse ela a escrever os guiões, porque tanto uma como outra os escreviamos sem qualquer problema. Então sinto-me tão triste e tão insegura, e penso que estou, se calhar, estou a escrever de uma forma antiquada e sem graça.
A casa velha, a lebre e a pessoa morta 94
Noite de 29 para 30 de Maio de 1994
Há uma casa a desfazer-se, num jardim antigo, muito antigo.
Penso: “é preciso abandoná-la.”
Mas há coisas, lá dentro, que me podem fazer falta. Já no jardim, volto atrás, acompanhada de um grupo de crianças. Entramos e vamos a uma das salas, buscar uma porção de ferramentas que nos podem vir a ser úteis. Sei lá porquê, mas podem. E podem vir a ser usadas, embora eu não saiba como.
Pegamos em várias ferramentas, e aviso os miúdos que as segurem com cuidado: podem cair e ferir-se naquelas lâminas, naquelas roldanas, naquelas serras e rodas dentadas.
Saímos de casa com. Há um jardim. Caçaram uma lebre. Há um piquenique, um lanche, seja o que for. Tudo muito rústico. Uma senhora corta um pedaço da peça de caça e mete-a dentro de um pão. Oferece-me. Recuso, enojada.
A lebre é cozinhada inteira, com tripas e tudo. Ela insiste. Diz que é assim que a caça deve ser cozinhada. E que toda a gente come e gosta muito. Sou obrigada a dizer-lhe que não consigo comer nada assim. Mesmo que seja hábito os outros fazerem-no. Ela pergunta: “pensas que vais conseguir, quando cresceres?”
E eu digo “não. Nem pensar. Vou cozinhar de outra maneira. Para começar, esvazio a cavidade abdominal dos animais.” Depois só me lembro de olhar para aquilo com repugnância.
Havia uma menina, no sonho. Era importante o papel dela. Mas não me lembro qual.
Mesma noite
Uma escada, uma casa velha. Lá em cima um andar escondido em sombras. Alguém morreu. Uma mulher pede-me que lhe faça companhia para ir até lá cima, para confirmar a morte, ou confortar a pessoa que está a morrer.
Começamos a subir as escadas, mas as pernas pesam-me como chumbo. Cada passo pesa toneladas.
“Se houver mesmo um morto lá em cima”, diz a mulher que vai comigo, arrastando-se também penosamente, “não vamos conseguir subir.” Pergunto porque estou tão cansada. Cada passo é tão difícil. “A última vez que morreu alguém”, responde a mulher, “eu não consegui passar para além deste patamar. Uma força enorme, uma barreira invisível, travou-me os passos. Por isso, como já ultrapassamos esses degraus, acho que lá em cima ainda não morreu ninguém.”
Há uma casa a desfazer-se, num jardim antigo, muito antigo.
Penso: “é preciso abandoná-la.”
Mas há coisas, lá dentro, que me podem fazer falta. Já no jardim, volto atrás, acompanhada de um grupo de crianças. Entramos e vamos a uma das salas, buscar uma porção de ferramentas que nos podem vir a ser úteis. Sei lá porquê, mas podem. E podem vir a ser usadas, embora eu não saiba como.
Pegamos em várias ferramentas, e aviso os miúdos que as segurem com cuidado: podem cair e ferir-se naquelas lâminas, naquelas roldanas, naquelas serras e rodas dentadas.
Saímos de casa com. Há um jardim. Caçaram uma lebre. Há um piquenique, um lanche, seja o que for. Tudo muito rústico. Uma senhora corta um pedaço da peça de caça e mete-a dentro de um pão. Oferece-me. Recuso, enojada.
A lebre é cozinhada inteira, com tripas e tudo. Ela insiste. Diz que é assim que a caça deve ser cozinhada. E que toda a gente come e gosta muito. Sou obrigada a dizer-lhe que não consigo comer nada assim. Mesmo que seja hábito os outros fazerem-no. Ela pergunta: “pensas que vais conseguir, quando cresceres?”
E eu digo “não. Nem pensar. Vou cozinhar de outra maneira. Para começar, esvazio a cavidade abdominal dos animais.” Depois só me lembro de olhar para aquilo com repugnância.
Havia uma menina, no sonho. Era importante o papel dela. Mas não me lembro qual.
Mesma noite
Uma escada, uma casa velha. Lá em cima um andar escondido em sombras. Alguém morreu. Uma mulher pede-me que lhe faça companhia para ir até lá cima, para confirmar a morte, ou confortar a pessoa que está a morrer.
Começamos a subir as escadas, mas as pernas pesam-me como chumbo. Cada passo pesa toneladas.
“Se houver mesmo um morto lá em cima”, diz a mulher que vai comigo, arrastando-se também penosamente, “não vamos conseguir subir.” Pergunto porque estou tão cansada. Cada passo é tão difícil. “A última vez que morreu alguém”, responde a mulher, “eu não consegui passar para além deste patamar. Uma força enorme, uma barreira invisível, travou-me os passos. Por isso, como já ultrapassamos esses degraus, acho que lá em cima ainda não morreu ninguém.”
Subscrever:
Mensagens (Atom)