NOITE DE 30 DE SETEMBRO PARA 1 DE OUTUBRO DE 1997
Chegamos ao rio e vamos atravessá-lo e estou eu e a Xana. E o rio está escuro, o céu carregado de nuvens e um barqueiro que não vejo directamente diz que, nestas condições, não nos leva para o outro lado, porque não é seguro. E nós vamos para o Montijo. E o barqueiro é uma mulher e, estranhamente, vamos num barco a remos. E agora estamos no meio do rio, só que ela rema com uma velocidade incrível e a travessia faz-se com muita rapidez. Já não há céu escuro nem carregado e nós até já nem vamos para o Montijo. Parece perigoso mas é seguro. Há um passageiro a remar ao mesmo tempo e lado a lado com a barqueira. Ele está a remar porque quer. Ela não lhe pediu nada. Depois o barco está a andar tão depressa e já não é no rio. E a barqueira continua a remar, o mesmo passageiro continua a ajudá-la e remam os dois muito bem. O passageiro é um homem novo, um rapaz suponho. Até pode ser que seja o Drew. Só que agora andam de barco no asfalto da cidade, a grande velocidade. Eu grito-lhes que parem. O barco a remos desvia-se de carros, nos cruzamentos, e os carros desviam-se do barco a remos que não tem travões. E as ruas são largas, rodeadas de casas com jardins e cruzamentos com muita visibilidade. É uma zona periférica mas muito boa. A aquela forma não é a melhor, mas era a que estava à mão, porque nós já lá estávamos dentro. O barco agora está num cruzamento, parou entre automóveis que se desviam, e outros que também pararam. Não há engarrafamentos.
Diário dos meus sonhos. My colourful dream diary. Le journal de ma vie ensommeillée.
quarta-feira, 30 de janeiro de 2008
segunda-feira, 28 de janeiro de 2008
O urso passeia por uma trela
NOITE DE 5 PARA 6 DE OUTUBRO DE 1997
Um urso bebé. Passeia por uma trela, é para ser entregue a um amigo meu, homossexual. Andamos pelas vielas, ruas estreitas de uma cidade. A luz é amarelada, uma luz de candeeiros de petróleo, à noite. O urso, que está bem seguro, solta-se. E agora anda por cima dos automóveis. Tento deitar-lhe a mão. Tem o pêlo áspero. O meu amigo que é o dono do urso, vai limpá-lo, penteá-lo, lavá-lo com champô para ficar cheirosinho. Esse amigo tem outro amigo.
Depois estou a mudar a minha cama, no quarto. Quero que ela apanhe a luz do dia, para eu poder estar na cama a ler. É um quarto de passagem, porque esta casa não é minha, ou não é a casa definitiva. A cama vai ficar num local onde normalmente as camas não ficam. Com a cabeceira encostada a uma janela. A janela é grande, tem portadas de madeira, lá fora está muita luz do dia. Há vento. As cortinas esvoaçam. Arrasto a cama sozinha. Talvez não seja a melhor solução estética, mas é a mais favorável para ler.
Um urso bebé. Passeia por uma trela, é para ser entregue a um amigo meu, homossexual. Andamos pelas vielas, ruas estreitas de uma cidade. A luz é amarelada, uma luz de candeeiros de petróleo, à noite. O urso, que está bem seguro, solta-se. E agora anda por cima dos automóveis. Tento deitar-lhe a mão. Tem o pêlo áspero. O meu amigo que é o dono do urso, vai limpá-lo, penteá-lo, lavá-lo com champô para ficar cheirosinho. Esse amigo tem outro amigo.
Depois estou a mudar a minha cama, no quarto. Quero que ela apanhe a luz do dia, para eu poder estar na cama a ler. É um quarto de passagem, porque esta casa não é minha, ou não é a casa definitiva. A cama vai ficar num local onde normalmente as camas não ficam. Com a cabeceira encostada a uma janela. A janela é grande, tem portadas de madeira, lá fora está muita luz do dia. Há vento. As cortinas esvoaçam. Arrasto a cama sozinha. Talvez não seja a melhor solução estética, mas é a mais favorável para ler.
Na casa da minha avó
NOITE DE 29 PARA 30 DE SETEMBRO DE 1997
[...] Da minha carteira saem fotografias antigas. São fotografias minhas quando tinha seis, sete anos. É que, quando estava à espera de ser atendida junto do balcão ao ar livre, que era uma espécie de balcão de mercearia, e naquela sonolência que me invade, ouço o som de uma chave a cair pelas escadas abaixo. Faço uma espécie de corneta de papel para ouvir com maior nitidez o ruído metálico, ligeiramente musical, da chave a bater de degrau em degrau, e fico a ouvir porque acho que, pelo som, posso descobrir em que andar ela acaba por parar. A chave, finalmente, pára. Então as fotografias animam-se. Vejo-me a correr, num quintal. Às vezes danço. Tenho ternura por aquela eu de sete anos, que tem tanta, tanta intensidade. E tanta alegria. Penso: «oh, eu era linda». […] Finalmente vou a casa da minha avó. Entro, não está ninguém no rés-do-chão. Ouço barulho no andar de cima. São as criadas a tratar dela. Continua a ter duas criadas. Uma é da maior confiança. É a Maria. A minha avó está doente. Está na fase terminal da sua vida. Penso que não fala. Espero, ao fundo das escadas. Ela passa, com as criadas, olha para baixo e vê-me. Faz um gesto imperioso para me mandar subir. Tem cabelo curto. Penso: «sempre foi uma mulher muito voluntariosa, uma mulher com muita força». É mais alta do que eu me lembrava. De modo que subo, corro, pelas escadas acima, e lanço-me nos seus braços e penso: «afinal ela gostava mesmo de mim. E ainda gosta.» A certeza desse amor de sangue, dá-me tranquilidade e segurança. [...] Ela dança. Dança, dança, dança. Rodopia comigo e eu vou atrás, porque me agarra com muita força, e tento, ao mesmo tempo, segurá-la, para ela não cair, porque está velha e doente, e pode magoar-se. Só que já não tenho força para a segurar por muito mais tempo, e ninguém me está a ajudar. Depois estamos no quarto dela, e é muito pequeno, só lá cabem três pessoas, e eu fico mais ou menos à porta. Falta entrar a minha cadeira. […]
[...] Da minha carteira saem fotografias antigas. São fotografias minhas quando tinha seis, sete anos. É que, quando estava à espera de ser atendida junto do balcão ao ar livre, que era uma espécie de balcão de mercearia, e naquela sonolência que me invade, ouço o som de uma chave a cair pelas escadas abaixo. Faço uma espécie de corneta de papel para ouvir com maior nitidez o ruído metálico, ligeiramente musical, da chave a bater de degrau em degrau, e fico a ouvir porque acho que, pelo som, posso descobrir em que andar ela acaba por parar. A chave, finalmente, pára. Então as fotografias animam-se. Vejo-me a correr, num quintal. Às vezes danço. Tenho ternura por aquela eu de sete anos, que tem tanta, tanta intensidade. E tanta alegria. Penso: «oh, eu era linda». […] Finalmente vou a casa da minha avó. Entro, não está ninguém no rés-do-chão. Ouço barulho no andar de cima. São as criadas a tratar dela. Continua a ter duas criadas. Uma é da maior confiança. É a Maria. A minha avó está doente. Está na fase terminal da sua vida. Penso que não fala. Espero, ao fundo das escadas. Ela passa, com as criadas, olha para baixo e vê-me. Faz um gesto imperioso para me mandar subir. Tem cabelo curto. Penso: «sempre foi uma mulher muito voluntariosa, uma mulher com muita força». É mais alta do que eu me lembrava. De modo que subo, corro, pelas escadas acima, e lanço-me nos seus braços e penso: «afinal ela gostava mesmo de mim. E ainda gosta.» A certeza desse amor de sangue, dá-me tranquilidade e segurança. [...] Ela dança. Dança, dança, dança. Rodopia comigo e eu vou atrás, porque me agarra com muita força, e tento, ao mesmo tempo, segurá-la, para ela não cair, porque está velha e doente, e pode magoar-se. Só que já não tenho força para a segurar por muito mais tempo, e ninguém me está a ajudar. Depois estamos no quarto dela, e é muito pequeno, só lá cabem três pessoas, e eu fico mais ou menos à porta. Falta entrar a minha cadeira. […]
sábado, 26 de janeiro de 2008
Uma mesa posta para jantar
NOITE DE 25 PARA 26 DE SETEMBRO DE 1997
[…] O dia cai. Estou sozinha e tenho que atravessar a rua. Estou numa cidade conhecida. Estou em Lisboa. Numa zona próxima da Avenida de Londres e da Avenida de Roma[…]. O passeio está mais ou menos deserto, há alguns carros na rua, e sinto um pouco de medo. E alguma estranheza, porque não sei bem como vou fazer. Depois acho normal, e penso: «se é assim, é assim.». Porque aquela é uma situação que não vale a pena questionar. […]
A verdade é que ele me leva para casa dele. E é uma casa rica, e é uma espécie de contraponto da casa da outra mulher. As mobílias são antigas e de muito bom gosto. Não o género de mobílias que eu poria numa casa minha, mas o efeito é muito agradável. Aquela casa é uma casa sólida, solidamente construída. Acho que há muitas coisas em prata. […] Há uma mesa posta. É uma mesa posta para jantar. Está muito bonita, o jantar é para várias pessoas, a sopa já está servida, e é cor-de-laranja. E há vários pratos, e pelo menos um, – penso que o aperitivo, – também já está na mesa, e eu penso: «estamos a deixar isto esfriar». Há vários criados para nos servirem. E eu até nem me importo da sopa mais fria, porque podem aquecê-la outra vez. A casa, e a cozinha, têm muitos recursos. […] E estão várias pessoas à mesa, acho que os meus filhos e uma outra mulher.
[…] O dia cai. Estou sozinha e tenho que atravessar a rua. Estou numa cidade conhecida. Estou em Lisboa. Numa zona próxima da Avenida de Londres e da Avenida de Roma[…]. O passeio está mais ou menos deserto, há alguns carros na rua, e sinto um pouco de medo. E alguma estranheza, porque não sei bem como vou fazer. Depois acho normal, e penso: «se é assim, é assim.». Porque aquela é uma situação que não vale a pena questionar. […]
A verdade é que ele me leva para casa dele. E é uma casa rica, e é uma espécie de contraponto da casa da outra mulher. As mobílias são antigas e de muito bom gosto. Não o género de mobílias que eu poria numa casa minha, mas o efeito é muito agradável. Aquela casa é uma casa sólida, solidamente construída. Acho que há muitas coisas em prata. […] Há uma mesa posta. É uma mesa posta para jantar. Está muito bonita, o jantar é para várias pessoas, a sopa já está servida, e é cor-de-laranja. E há vários pratos, e pelo menos um, – penso que o aperitivo, – também já está na mesa, e eu penso: «estamos a deixar isto esfriar». Há vários criados para nos servirem. E eu até nem me importo da sopa mais fria, porque podem aquecê-la outra vez. A casa, e a cozinha, têm muitos recursos. […] E estão várias pessoas à mesa, acho que os meus filhos e uma outra mulher.
À procura de um acupunctor
NOITE DE 23 PARA 24 DE SETEMBRO DE 1997
Estou num centro comercial e ando à procura de um acupunctor. Pergunto a uma rapariga, nova, se sabe de algum. E ela responde “que coincidência! acabo de vir da consulta. É um muito bom, óptimo. Até te levo lá.” Há escadas rolantes e muita gente. Ela aponta para cima, e eu vejo, debruçado no corrimão do andar superior, um homem e várias pessoas a rodeá-lo. A rapariga diz: “é aquele”.
Ele está à porta do consultório, vejo cá fora fazer uma pausa. Há muita gente dentro do consultório. Muita gente mesmo. Eu digo «assim nunca mais chega a minha vez». O homem dá-me o braço e diz que tem de apanhar o avião à noite. E acontece que o homem está quase despido, de tanga, acho eu, e é brasileiro e vai apanhar o avião para o Brasil às dez da noite. E eu digo: “assim não vai poder ver esta gente toda! E muito menos a mim.”Ele aperta-me a mão e fecha a minha mão na dele. É muito simpático. A mão dele é muito pequena. E áspera. Penso: «a mão de um médico costuma ser forte e macia».
Estou num centro comercial e ando à procura de um acupunctor. Pergunto a uma rapariga, nova, se sabe de algum. E ela responde “que coincidência! acabo de vir da consulta. É um muito bom, óptimo. Até te levo lá.” Há escadas rolantes e muita gente. Ela aponta para cima, e eu vejo, debruçado no corrimão do andar superior, um homem e várias pessoas a rodeá-lo. A rapariga diz: “é aquele”.
Ele está à porta do consultório, vejo cá fora fazer uma pausa. Há muita gente dentro do consultório. Muita gente mesmo. Eu digo «assim nunca mais chega a minha vez». O homem dá-me o braço e diz que tem de apanhar o avião à noite. E acontece que o homem está quase despido, de tanga, acho eu, e é brasileiro e vai apanhar o avião para o Brasil às dez da noite. E eu digo: “assim não vai poder ver esta gente toda! E muito menos a mim.”Ele aperta-me a mão e fecha a minha mão na dele. É muito simpático. A mão dele é muito pequena. E áspera. Penso: «a mão de um médico costuma ser forte e macia».
quinta-feira, 17 de janeiro de 2008
O homem enforcado junto ao mar e a Terra dos Ursos
NOITE DE 15 PARA 16 DE SETEMBRO DE 1997
Um homem está a ser enforcado junto ao mar. O mar está em segundo plano, é uma linha de água ao fundo, nem se vê todo porque a imagem está enquadrada de forma a privilegiar a assembleia de homens que rodeia a forca onde está a ser enforcado o criminoso. E os homens que assistem a este espectáculo são umas duas dezenas. Têm um aspecto muito normal. A forca é rudimentar, e o processo não está a correr bem. O homem demora muito tempo a morrer, contorce-se, leva as mãos ao pescoço, tem falta de ar e sofre horrivelmente.
Alguém, na assistência, comenta que se deveria utilizar outro método, talvez uma injecção letal, por exemplo, porque aquilo é uma barbaridade. Penso: "Este homem para dizer estas coisas já deve ter vivido nos Estados Unidos". O carrasco está a suar. Já ergueu o corpo umas duas ou três vezes para o deixar cair bruscamente. [...] Alguém comenta que aquele condenado vai demorar seis minutos a morrer. Penso: «é uma eternidade, para quem sofre assim!».
Depois retiram o homem da forca, e estendem-no na areia. É novo, deve ter trinta, trinta e poucos anos. Olho para a mão direita dele, estendida e semi dobrada na areia. É branca, tem dedos longos.
Depois o homem mexe-se, porque afinal não moreu. E ergue-se e começa a correr pela areia. Todos começam a fazer um círculo à volta dele, e ele tenta entrar nos carros que estacionaram perto da praia, mas os carros já estão cheios com famílias. O cerco aperta-se. Ele entra num carro que parece vazio, e é uma carrinha, e a pessoa que está lá dentro diz para ele dar a volta, e ele corre para a outra porta, e então as duas portas da carrinha abrem-se, ao mesmo tempo, são de aço, fazem uma muralha, fecham o cerco de vez, e de dentro da carrinha saem polícias. Penso: "Estes casos costumam ser amnistiados." Não sei se ele é culpado, nem de quê.
Depois estou numa parte da floresta que é a Terra dos Ursos. Essa parte da floresta está perto de uma auto-estrada e de outras vias de comunicação. Não é escura, nem sombria. Os ursos andam quase sempre erguidos em duas patas. O chão está cheio de bolinhas de cocó muito pretas. Uma menina diz-me que o cocó dos ursos é utilizado como fertilizante, e que os ursos estão a ser ensinados a fazer cocó de pé para não sujarem o pêlo.
Aquela parte da floresta tem muitas clareiras, e não é bonita porque está muito próximo da civilização e das estradas. Essas coisas. Acho que as árvores têm pó. Acho que os ursos comem folhas das árvores. Depois a menina está a segurar um urso bebé que está a fazer cocó numa sanita, e é um ursinho gorila. Sei que os ursos são perigosos, mas é como se aquele perigo, aqui, estivesse absolutamente controlado, porque há pessoas que estão a tomar conta daquela situação há muito tempo.
Depois a ML vai ser operada de urgência. Agora há enfermeiras a pô-la em cima de uma marquesa, e médicos que a vão operar à barriga, e a luz é azul. Ela não parece importar-se porque gosta de hospitais, e médicos e operações. Até parece que está um bocado orgulhosa. [...]
Depois estou num comboio, e venho para Lisboa e tenho três mensagens no telemóvel, só que não consigo atender, porque o Lula mexeu naquilo, acho que me desacertou o sistema de receber mensagens. Fico muito zangada. E frustrada. E as mensagens são todas de trabalho. E grito.
http://ante-et-post.weblog.com.pt/2006/12/contra
Um homem está a ser enforcado junto ao mar. O mar está em segundo plano, é uma linha de água ao fundo, nem se vê todo porque a imagem está enquadrada de forma a privilegiar a assembleia de homens que rodeia a forca onde está a ser enforcado o criminoso. E os homens que assistem a este espectáculo são umas duas dezenas. Têm um aspecto muito normal. A forca é rudimentar, e o processo não está a correr bem. O homem demora muito tempo a morrer, contorce-se, leva as mãos ao pescoço, tem falta de ar e sofre horrivelmente.
Alguém, na assistência, comenta que se deveria utilizar outro método, talvez uma injecção letal, por exemplo, porque aquilo é uma barbaridade. Penso: "Este homem para dizer estas coisas já deve ter vivido nos Estados Unidos". O carrasco está a suar. Já ergueu o corpo umas duas ou três vezes para o deixar cair bruscamente. [...] Alguém comenta que aquele condenado vai demorar seis minutos a morrer. Penso: «é uma eternidade, para quem sofre assim!».
Depois retiram o homem da forca, e estendem-no na areia. É novo, deve ter trinta, trinta e poucos anos. Olho para a mão direita dele, estendida e semi dobrada na areia. É branca, tem dedos longos.
Depois o homem mexe-se, porque afinal não moreu. E ergue-se e começa a correr pela areia. Todos começam a fazer um círculo à volta dele, e ele tenta entrar nos carros que estacionaram perto da praia, mas os carros já estão cheios com famílias. O cerco aperta-se. Ele entra num carro que parece vazio, e é uma carrinha, e a pessoa que está lá dentro diz para ele dar a volta, e ele corre para a outra porta, e então as duas portas da carrinha abrem-se, ao mesmo tempo, são de aço, fazem uma muralha, fecham o cerco de vez, e de dentro da carrinha saem polícias. Penso: "Estes casos costumam ser amnistiados." Não sei se ele é culpado, nem de quê.
Depois estou numa parte da floresta que é a Terra dos Ursos. Essa parte da floresta está perto de uma auto-estrada e de outras vias de comunicação. Não é escura, nem sombria. Os ursos andam quase sempre erguidos em duas patas. O chão está cheio de bolinhas de cocó muito pretas. Uma menina diz-me que o cocó dos ursos é utilizado como fertilizante, e que os ursos estão a ser ensinados a fazer cocó de pé para não sujarem o pêlo.
Aquela parte da floresta tem muitas clareiras, e não é bonita porque está muito próximo da civilização e das estradas. Essas coisas. Acho que as árvores têm pó. Acho que os ursos comem folhas das árvores. Depois a menina está a segurar um urso bebé que está a fazer cocó numa sanita, e é um ursinho gorila. Sei que os ursos são perigosos, mas é como se aquele perigo, aqui, estivesse absolutamente controlado, porque há pessoas que estão a tomar conta daquela situação há muito tempo.
Depois a ML vai ser operada de urgência. Agora há enfermeiras a pô-la em cima de uma marquesa, e médicos que a vão operar à barriga, e a luz é azul. Ela não parece importar-se porque gosta de hospitais, e médicos e operações. Até parece que está um bocado orgulhosa. [...]
Depois estou num comboio, e venho para Lisboa e tenho três mensagens no telemóvel, só que não consigo atender, porque o Lula mexeu naquilo, acho que me desacertou o sistema de receber mensagens. Fico muito zangada. E frustrada. E as mensagens são todas de trabalho. E grito.
http://ante-et-post.weblog.com.pt/2006/12/contra
Estes homens-peixe são doidos
NOITE DE 5 PARA 6 DE SETEMBRO DE 1997
Estou num hospital. Na cama ao lado da minha está aquela velhinha amorosa. Ela afinal ainda está viva, só que perdeu a memória. Portanto é ela, e já não é ela. Eu estou no hospital, mas é como se já não estivesse completamente internada. Eu estou quase curada. [...]
Depois sonho que ouço gritos do lado de fora da minha casa. E há uma família francesa com muitas crianças. [...] Depois há um homem que vem ter comigo para me levar não sei onde. E quando o homem se aproxima eu abraço-o e beijo-o. Intensamente. Demoradamente. Ele corresponde. É um abraço sem fim, de uma intensidade enorme. E vamos, abraçados, para dentro de uma casa.
Depois sonho com o Paulo que diz que se tornou mais sensível às amizades e aos afectos. Estou sentada numa cama a vê-lo aproximar-se de mim. Lembro-me de pensar «como ele tem um ar tão duro». Como se fosse uma pedra.
Depois sonho com o A. que fez uma birra muito grande à Helena. Ele tenta dormir na rua, mas tem tanto frio que não consegue. E primeiro tenta tapar-se com folhas, mas o cacimbo da noite é excessivo. Depois mete-se dentro de água, porque há ali um lagozinho, ou um rio, e a água, apesar de tudo, é menos fria do que a noite. Mas não consegue descansar. E tem cada vez mais frio. E eu penso «estes homens-peixes são mesmo doidos. E teimosos. Outro qualquer morria de pneumonia, este nem vai nem ficar constipado." E penso que o Drew é parecido com o pai. Depois ele mete-se no carro e lá está a Helena, que traz uma grande manta e embrulha-o. E eu fico tão aliviada.
Depois olho para o céu e o céu está cheio de desenhos nas estrelas, e eu quero percebê-los. E são desenhos como nos livros, mas não são desenhos mágicos como já vi noutras alturas.
Estou num hospital. Na cama ao lado da minha está aquela velhinha amorosa. Ela afinal ainda está viva, só que perdeu a memória. Portanto é ela, e já não é ela. Eu estou no hospital, mas é como se já não estivesse completamente internada. Eu estou quase curada. [...]
Depois sonho que ouço gritos do lado de fora da minha casa. E há uma família francesa com muitas crianças. [...] Depois há um homem que vem ter comigo para me levar não sei onde. E quando o homem se aproxima eu abraço-o e beijo-o. Intensamente. Demoradamente. Ele corresponde. É um abraço sem fim, de uma intensidade enorme. E vamos, abraçados, para dentro de uma casa.
Depois sonho com o Paulo que diz que se tornou mais sensível às amizades e aos afectos. Estou sentada numa cama a vê-lo aproximar-se de mim. Lembro-me de pensar «como ele tem um ar tão duro». Como se fosse uma pedra.
Depois sonho com o A. que fez uma birra muito grande à Helena. Ele tenta dormir na rua, mas tem tanto frio que não consegue. E primeiro tenta tapar-se com folhas, mas o cacimbo da noite é excessivo. Depois mete-se dentro de água, porque há ali um lagozinho, ou um rio, e a água, apesar de tudo, é menos fria do que a noite. Mas não consegue descansar. E tem cada vez mais frio. E eu penso «estes homens-peixes são mesmo doidos. E teimosos. Outro qualquer morria de pneumonia, este nem vai nem ficar constipado." E penso que o Drew é parecido com o pai. Depois ele mete-se no carro e lá está a Helena, que traz uma grande manta e embrulha-o. E eu fico tão aliviada.
Depois olho para o céu e o céu está cheio de desenhos nas estrelas, e eu quero percebê-los. E são desenhos como nos livros, mas não são desenhos mágicos como já vi noutras alturas.
quarta-feira, 9 de janeiro de 2008
Eu, a Alexandra, o azeite e os ovos
VÁRIOS, EM AGOSTO 1997
Sonho com a Alexandra o sonho do azeite e o sonho das galinhas. Acontece assim: dão-me azeite de qualidade excepcional. Trazem-mo numa garrafa de cinco litros. É daquelas garrafas de água. A Alexandra explica-me: para ser guardado e consumido nas melhores condições é preciso fervê-lo em banho-maria e isso demora sete horas. Além disso temos de o vigiar a operação, para que o azeite não ferva e não se derrame. Pode-se metê-lo no forno, num tabuleiro. Ou em cima, no fogão. Eu coloco o meu num tabuleiro, e vou vigiando a operação, mas a ideia de estar ali sete horas a olhar para aquilo deixa-me muito nervosa. Acho mesmo que é um processo um bocado tonto. A Alexandra diz que já tratou do azeite dela e eu resolvo aldrabar as horas. Penso: «sete é um número mágico, mas três também. Portanto só vou ferver o meu azeite durante três horas.»
Depois noutro sonho oferecem-nos galinhas, a mim e a Alexandra. São mesmo galinhas que cheiram a galinhas. Estão numas gaiolas baixas e apertadas, horríveis, como as que se usam para as levar ao mercado. Ora eu não quero as galinhas para nada, e a Alexandra também não, ainda por cima não sei onde as vou colocar, e não tenciono matá-las. O problema é que já não é possível recusar, porque é uma oferta com muito boa vontade, e é uma oferta que já está consumada.
As galinhas são galinhas poedeiras. Põem ovos muito bons. Penso: vou guardá-las no terraço da minha casa nova, e arranjo-lhes umas gaiolas mais confortáveis e maiores. Assim vamos ter ovos todos os dias.
Sonho com a Alexandra o sonho do azeite e o sonho das galinhas. Acontece assim: dão-me azeite de qualidade excepcional. Trazem-mo numa garrafa de cinco litros. É daquelas garrafas de água. A Alexandra explica-me: para ser guardado e consumido nas melhores condições é preciso fervê-lo em banho-maria e isso demora sete horas. Além disso temos de o vigiar a operação, para que o azeite não ferva e não se derrame. Pode-se metê-lo no forno, num tabuleiro. Ou em cima, no fogão. Eu coloco o meu num tabuleiro, e vou vigiando a operação, mas a ideia de estar ali sete horas a olhar para aquilo deixa-me muito nervosa. Acho mesmo que é um processo um bocado tonto. A Alexandra diz que já tratou do azeite dela e eu resolvo aldrabar as horas. Penso: «sete é um número mágico, mas três também. Portanto só vou ferver o meu azeite durante três horas.»
Depois noutro sonho oferecem-nos galinhas, a mim e a Alexandra. São mesmo galinhas que cheiram a galinhas. Estão numas gaiolas baixas e apertadas, horríveis, como as que se usam para as levar ao mercado. Ora eu não quero as galinhas para nada, e a Alexandra também não, ainda por cima não sei onde as vou colocar, e não tenciono matá-las. O problema é que já não é possível recusar, porque é uma oferta com muito boa vontade, e é uma oferta que já está consumada.
As galinhas são galinhas poedeiras. Põem ovos muito bons. Penso: vou guardá-las no terraço da minha casa nova, e arranjo-lhes umas gaiolas mais confortáveis e maiores. Assim vamos ter ovos todos os dias.
Depois vejo os ovos: têm uma gema muito amarelinha.
O casamento da Tita
VÁRIOS EM JULHO 1997
Não me lembro quase de nada, mas sei que sonho várias vezes com o casamento da Tita. Uns são sonhos do casamento mas nada está pronto a tempo, e eu ando por ali toda preocupada. Outros são sonhos de casamento como devem ser os sonhos de casamento, cheios de alegria e muito felizes.
Não me lembro quase de nada, mas sei que sonho várias vezes com o casamento da Tita. Uns são sonhos do casamento mas nada está pronto a tempo, e eu ando por ali toda preocupada. Outros são sonhos de casamento como devem ser os sonhos de casamento, cheios de alegria e muito felizes.
Uma encomenda de África
NOITE DE 21 PARA 22 DE JULHO DE 1997
Escrevi uma carta a alguém que me responde. Já não estava à espera porque foi uma carta enviada para África, Gabão, talvez, e não conheço a pessoa a quem escrevi. Sei que é um negro e escrevi-lhe porque descobri umas folhas de papel escritas por ele, na parte de fora de um envelope. Essa foi a razão que me levou a contactá-lo.
Recebo uma encomenda. A encomenda traz uma vez a carta e a carta está do lado de fora, e nem tem envelope. Está escrita em folhas de papel reciclado, entaladas nas cordas que prendem o embrulho da encomenda. É uma carta muito agradável. Suponho que quem me escreve está a agradecer-me por qualquer coisa, mas não sei o que é.
Recebo uma encomenda. A encomenda traz uma vez a carta e a carta está do lado de fora, e nem tem envelope. Está escrita em folhas de papel reciclado, entaladas nas cordas que prendem o embrulho da encomenda. É uma carta muito agradável. Suponho que quem me escreve está a agradecer-me por qualquer coisa, mas não sei o que é.
Abrimos a encomenda com algum custo. É um saco de viagem azul. Monta-se e desmonta-se. Não tem nada lá dentro. Depois estamos a separar brinquedos de peluche das crianças. A Tita quer deitar todos fora. Os bonecos estão velhos, a pelúcia está gasta. Mas tenho pena de jogá-los fora.
Depois quero muito ir a Moçambique, mas a viagem é tão cara que decido arranjar bilhetes por razões profissionais e deslocar-me ali em trabalho.
Depois encontro a Alex e ela diz-me que já conseguiu arranjar dinheiro com um anel que penhorou numa Casa da Misericórdia, e eu só não a acompanho porque descubro, já dentro da sala, que a assistente social é a mesma que já me atendeu a mim, e a quem eu mandei várias pessoas amigas.
Depois sonho que estou a fazer um peru assado, e é um peru-borrego. Enorme, tostado, com umas grandes asas. Só que umas vezes já está assado, outras está a marinar e eu estou a pedir que me liguem o forno, e noutras está dentro de água e estou a lavá-lo.
Também sonhei com o Rafael. Inesperadamente estamos ao telefone os dois.
Depois quero muito ir a Moçambique, mas a viagem é tão cara que decido arranjar bilhetes por razões profissionais e deslocar-me ali em trabalho.
Depois encontro a Alex e ela diz-me que já conseguiu arranjar dinheiro com um anel que penhorou numa Casa da Misericórdia, e eu só não a acompanho porque descubro, já dentro da sala, que a assistente social é a mesma que já me atendeu a mim, e a quem eu mandei várias pessoas amigas.
Depois sonho que estou a fazer um peru assado, e é um peru-borrego. Enorme, tostado, com umas grandes asas. Só que umas vezes já está assado, outras está a marinar e eu estou a pedir que me liguem o forno, e noutras está dentro de água e estou a lavá-lo.
Também sonhei com o Rafael. Inesperadamente estamos ao telefone os dois.
Dois ovos no ninho das cegonhas
NOITE DE 12 PARA 13 DE JULHO DE 1997
O Joshua perde um dente, curva-se para o chão empoeirado à procura dele. Agora reparo que lhe faltam alguns dentes—penso que são da frente—e acho estranho que ele ande de gatas no chão para encontrar o dente que lhe caiu quando me estava a beijar. Estávamos a combinar um encontro para o futuro.
E agora estou a guiar, vou para uma terra de província onde vou começar o meu novo projecto profissional. E depois estou a dançar ballet, nem sabia que dominava a técnica!É maravilhoso, o meu corpo estremece do esforço e da vibração, porque estou em pontas, a rodopiar, e levanto uma perna, e o meu vestido é vermelho, comprido. Mas não é nenhum espectáculo, sou eu que me estou a divertir. Depois tento dar cambalhotas. A pessoa que está comigo pergunta se faz parte do ballet, e eu digo que não. A seguir quero quero fazer o pino, mas isso já é excessivo, ainda por cima estamos no corredor da Rádio.
E ontem ou há três dias, sonhei com um ninho de cegonhas, e lá dentro tinha dois ovos, e o ninho estava muito alto mas eu baixava o longuíssimo tronco, e esse longuíssimo tronco curvava-se até mim, e eu espreitava, e o ninho era feito como os ninhos são feitos, com palhas e tronquinhos e restos de coisas, e no chão, para o tornar mais confortável, ou quente, havia folhas de jornal, amachucadas para o forrar muito bem, misturadas com os outros materiais, assim à maneira dos ninhos. E eu larguei o ninho e ele subiu, mas em vez de subir disparado ou catapultado no tronco liberto da tensão de eu o segurar—como eu, por um momento cheguei a temer, uma vez que o larguei bruscamente—subiu como se flutuasse, lentamente, de forma a não abanar a estrutura do ninho e não prejudicar os ovos, os dois ovos.
Depois fica lá em cima, muito lá em cima, agitado, suavemente, quase subliminarmente, pela brisa da tarde.
E agora estou a guiar, vou para uma terra de província onde vou começar o meu novo projecto profissional. E depois estou a dançar ballet, nem sabia que dominava a técnica!É maravilhoso, o meu corpo estremece do esforço e da vibração, porque estou em pontas, a rodopiar, e levanto uma perna, e o meu vestido é vermelho, comprido. Mas não é nenhum espectáculo, sou eu que me estou a divertir. Depois tento dar cambalhotas. A pessoa que está comigo pergunta se faz parte do ballet, e eu digo que não. A seguir quero quero fazer o pino, mas isso já é excessivo, ainda por cima estamos no corredor da Rádio.
E ontem ou há três dias, sonhei com um ninho de cegonhas, e lá dentro tinha dois ovos, e o ninho estava muito alto mas eu baixava o longuíssimo tronco, e esse longuíssimo tronco curvava-se até mim, e eu espreitava, e o ninho era feito como os ninhos são feitos, com palhas e tronquinhos e restos de coisas, e no chão, para o tornar mais confortável, ou quente, havia folhas de jornal, amachucadas para o forrar muito bem, misturadas com os outros materiais, assim à maneira dos ninhos. E eu larguei o ninho e ele subiu, mas em vez de subir disparado ou catapultado no tronco liberto da tensão de eu o segurar—como eu, por um momento cheguei a temer, uma vez que o larguei bruscamente—subiu como se flutuasse, lentamente, de forma a não abanar a estrutura do ninho e não prejudicar os ovos, os dois ovos.
Depois fica lá em cima, muito lá em cima, agitado, suavemente, quase subliminarmente, pela brisa da tarde.
M. (análise radiostésica) diz: "novas formas de expressão, catalizar novas estruturas".
Sonho duas vezes com o Paulo
NOITE DE 10 PARA 11 DE JULHO DE 1997
Sonho duas vezes com o Paulo— em noites seguidas. Ele aparece-me, mas jnão me lembro de mais nada a não ser que ele tem muito mais cabelo.
Sonho duas vezes com o Paulo— em noites seguidas. Ele aparece-me, mas jnão me lembro de mais nada a não ser que ele tem muito mais cabelo.
domingo, 6 de janeiro de 2008
É um boneco de madeira
NOITE DE 19 PARA 20 DE JUNHO DE 1997
Estamos, várias mulheres, num centro comercial, à espera de vez para ir à casa-de-banho. O espaço onde estamos à espera é muito apertado. A primeira senhora à minha frente acaba por desistir, a segunda também, e eu fico á frente. Então, de dentro da casa-de-banho, sai finalmente uma mulher. Mas em vez de sair completamente fica à entrada da porta a falar com quem ainda lá está dentro. Depois sai outra mulher. As duas entopem o corredor estreito e curto. E continuam a falar para mais alguém que ainda está dentro da casa-de-banho. Finalmente saem mais duas mulheres, e eu penso, é extraordinário como se meteram tantas dentro de um cubículo tão pequeno. De modo que me venho embora.
Mas antes, acho que foi antes, houve uma passagem de modelos. Estou numa sala grande, e a roupa que desfila não me interessa. Avanço, e vejo, no vão de uma janela o Paulo A., do Porto, e faço-lhe uma grande festa e ele retribui-me. É bom estarmos juntos. Tenho de dar um recado, ou buscar uma coisa, e levo um colar de morangos que era do Paulo, uma vez que eu tinha declinado o que me queriam servir. Até ver, diante dele, aqueles morangos, que comecei a comer, sem resistir. E eram muito bons.
Estamos, várias mulheres, num centro comercial, à espera de vez para ir à casa-de-banho. O espaço onde estamos à espera é muito apertado. A primeira senhora à minha frente acaba por desistir, a segunda também, e eu fico á frente. Então, de dentro da casa-de-banho, sai finalmente uma mulher. Mas em vez de sair completamente fica à entrada da porta a falar com quem ainda lá está dentro. Depois sai outra mulher. As duas entopem o corredor estreito e curto. E continuam a falar para mais alguém que ainda está dentro da casa-de-banho. Finalmente saem mais duas mulheres, e eu penso, é extraordinário como se meteram tantas dentro de um cubículo tão pequeno. De modo que me venho embora.
Mas antes, acho que foi antes, houve uma passagem de modelos. Estou numa sala grande, e a roupa que desfila não me interessa. Avanço, e vejo, no vão de uma janela o Paulo A., do Porto, e faço-lhe uma grande festa e ele retribui-me. É bom estarmos juntos. Tenho de dar um recado, ou buscar uma coisa, e levo um colar de morangos que era do Paulo, uma vez que eu tinha declinado o que me queriam servir. Até ver, diante dele, aqueles morangos, que comecei a comer, sem resistir. E eram muito bons.
Entretanto, nessa casa, há manifestações estranhas, supostamente na cama onde o V .terá morrido. É tudo muito diferente da vida real, mas é mesmo assim. E a Sue, ao entrar no quarto, e diante da cama vazia onde se agitam formas inconsistentes, desfere dois murros e um pontapé, e agarra de repente uma coisa que percebemos ser um boneco. E ela diz: «só podia ser isto, bem desconfiava eu!». E destapa a «coisa». É um boneco, de madeira, quase uma réplica do V., que, ainda durante a vida, se lhe tinha afeiçoado, insuflando-lhe energia ao longo dos tempos da sua longa doença.
A princípio o boneco era de pano, com pernas de trapo muito compridas. A Sue conta que lhe tinha custado 200 escudos, e que «se compravam em todo o lado» e ela comprou-o para fazer companhia ao V. que se começou a afeiçoar-se a ele. A sua cama tinha gavetões secretos, e era aí que ele o guardava. Só que agora, depois do V. ter partido, o boneco continuava lá escondido e saía do esconderijo quando queria. É pois ele o culpado das manifestações estranhas. Eu pergunto-lhe se gosta da Sue e ele responde que não. E a Sue vai buscar um pau com ar de mata-mosquitos e bate-lhe muito. Ele não se queixa, nem grita, nem se mexe, fica só assim imóvel, com um ar muito manhoso, e ela cada vez lhe bate mais, até que para.
E depois estou numa casa grande, no Porto, e vejo uma mesa, grande, na sala, inclinar-se num ângulo esquisito. Tudo estremece. Penso: é um tremor de terra. Digo: não fico dentro de uma casa quando há um tremor de terra. Depois penso: em Lisboa deve ser muito pior. Olho pela janela, está tudo muito calmo, mas vem aí outra réplica pior. A mesa volta a inclinar-se até ao chão e eu saio, procuro uma clareira, porque atrás de mim uma árvore caiu. Vejo as copas das árvores a agitarem-se, os campos a ondularem.
Depois está tudo calmo, e chega um carro que vem pelo caminho que leva à casa. Não me lembro de quem é nem quem vem lá.
A princípio o boneco era de pano, com pernas de trapo muito compridas. A Sue conta que lhe tinha custado 200 escudos, e que «se compravam em todo o lado» e ela comprou-o para fazer companhia ao V. que se começou a afeiçoar-se a ele. A sua cama tinha gavetões secretos, e era aí que ele o guardava. Só que agora, depois do V. ter partido, o boneco continuava lá escondido e saía do esconderijo quando queria. É pois ele o culpado das manifestações estranhas. Eu pergunto-lhe se gosta da Sue e ele responde que não. E a Sue vai buscar um pau com ar de mata-mosquitos e bate-lhe muito. Ele não se queixa, nem grita, nem se mexe, fica só assim imóvel, com um ar muito manhoso, e ela cada vez lhe bate mais, até que para.
E depois estou numa casa grande, no Porto, e vejo uma mesa, grande, na sala, inclinar-se num ângulo esquisito. Tudo estremece. Penso: é um tremor de terra. Digo: não fico dentro de uma casa quando há um tremor de terra. Depois penso: em Lisboa deve ser muito pior. Olho pela janela, está tudo muito calmo, mas vem aí outra réplica pior. A mesa volta a inclinar-se até ao chão e eu saio, procuro uma clareira, porque atrás de mim uma árvore caiu. Vejo as copas das árvores a agitarem-se, os campos a ondularem.
Depois está tudo calmo, e chega um carro que vem pelo caminho que leva à casa. Não me lembro de quem é nem quem vem lá.
Pessoas discutem na noite
NOITE DE 16 PARA 17 DE JUNHO DE 1997
Estou à janela, as persianas estão meio corridas, e lá fora há duas pessoas armadas a disparar. É a M. Leonor e o seu grande amigo António B. Há uma parede perpendicular à janela, e é uma parede estreita, uma espécie de muro que as balas não a conseguem atravessar.
Na mesma noite o sonho repete-se com outras variantes. Ouço barulho e chego à janela. Há um grupo de jovens, barulhentos e agressivos a discutir mesmo em frente de casa. Discutem e riem-se. Uma das raparigas olha para cima e vê-me.
Depois há um sonho em que me rio muito e é divertido, mas já não me lembro.
Estou à janela, as persianas estão meio corridas, e lá fora há duas pessoas armadas a disparar. É a M. Leonor e o seu grande amigo António B. Há uma parede perpendicular à janela, e é uma parede estreita, uma espécie de muro que as balas não a conseguem atravessar.
Na mesma noite o sonho repete-se com outras variantes. Ouço barulho e chego à janela. Há um grupo de jovens, barulhentos e agressivos a discutir mesmo em frente de casa. Discutem e riem-se. Uma das raparigas olha para cima e vê-me.
Depois há um sonho em que me rio muito e é divertido, mas já não me lembro.
Página 52
NOITE DE 12 PARA 13 DE JUNHO DE 1997
Entro numa despensa porque preciso de ovos para fazer um prato com feijão verde cozido às tiras. Quero fazer uma espécie de empadão no forno. A dispensa não é grande, tem uma mesa ao centro e em cima dessa mesa há caixas de ovos. Os ovos são muito grandes, alguns são ovos de duas gemas. Não consigo escolher ovos pequenos.
Depois encontro a P. F. que quer falar comigo. Ela tem o livro na mão. Está do outro lado da rua, e grita: «página 52». E depois eu vejo que a página 52 tem assinaladas várias palavras que se repetem muitas vezes. Não me recordo que palavras são. Depois estou num quarto de hotel, e entra o Richard vem buscar a cópia de um livro para ler, e a cópia está enrolada junto de um candeeiro que está no chão.
Depois estou em viagem pela Alemanha, em Hamburgo. Estou com o Rainer. A Tita e os miúdos também estão connosco.
Entro numa despensa porque preciso de ovos para fazer um prato com feijão verde cozido às tiras. Quero fazer uma espécie de empadão no forno. A dispensa não é grande, tem uma mesa ao centro e em cima dessa mesa há caixas de ovos. Os ovos são muito grandes, alguns são ovos de duas gemas. Não consigo escolher ovos pequenos.
Depois encontro a P. F. que quer falar comigo. Ela tem o livro na mão. Está do outro lado da rua, e grita: «página 52». E depois eu vejo que a página 52 tem assinaladas várias palavras que se repetem muitas vezes. Não me recordo que palavras são. Depois estou num quarto de hotel, e entra o Richard vem buscar a cópia de um livro para ler, e a cópia está enrolada junto de um candeeiro que está no chão.
Depois estou em viagem pela Alemanha, em Hamburgo. Estou com o Rainer. A Tita e os miúdos também estão connosco.
Cães ferozes na noite escura
NOITE DE 9 PARA 10 DE JUNHO DE 1997
Vou entrar por um portão gradeado que dá para uma casa num terreno cercado de arame. À minha frente vai um homem. O portão apenas se entreabre. O homem passa e há cães lá dentro, e são cães ferozes, mas não lhe fazem mal. Um deles esgueira-se pela abertura, enquanto eu grito pelo homem. Mas agora o cão está a rosnar nas minhas costas, e o portão fechou-se e o homem desapareceu, e eu tenho medo. Depois percebo que o cão não me vai morder. Contudo põe as patas nos meus ombros e rosna baixinho na minha orelha. É noite e o cão é negro. Depois alguém se aproxima de mim, e estou a falar com as pessoas, e já estou livre do cão.
Vou entrar por um portão gradeado que dá para uma casa num terreno cercado de arame. À minha frente vai um homem. O portão apenas se entreabre. O homem passa e há cães lá dentro, e são cães ferozes, mas não lhe fazem mal. Um deles esgueira-se pela abertura, enquanto eu grito pelo homem. Mas agora o cão está a rosnar nas minhas costas, e o portão fechou-se e o homem desapareceu, e eu tenho medo. Depois percebo que o cão não me vai morder. Contudo põe as patas nos meus ombros e rosna baixinho na minha orelha. É noite e o cão é negro. Depois alguém se aproxima de mim, e estou a falar com as pessoas, e já estou livre do cão.
Nota: O V. morreu hoje.
sábado, 5 de janeiro de 2008
Uma floresta. Uma floresta muito grande.
NOITE DE 9 PARA 10 DE JUNHO 1997
Uma floresta. Uma floresta muito grande. Alguém fala sobre o perigo dos fogos, e essa palestra é acompanhada de filmes que mostram o fogo a devorar florestas inteiras. Nós estamos dentro do filme. Depois alguém mostra como é possível evitar essa catástrofe, e essa catástrofe só é possível evitar se as florestas estiverem irrigadas por canais de água muito abundante. É como se se abrissem estradas de água dentro da floresta, e cheira a húmus, e há folhas a boiar naqueles canais, mas a água é viva, escorre, vai para qualquer lado. Assim, dizem, o fogo perde o seu poder destruidor.
Andamos e vamos ter a um local, dentro daquela floresta, onde há um lago. É um lago pequeno. Alguém diz que naquele sítio há a maior rede freática daquela floresta, e que se fosse drenada dali a água bastava para proteger todas as árvores, toda a vida. Os donos daquele sítio, contudo, não cedem autorização para o governo perfurar e extrair água do terreno deles.
Vejo uma casa de madeira, e há uma grande pilha de toros arrumada ao lado da casa. Ali vive uma mulher. Mal conseguimos falar com ela. Tentamos falar com o homem. Parece de ascendência estrangeira, uma personagem de filme de colonos norte-americanos. O homem está a fumar um cachimbo, sentado numa cadeira de baloiço. Tem cabelo branco, às farripas, e um ar ausente.
Uma floresta. Uma floresta muito grande. Alguém fala sobre o perigo dos fogos, e essa palestra é acompanhada de filmes que mostram o fogo a devorar florestas inteiras. Nós estamos dentro do filme. Depois alguém mostra como é possível evitar essa catástrofe, e essa catástrofe só é possível evitar se as florestas estiverem irrigadas por canais de água muito abundante. É como se se abrissem estradas de água dentro da floresta, e cheira a húmus, e há folhas a boiar naqueles canais, mas a água é viva, escorre, vai para qualquer lado. Assim, dizem, o fogo perde o seu poder destruidor.
Andamos e vamos ter a um local, dentro daquela floresta, onde há um lago. É um lago pequeno. Alguém diz que naquele sítio há a maior rede freática daquela floresta, e que se fosse drenada dali a água bastava para proteger todas as árvores, toda a vida. Os donos daquele sítio, contudo, não cedem autorização para o governo perfurar e extrair água do terreno deles.
Vejo uma casa de madeira, e há uma grande pilha de toros arrumada ao lado da casa. Ali vive uma mulher. Mal conseguimos falar com ela. Tentamos falar com o homem. Parece de ascendência estrangeira, uma personagem de filme de colonos norte-americanos. O homem está a fumar um cachimbo, sentado numa cadeira de baloiço. Tem cabelo branco, às farripas, e um ar ausente.
Depois há duas raparigas novas, muito novas, a tomar banho no lago, e é um lago-tanque. Elas têm cabelos muito compridos. Uma cabelos loiros, outra cabelos negros. Mergulham ao mesmo tempo, uma voltada para a outra, de frente, atirando os cabelos para trás e depois para a frente, de modo a não se enrolarem neles como se fossem algas. Os cabelos, por terem sido molhados primeiro quando elas atiram a cabeça para trás, não se enrolam em volta dos seus pescoços.
Os traficantes de Segredos
NOITE DE 30 DE MAIO PARA 1 DE JUNHO DE 1997
Tenho de ir roubar uma ampola de um medicamento secreto e infalível para a cura de uma doença ainda sem cura conhecida. Ninguém pode saber dos meus planos. Vou num transporte público, aberto, parece um eléctrico. O eléctrico parece um eléctrico antigo, dos tempos da implantação da Republica. Chego ao local onde se encontra guardada a ampola. Era um palácio, agora é uma repartição pública, um organismo do Estado. Encontro lá dentro a M. Velha. Também encontro negros, são antigos escravos. Lá dentro estão três políticos, um deles é o M. R. O papel deles é impedir que o segredo seja divulgado. São traficantes de segredos. Percebo que tenho de os atacar e neutralizar.
Agora tenho a ampola comigo, mas eles vão tentar impedir-me de a utilizar.
Agrido-os. Tenho um ferro na mão. Não quero matá-los, quero desmaiá-los. A primeira pancada que dou na cabeça de um deles não faz o efeito que estamos habituados a ver nos filmes, porque ele continua de pé, a avançar para mim. Curiosamente não me quer agredir. Só quer impedir-me de ter a ampola. Peço ajuda a um dos antigos escravos. O facto é que, a partir de certa altura, os três políticos estão no chão de uma espécie de salão nobre, meio desmantelado.
Injecto-me o conteúdo da ampola, em pequenas picadas subcutâneas, a mim e a dez negros que estão atacados pelo mal.
Depois digo que vou investir o dinheiro que puder no tratamento dos negros, e sei que vou gastar dez contos nisso, e a Maria Leonor diz «que disparate gastar dinheiro com umas pessoas que estão doentes e nem sequer é garantido que se salvem. Nem devias ter gasto a ampola com eles.»Não lhe presto atenção.
Depois desço as escadas porque preciso de me pôr a andar rapidamente sem ser descoberta. Quando chego cá abaixo peço ao negro que anda por ali que limpe todos os vestígios da minha passagem, sobretudo as impressões digitais. Ele promete que o vai fazer.
Tenho de ir roubar uma ampola de um medicamento secreto e infalível para a cura de uma doença ainda sem cura conhecida. Ninguém pode saber dos meus planos. Vou num transporte público, aberto, parece um eléctrico. O eléctrico parece um eléctrico antigo, dos tempos da implantação da Republica. Chego ao local onde se encontra guardada a ampola. Era um palácio, agora é uma repartição pública, um organismo do Estado. Encontro lá dentro a M. Velha. Também encontro negros, são antigos escravos. Lá dentro estão três políticos, um deles é o M. R. O papel deles é impedir que o segredo seja divulgado. São traficantes de segredos. Percebo que tenho de os atacar e neutralizar.
Agora tenho a ampola comigo, mas eles vão tentar impedir-me de a utilizar.
Agrido-os. Tenho um ferro na mão. Não quero matá-los, quero desmaiá-los. A primeira pancada que dou na cabeça de um deles não faz o efeito que estamos habituados a ver nos filmes, porque ele continua de pé, a avançar para mim. Curiosamente não me quer agredir. Só quer impedir-me de ter a ampola. Peço ajuda a um dos antigos escravos. O facto é que, a partir de certa altura, os três políticos estão no chão de uma espécie de salão nobre, meio desmantelado.
Injecto-me o conteúdo da ampola, em pequenas picadas subcutâneas, a mim e a dez negros que estão atacados pelo mal.
Depois digo que vou investir o dinheiro que puder no tratamento dos negros, e sei que vou gastar dez contos nisso, e a Maria Leonor diz «que disparate gastar dinheiro com umas pessoas que estão doentes e nem sequer é garantido que se salvem. Nem devias ter gasto a ampola com eles.»Não lhe presto atenção.
Depois desço as escadas porque preciso de me pôr a andar rapidamente sem ser descoberta. Quando chego cá abaixo peço ao negro que anda por ali que limpe todos os vestígios da minha passagem, sobretudo as impressões digitais. Ele promete que o vai fazer.
Onde começou a revolução
NOITE DE 27 PARA 28 DE MAIO DE 1997
Só me lembro da entrada da casa. O pai não está, mas eu lembro-me de ele me ter dito que guardava a chave do lado de dentro do portão. Procuro um tapete, mas o tapete está em cima da terra, e tenho que remexer o pó para descobrir que, de facto, a chave continua ali. Também descubro coisas a que já não dou importância. Um alfinete que trouxe de Cuba. Tem a ver com Santiago de Cuba, onde começou a revolução.
Só me lembro da entrada da casa. O pai não está, mas eu lembro-me de ele me ter dito que guardava a chave do lado de dentro do portão. Procuro um tapete, mas o tapete está em cima da terra, e tenho que remexer o pó para descobrir que, de facto, a chave continua ali. Também descubro coisas a que já não dou importância. Um alfinete que trouxe de Cuba. Tem a ver com Santiago de Cuba, onde começou a revolução.
Subscrever:
Mensagens (Atom)