domingo, 6 de janeiro de 2008

É um boneco de madeira


NOITE DE 19 PARA 20 DE JUNHO DE 1997
Estamos, várias mulheres, num centro comercial, à espera de vez para ir à casa-de-banho. O espaço onde estamos à espera é muito apertado. A primeira senhora à minha frente acaba por desistir, a segunda também, e eu fico á frente. Então, de dentro da casa-de-banho, sai finalmente uma mulher. Mas em vez de sair completamente fica à entrada da porta a falar com quem ainda lá está dentro. Depois sai outra mulher. As duas entopem o corredor estreito e curto. E continuam a falar para mais alguém que ainda está dentro da casa-de-banho. Finalmente saem mais duas mulheres, e eu penso, é extraordinário como se meteram tantas dentro de um cubículo tão pequeno. De modo que me venho embora.
Mas antes, acho que foi antes, houve uma passagem de modelos. Estou numa sala grande, e a roupa que desfila não me interessa. Avanço, e vejo, no vão de uma janela o Paulo A., do Porto, e faço-lhe uma grande festa e ele retribui-me. É bom estarmos juntos. Tenho de dar um recado, ou buscar uma coisa, e levo um colar de morangos que era do Paulo, uma vez que eu tinha declinado o que me queriam servir. Até ver, diante dele, aqueles morangos, que comecei a comer, sem resistir. E eram muito bons.

Entretanto, nessa casa, há manifestações estranhas, supostamente na cama onde o V .terá morrido. É tudo muito diferente da vida real, mas é mesmo assim. E a Sue, ao entrar no quarto, e diante da cama vazia onde se agitam formas inconsistentes, desfere dois murros e um pontapé, e agarra de repente uma coisa que percebemos ser um boneco. E ela diz: «só podia ser isto, bem desconfiava eu!». E destapa a «coisa». É um boneco, de madeira, quase uma réplica do V., que, ainda durante a vida, se lhe tinha afeiçoado, insuflando-lhe energia ao longo dos tempos da sua longa doença.
A princípio o boneco era de pano, com pernas de trapo muito compridas. A Sue conta que lhe tinha custado 200 escudos, e que «se compravam em todo o lado» e ela comprou-o para fazer companhia ao V. que se começou a afeiçoar-se a ele. A sua cama tinha gavetões secretos, e era aí que ele o guardava. Só que agora, depois do V. ter partido, o boneco continuava lá escondido e saía do esconderijo quando queria. É pois ele o culpado das manifestações estranhas. Eu pergunto-lhe se gosta da Sue e ele responde que não. E a Sue vai buscar um pau com ar de mata-mosquitos e bate-lhe muito. Ele não se queixa, nem grita, nem se mexe, fica só assim imóvel, com um ar muito manhoso, e ela cada vez lhe bate mais, até que para.
E depois estou numa casa grande, no Porto, e vejo uma mesa, grande, na sala, inclinar-se num ângulo esquisito. Tudo estremece. Penso: é um tremor de terra. Digo: não fico dentro de uma casa quando há um tremor de terra. Depois penso: em Lisboa deve ser muito pior. Olho pela janela, está tudo muito calmo, mas vem aí outra réplica pior. A mesa volta a inclinar-se até ao chão e eu saio, procuro uma clareira, porque atrás de mim uma árvore caiu. Vejo as copas das árvores a agitarem-se, os campos a ondularem.
Depois está tudo calmo, e chega um carro que vem pelo caminho que leva à casa. Não me lembro de quem é nem quem vem lá.

4 comentários:

  1. Também mantenho um diário de sonhos. Tem-te iluminado em alguma coisa?
    A mim, ao menos, diverte-me!

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  2. Sim, diverte-me e esclarece-me. E dá outros bónus. Muitos. Por exemplo utilização dos dois hemisférios cerebrais em equidade. Essa descobri por acaso em testes e não só. Onde está o teu diário? Queres mandar sonhos para aqui?
    Beijos, A.O.

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  3. Não tenho o meu diário publicado, guardo-o apenas para mim. Há várias coisas óbvias nos sonhos, mas não sei porque me consigo lembrar muito bem de certos pormenores. Se calhar o próximo sonho mais intricado que tiver, partilho contigo, pode ser que vejas coisas que não vejo (embora a pessoa mais indicada para interpretar os sonhos seja a própria pessoa que os sonha, claro).
    Manter um diário de sonhos faz-te usar os dois hemisférios do cérebro igualmente? Como?
    Beijinhos

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  4. Tal como eu os vejo, os sonhos têm pano para mangas: não se esgotam apenas na abordagem analítica. Mas Os hemisférios, pois. É assim: de tanto treinar a memória (ao escrevê-los ainda fresquinhos) começa-se a aceder a zonas do cérebro normalmente não acessíveis de forma racional. Eu gosto de pensar que esse treino dá passaporte para "o outro lado da lua". A confirmação veio com testes psicoténicos que não tinham nada a ver com o assunto... mas tocaram na mouche.
    Bons sonhos

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