NOITE DE 29 PARA 30 DE SETEMBRO DE 1997
[...] Da minha carteira saem fotografias antigas. São fotografias minhas quando tinha seis, sete anos. É que, quando estava à espera de ser atendida junto do balcão ao ar livre, que era uma espécie de balcão de mercearia, e naquela sonolência que me invade, ouço o som de uma chave a cair pelas escadas abaixo. Faço uma espécie de corneta de papel para ouvir com maior nitidez o ruído metálico, ligeiramente musical, da chave a bater de degrau em degrau, e fico a ouvir porque acho que, pelo som, posso descobrir em que andar ela acaba por parar. A chave, finalmente, pára. Então as fotografias animam-se. Vejo-me a correr, num quintal. Às vezes danço. Tenho ternura por aquela eu de sete anos, que tem tanta, tanta intensidade. E tanta alegria. Penso: «oh, eu era linda». […] Finalmente vou a casa da minha avó. Entro, não está ninguém no rés-do-chão. Ouço barulho no andar de cima. São as criadas a tratar dela. Continua a ter duas criadas. Uma é da maior confiança. É a Maria. A minha avó está doente. Está na fase terminal da sua vida. Penso que não fala. Espero, ao fundo das escadas. Ela passa, com as criadas, olha para baixo e vê-me. Faz um gesto imperioso para me mandar subir. Tem cabelo curto. Penso: «sempre foi uma mulher muito voluntariosa, uma mulher com muita força». É mais alta do que eu me lembrava. De modo que subo, corro, pelas escadas acima, e lanço-me nos seus braços e penso: «afinal ela gostava mesmo de mim. E ainda gosta.» A certeza desse amor de sangue, dá-me tranquilidade e segurança. [...] Ela dança. Dança, dança, dança. Rodopia comigo e eu vou atrás, porque me agarra com muita força, e tento, ao mesmo tempo, segurá-la, para ela não cair, porque está velha e doente, e pode magoar-se. Só que já não tenho força para a segurar por muito mais tempo, e ninguém me está a ajudar. Depois estamos no quarto dela, e é muito pequeno, só lá cabem três pessoas, e eu fico mais ou menos à porta. Falta entrar a minha cadeira. […]
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